O conceito de “socialismo democrático” tem sido um terreno em disputa – assim, não há melhor momento para apresentar ideias para explicar os nossos objetivos de longo prazo e nossas estratégias de curto prazo. Tal como Mathieu Desan e eu recentemente argumentamos na Jacobin, ter uma visão de longo prazo que transcenda o capitalismo e que aprofunde a democracia ajudará a realizar a igualdade de oportunidades e a solidariedade social — os princípios centrais que devem guiar qualquer sociedade boa.
Onde as social-democracias nórdicas se encaixam nesta visão para o socialismo democrático? É uma pergunta importante, levantada por Matt Bruenig em uma resposta ao nosso artigo. Ele concorda que a União Soviética não era uma democracia, porque o Estado não respondia perante o povo. No entanto, ele diz que esta crítica não se aplicaria aos países nórdicos, pois estas são democracias parlamentares. Assim, traçar uma linha divisória entre a nossa visão de socialismo democrático e as social-democracias existentes, como a da Noruega, seria errado.
A questão se resume a uma pergunta simples: países como a Noruega representam o limite do como pensamos que poderia ser uma economia e uma sociedade governadas democraticamente? Se a resposta for sim então, ao fim e ao cabo, a social-democracia e o socialismo democrático não são a mesma coisa?
O meu argumento não é de que os países nórdicos não sejam democráticos, como a União Soviética, mas sim que mesmo nos países nórdicos — onde existe democracia política — o socialismo democrático significaria um aprofundamento da democratização e da propriedade pública da economia em relação àquela atualmente existente.
Socialismo democrático não é social-democracia
Os países nórdicos — Finlândia, Noruega e Suécia — são social-democracias. Eles possuem democracias constitucionais representativas, fortes programas de bem-estar social, negociações coletivas entre as organizações dos trabalhadores e o capital que são manejadas pelo Estado e alguma propriedade estatal na economia. Estas instituições seriam muito mais preferíveis do que as existentes no nosso deserto neoliberal.
No entanto, mesmo que sejam concedidas aos trabalhadores mais voz tanto no local de trabalho quanto na administração da economia, o controle capitalista persiste na grande maioria dos locais de trabalho.
Nas social-democracias, a propriedade pública dos principais recursos produtivos está limitada em comparação a como poderia ser. Consideremos o caso mais forte, a Noruega. Bruenig enfatiza a sua propriedade pública assinalando que o Estado detém setenta e quatro empresas. Não é uma questão sem importância: as empresas estatais na Noruega representam quase 60% do PIB. A maior parte vem da Equinor, a estatal de petróleo, que representa mais ou menos 60% das participações estatais em ações (o Estado detém mais ou menos 67% das ações). No total, as estatais, incluindo a empresa petrolífera, empregam cerca de 280,000 trabalhadores.
Porém, os números absolutos são sempre enganadores fora do seu contexto. Há cerca de 2.8 milhões de trabalhadores empregados na Noruega. Apenas 10% da força de trabalho está empregada nestas empresas públicas. O setor público, em geral, emprega cerca de 30% da força de trabalho, a maior proporção no mundo capitalista.
Embora isso com certeza seja bastante em comparação com outras democracias capitalistas, o Estado norueguês ainda deixa uma maioria significativa da população trabalhando em empresas capitalistas para que possam sobreviver. Isso fica ainda mais evidente nas outras social-democracias.
O socialismo democrático, por outro lado, deve envolver a propriedade pública sobre a vasta maioria dos recursos produtivos da sociedade; a eliminação da condição em que os trabalhadores se veem forçados a entrar no mercado de trabalho para trabalhar para aqueles que detêm de forma privada esses bens de produção; e a criação de instituições democráticas mais fortes não só dentro do Estado mas também dentro dos locais de trabalho e das comunidades. A nossa caracterização do socialismo democrático representa um enorme aprofundamento da democracia na economia.
Esta distinção é crucial, mas Bruenig parece querer disfarçá-la. Ao fazê-lo, ele ignora o que está realmente em jogo nesse debate: por que ele pensa que a propriedade pública e a democracia econômica relativamente limitadas dos países social-democratas seria preferível ou mais viável do que algo mais extenso?
Não é uma questão de objetivos políticos mais de curto-prazo – muitas das instituições da social-democracia devem estar hoje no centro das exigências dos socialistas. Isto diz respeito à nossa visão de longo prazo como socialistas.
Os limites da social-democracia
No núcleo dos limites da social-democracia está um problema que persiste em todas as sociedades que dependem muito de empresas capitalistas para o emprego: que formas de poder são as mais importantes? Mesmo com uma robusta democracia política, nas sociedades com economias essencialmente capitalistas o poder não é exercido primordialmente através do parlamento. As empresas, com a sua simples capacidade de alocar os seus investimentos e recursos, tomam decisões privadas com enormes implicações públicas – e este poder debilita as instituições da democracia representativa.
Mesmo na melhor das democracias formais — com eleições perfeitamente livres e justas — as empresas ainda terão uma influência desproporcional sobre os representantes eleitos, que estarão sob pressão para apoiar políticas que protejam a obtenção de lucro. Mas como isso pode acontecer se eles são eleitos para o cargo e devem responder ao povo? Por que, mesmo nas social-democracias, onde os donos de empresas capitalistas são uma pequeníssima minoria do eleitorado, os burocratas estatais defendem o lucro?
