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Imagem: Javier Zarracina/Vox

Um dia os chefes serão uma relíquia do passado

Seus ancestrais provavelmente eram camponeses. Eles trabalhavam em um pequeno lote de terra e nele produziam uma colheita. Parte dela eles comiam; outra parte, entregavam a um senhor local que os mataria se não fizessem isso; e o resto eles podiam levar para a cidade e vender no mercado.

No entanto, é bem provável que com você as coisas sejam diferentes. Seu perfil no Tinder pode dizer que você gosta de comida sustentável de origem local, mas você provavelmente não é dono de terra nenhuma. Tudo o que você tem é a sua capacidade para trabalhar e algumas propriedades pessoais (no meu caso, gel de cabelo, um card de quando o Bernard King era um novato na NBA e uma dúzia de CDs em branco que comprei em 2003).

É aí que entra seu chefe. Em virtude dele possuir um local de trabalho, uma propriedade privada, um empregador tem algo que falta a qualquer candidato a funcionário. Sem terra para semear, sua força de trabalho por si só não vai produzir nenhuma mercadoria. Então você se aluga para seu empregador, mistura seu trabalho com as ferramentas de que ele é dono e com os esforços das outras pessoas que ele contrata e, em troca, recebe um salário para comprar as coisas de que precisa para sobreviver. Isso é chamado de trabalho assalariado.

Hoje, quase todo mundo concorda que formas extremas de exploração devem ser proibidas, como a escravidão ou o sistema feudal. Daqui uns 50 anos, veremos que o trabalho assalariado que temos hoje também se trata de uma forma inaceitável de exploração – e que temos formas alternativas de estruturar nosso trabalho.

Os desequilíbrios de poder são óbvios quando você assina seu contrato de trabalho. Embora seu chefe precise de trabalhadores, ele precisa de você como funcionário individual bem menos do que você precisa de dinheiro para o supermercado. Mas isso não significa que o acordo não seja mutuamente benéfico – melhor ser explorado em uma sociedade capitalista do que ficar desempregado e miserável.

Sob o feudalismo, está claro que um senhor está explorando um camponês – o camponês faz todo o trabalho. O capitalismo complica as coisas: os capitalistas contribuem com a produção nos papéis de gerentes e de convocadores da mão de obra, e seus esforços são necessários para se criar novos locais de trabalho. Além disso, de maneira crucial, os próprios capitalistas são reféns do mercado: Se tentassem se comportar de maneira diferente, perderiam espaço para concorrentes menos benevolentes.

O sistema capitalista criou um mundo de tremenda abundância; também deslocou comunidades inteiras e causou destruições ambientais gigantescas. Mas agora finalmente temos as ferramentas para organizar a sociedade de maneira diferente. A maioria de nós está socialmente reunida em grupos de trabalhadores com quem já trabalhamos de maneira coletiva – e nós trabalhadores sabemos como fazer as coisas de que a sociedade precisa, em todos os níveis desde o projeto, a produção e a entrega.

No meu modelo preferido, os trabalhadores controlariam seus próprios locais de trabalho. Eles poderiam eleger seus gerentes, cobrá-los, além de dar forma às decisões da empresa. Em vez de receberem um salário decidido pelo chefe, os trabalhadores se tornariam verdadeiros acionistas que receberiam uma parte dos lucros. Essas organizações pagariam um imposto sobre os ativos de capital (a construção, o terreno sobre o qual ela se encontra, as máquinas, etc.), na prática os alugando da sociedade como um todo. A receita desses impostos seria usada para financiar novas empresas e (juntamente com um imposto de renda) um robusto Estado de Bem-Estar Social.

Qualquer sociedade avançada precisará de alguma divisão do trabalho, mas isso não significa que o trabalho precise ser tão alienante quanto ele é hoje. Não é de se admirar que as cooperativas atualmente existentes – empresas pertencentes às pessoas que trabalham lá – sejam mais produtivas que os locais de trabalho tradicionais.

Ainda haveria concorrência no mercado e as empresas ineficientes ainda faliriam. Porém, a penalidade para os trabalhadores que “perdem” nessa competição pode ser um novo começo, com a ajuda de uma forte rede de segurança social – direito à moradia, assistência médica, assistência à infância, educação e nutrição – e não a miséria.

Para as empresas que obtiverem sucesso, o imperativo de crescer ou morrer não se aplica quando o objetivo não é mais maximizar o lucro total, mas maximizar o lucro por trabalhador. Além disso, no lugar de uma corrida para o fundo do poço, existiria uma pressão para garantir que os serviços de zeladoria e outros empregos antes considerados menos desejáveis fossem bem recompensados. Com a ajuda de políticas ativas para o mercado de trabalho e apoio social, também não deveríamos temer a automação desses papéis. Esse seria um sistema social que valorizaria materialmente e moralmente todas as pessoas.

Ainda poderia haver desigualdades de renda, e injustiças que poderiam ser mitigadas por meio de impostos e outras medidas, mas não as mesmas desigualdades de poder. Todos estarão em pé de igualdade, no sentido de que teremos o mesmo acesso a bens sociais e que ninguém será capaz de contratar outra pessoa para trabalhar para si – todo o trabalho será realizado em locais de trabalho democráticos ou em um setor público expandido.

Parece fantasioso, mas não se trata de um salto para o desconhecido num suposto “ano-zero”: é sobre pegar o que sabemos que funciona (serviços sociais universais e cooperativas de trabalhadores-proprietários) e construir um sistema social em torno disso. Em nossa época de extremos, essa é uma alternativa óbvia a um mundo em que alguns vivem esbanjando luxos, enquanto a maioria nunca tem seu incrível potencial humano nutrido e celebrado, para criar e deixar legados duradouros.


Republicado da Vox.

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Published in Análise, Capital, Cidades, Economia, Política, Sociologia and Tecnologia

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