Os votos ainda estão sendo apurados, mas a disputa eleitoral entre Donald Trump e Joe Biden está sendo muito mais acirrada do que as pesquisas previam. Estima-se que os votos válidos estejam na casa de 160 milhões, resultando em uma participação eleitoral de 67% – um nível de participação que não era visto desde a eleição de 1900.
Neste momento, ainda esperamos os resultados finais em vários Estados importantes. Mas independente dos resultados, o que sabemos com certeza é que as eleições de 2020 não vão significar o fim do trumpismo, mesmo que, como parece cada vez mais provável, o Trump acabe perdendo a eleição. Apesar de sua incompetência e insensibilidade diante da pandemia e da crise econômica, que corroeu um pouco sua base, Trump manteve o apoio de uma minoria significativa de eleitores americanos.
Graças a um sistema eleitoral sem controle e antidemocrático, é improvável, mas ainda possível, que esta minoria permita que ele permaneça no poder (não há um cenário neste momento em que Trump ganhe pelo voto popular nacional). Mas mesmo com uma vitória de Biden, a base de Trump não vai a lugar nenhum. Em particular, podemos esperar que alguns dos apoiadores de extrema direita de Trump, encorajados por sua retórica racista e xenofóbica, intensifiquem sua atividade após a eleição.
Além disso, o Senado, que provavelmente vai permanecer sob controle republicano, e um judiciário, repleto de nomeações trumpistas (não apenas a Suprema Corte), fará os apoiadores de Trump manter vias para exercer o poder. Quanto ao próprio Trump, não podemos excluir a possibilidade de que ele apenas continue fazendo campanha para que possa concorrer novamente em 2024. Seja qual for o caso, o Partido Republicano provavelmente continuará sendo o partido de Trump em um futuro próximo.
Quanto aos democratas, eles carecem de qualquer tipo de visão política coerente para combater o trumpismo. A principal – na verdade, a única – mensagem de Biden durante a campanha foi que ele não era Trump. Ele se recusou veementemente a propor qualquer tipo de visão abrangente e progressista para responder às questões urgentes atuais, como mudança climática, crise econômica, justiça racial, saúde e outras mais. Biden chegou a se gabar em vários momentos sobre o fato de ter derrotado candidatos como Bernie Sanders, que estavam promovendo esse tipo de visão, exatamente porque ele a rejeitava.
Mas, ao rejeitar uma visão mais ampla e fazer pouco mais do que prometer um retorno ao “normal”, um presidente Biden se arriscaria a retornar ao mesmo tipo de política que preparou o terreno para Trump. O fenômeno Trump é o sintoma de uma profunda crise de representação política nos EUA. Nenhum dos dois principais partidos pode atender às preocupações da grande maioria dos norte-americanos: segurança econômica, saúde e empregos. Trump pode ter falhado miseravelmente em resolver cada uma dessas preocupações e na verdade nunca teve a intenção de resolvê-las, mas pelo menos ele falou sobre essas questões de uma forma que ressoou em uma parcela significativa e desesperada da população.
Enquanto isso, o Partido Democrata, que supostamente representa os interesses dos eleitores da classe trabalhadora e média, tem, pelo menos desde a era Bill Clinton, promovido políticas que negligenciaram sua base para se aproximar de Wall Street. Em 2016, o partido pagou o preço por essas políticas, quando alguns eleitores brancos da classe trabalhadora no meio-oeste mudaram para Trump, enquanto muitos eleitores não-brancos e desiludidos ficaram em casa, abrindo o caminho estreito de Trump para a vitória. Na ausência de alguma visão política progressista convincente de Biden, é provável que veremos o retorno de uma forma ampliada de trumpismo daqui a quatro anos.
Claro, ninguém deve ter ilusões de que Biden ou o Partido Democrata são capazes de apresentar o tipo de visão política ampla de que precisamos agora. Isso vai depender inteiramente do tipo de pressão que a esquerda conseguirá gerar nas ruas para forçar coisas como o Medicare para Todos, um Green New Deal, retirar fundos da polícia e muito mais na agenda política.
Os eleitores de esquerda que apoiaram Biden relutantemente em 2020 argumentaram que ele criaria um terreno de organização mais favorável. Com Biden como o provável vencedor, é hora de começar a trabalhar moldando esse novo terreno.
[…] Publicado originalmente na Jacobin Brasil […]
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