Como o sustento da maioria das pessoas depende em grande medida das empresas, tanto os votantes como os políticos tendem a favorecer políticas com as quais os negócios possam ficar contentes. Porém, no caso de uma agenda socialista ser levada em frente, as empresas têm o poder de desinvestir.
Desacelerar a economia reduz a receita do Estado através de impostos, elimina empregos e geralmente termina com os políticos socialistas perdendo as eleições, realizando uma guinada em direção à austeridade ou sendo removidos à força através de um Golpe de Estado. A economia capitalista atua como um rebote de castigo automático sobre os dirigentes de estado eleitos democraticamente quando tentam estabelecer instituições socialistas para o seu eleitorado.
É precisamente por isso que o fundo Meidner dos trabalhadores na Suécia, um projeto que teria transferido a propriedade de empresas do capital para o público — algo que Bruenig e eu estamos bastante a favor e gostaríamos de ver posto em prática de alguma forma — acabou fracassando e não sendo completamente instaurado. Apesar de apoiado democraticamente, ameaçava a própria existência dos capitalistas e, assim, foi debilitada pelo poder capitalista. Mesmo na melhor das social-democracias, a aproximação entre o capitalismo e a democracia é instável.
A Noruega possui instituições capazes de contrapor greves do capital? Se orientado por princípios socialistas, parece que o fundo soberano da Noruega poderia oferecer uma linha de defesa contra este tipo de poder empresarial. Fundado em 1990 como veículo para investir os lucros excedentes da empresa estatal de petróleo, em 2017 havia crescido massivamente até 8,488 bilhões de coroas. No caso de uma greve dos capitalistas, os bens produtivos poderiam ser realocados para enfrentar a perda de empregos e o desinvestimento das empresas que usam o seu poder privado para atacar as políticas públicas socialistas.
Mas o fundo nunca foi usado dessa forma e seriam necessárias profundas mudanças para enfraquecer o poder nacional das empresas. Ao contrário do fundo folketrygdfondet norueguês, muito menor, o seu fundo soberano não é investido primariamente na economia interna – é investido no mercado externo para compensar o risco de uma crise económica local, detendo em média 1.4% de todas as empresas listadas publicamente no mundo.
Justiça seja feita, o fundo tem o mérito de ter adotado um papel ativo no desinvestimento de alguns dos produtos mais perniciosos (tabaco, armas nucleares e de fragmentação e carvão) e frequentemente usa a sua voz como acionista para tentar mudar as práticas das maiores empresas do mundo. Mas o fundo, em última análise, é guiado pelo incentivo ao lucro e limitado pela competição capitalista global. O custo monetário de tomar estas posições por princípio tem sido bem pequeno. Se usado como um bastião contra o desinvestimento capitalista, o fundo teria que assumir riscos mais significativos e potencialmente investir em empreendimentos que trariam prejuízos.
O fundo traz benefícios reais para o povo norueguês e oferece também oportunidades reais para contrariar a lógica capitalista de investimento. Mas o fato de que ele poderia tornar uma transição para o socialismo democrático mais viável não é evidência de que a Noruega já seja socialista democrática.
Mais democracia, mais propriedade pública
A social-democracia contém um paradoxo. A sua criação depende de gigantescas greves e de uma crescente organização sindical que deem origem a organizações políticas viáveis, reformas de bem-estar social e instituições de co-decisão na economia. Estes são objetivos nos quais devemos mirar.
Entretanto, historicamente, assim que as social-democracias se consolidam, os principais representantes das várias forças sociais que impulsionaram estas reformas – dirigentes estatais e representantes sindicais – precisam conter a agitação e a solidariedade da classe trabalhadora que haviam tornado este sistema possível, de forma a apaziguar o capital.
Quando a crise capitalista debilita o crescimento, estas alianças desconfortáveis tendem a se quebrar e as social-democracias geralmente recuam para os seus próprios caminhos de liberalização de direita, uma característica que partilham com tipos bem diferentes de economias capitalistas, como a Dinamarca, Alemanha, Holanda e os EUA. A mera sorte norueguesa de descobrir petróleo no início dos anos 1970 – a principal razão porque o estado detém uma porção tão grande do PIB e porque o país possui um fundo soberano tão significativo, em primeiro lugar – não é razão suficiente para ignorarmos estas profundas limitações em relação a uma democracia e a uma propriedade pública mais amplas.
Se o socialismo democrático é o que chamamos de ideal para uma sociedade democrática, então o que está em jogo na insistência de que as social-democracias nórdicas seriam, de fato, socialistas democráticas? Uma resposta é que fazendo isso, é possível contrapor os argumentos conservadores de má-fé que associam qualquer aumento das intervenções sociais na economia com sistemas autoritários fracassados. Mas nesse caso, por que não fazer o que certamente seria mais fácil e defender isso em termos explicitamente social-democratas? Por que se dar ao trabalho de se declarar “socialista”?
Não se engane: um sistema de bem-estar social estatal no estilo nórdico seria enormemente preferível à nossa alternativa neoliberal e devemos trabalhar em direção à construção de algumas das suas instituições mais importantes aqui nos nossos países. Mas ao nos declararmos socialistas democráticos, assinalamos as nossas aspirações por uma democratização mais profunda da sociedade do que a social-democracia permitiria.
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