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Dirceu discursa na passeata de protesto pela morte do estudante José Guimarães segurando a camisa ensanguentada do estudante morto durante confronto com policiais no episódio conhecido como "A Batalha da Rua Maria Antônia" em 1968.

“Os militares estão numa encruzilhada, um encontro marcado com a história do Brasil”

Entrevistado por
Cauê Seignemartin Ameni e Hugo Albuquerque

O mineiro José Dirceu de Oliveira e Silva, natural de Passa Quatro, é figura protagonista dos principais acontecimentos políticos no Brasil há pelo menos quatro décadas. Militante da esquerda revolucionária na juventude, líder estudantil, exilado político, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) e poderoso Ministro-chefe da Casa Civil de Lula no início do seu governo, desperta paixões de toda natureza. Entre amigos e inimigos, é tido como um “homem de ferro”. Não é possível contar a história do maior partido de esquerda da América Latina, ou do Brasil da redemocratização e pós-ditadura, sem passar por Dirceu. Personagem complexo, com um passado militante desconhecido pelos mais jovens, se encontra hoje em liberdade – e continua um afiado analista da conjuntura brasileira.

Destacando-se como um das principais lideranças do revitalizado movimento estudantil em São Paulo nos anos 1960, Dirceu se junta cedo ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, mas rapidamente se engaja na famosa “dissidência”, junto daqueles que defendiam estratégias de enfrentamento mais direto à Ditadura Militar, inspirados, sobretudo, pela Revolução Cubana e a resistência anti-imperialista dos comunistas vietnamitas. É na dissidência que Dirceu conhece figuras como o lendário líder da luta armada Carlos Marighella, e Olavo de Carvalho, hoje ideólogo influente no bolsonarismo. 

Em 1968, Dirceu foi preso ao tentar organizar o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e só deixou a prisão quando grupos guerrilheiros marxistas-leninistas – o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), Ação Libertadora Nacional (ALN) e a Dissidência Universitária da Guanabara – sequestraram o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. O regime militar concordou então em trocar Dirceu e mais doze prisioneiros políticos pelo embaixador. A bordo do avião da Força Aérea Brasileira, os militantes se dividiram entre Cuba, México e França.  

Em Cuba, Dirceu fez treinamento militar e retornou ao Brasil clandestinamente em 1971, como o objetivo de participar da organização da resistência armada. Com o aumento da repressão, fechamento do Congresso, criminalização dos partidos e o início das torturas e assassinatos sistemáticos contra militantes de esquerda, retornou para Cuba em 1972. Como não admitia ser banido e exilado de seu próprio país, retornou novamente ao Brasil em 1975, desta vez com cirurgia plástica e novos documentos. Ficou quatro anos vivendo clandestinamente no interior do Paraná, onde teve seu primeiro filho, mas só revelou a identidade para sua família com a chegada da anistia, em 1979. 

Ao contrário de muitos de seus antigos camaradas de partido, diante do evento-terremoto das Greves do Grande ABC Dirceu se engaja na formação do PT ao lado de sindicalistas, intelectuais, militantes do campo, da cidade e das florestas, e da esquerda católica, que se organizava nas comunidades eclesiais de base, inspiradas pela Teologia da Libertação

Como deputado constituinte, participou ativamente na elaboração da Carta de 1988. Foi um dos principais arquitetos da conversão do PT em um partido de massas e principal força eleitoral da esquerda brasileira, assim como da estratégia que levou Lula à presidência em 2002, tornando-se ministro chefe da Casa Civil. A alegria não durou muito: Dirceu foi derrubado do cargo pelo famoso escândalo do Mensalão de 2005, quando o hoje bolsonarista Roberto Jefferson lhe lançou a acusação de comandar um esquema de compra de apoio parlamentar.

Dirceu foi condenado por uma apropriação duvidosa da famosa “teoria do domínio fato” —  desautorizada pelo próprio autor dela, o penalista alemão Claus Roxin. Seus admiradores enxergam aí a primeira manifestação de uma tática de lawfare contra o PT, o processo que preparou o terreno para o golpe parlamentar contra Dilma e a prisão de Lula. 

Demonizado, Dirceu enfrentou o cárcere novamente pela operação Lava Jato. Hoje, está em liberdade novamente graças a decisão do STF de 2018, que identificou erros na fixação da pena pelo Tribunal Regional Federal da 4 Região, o mesmo que condenou Lula. Odiado por uns e amados por outro, é inegável o papel histórico de José Dirceu como militante e operador político. Conhecedor profundo da história da esquerda brasileira, partícipe engajado de suas vitórias e fracassos, persiste pensando em termos estratégicos e reivindicando a classe trabalhadora como o sujeito político crucial. Esta entrevista, concedida em meio a pandemia, foi editada e o material bruto pode ser visto neste vídeo. Nela, Dirceu comenta sobre as lutas do passado e analisa o dramático impasse político que o Brasil vive hoje.


CA / HA

Você conheceu Carlos Marighella nos anos 1960 e junto com ele e outros adotou a linha de confronto direto contra a ditadura, à revelia de muitas lideranças da esquerda organizada. Qual foi o significado de posicionamento para a época e o que significa a imagem dele hoje?

ZD

Marighella é um lutador histórico dos direitos do povo brasileiro e pela defesa da soberania brasileira. 

Marighella vem da tradição negra, baiana, nordestina, das lutas nacionais na década de 1930, já contra a ditadura Vargas. Lembremos que  ao primeiro governo Vargas, que era um governo provisório, se seguiu a Constituinte de 1934, mas que em 1937 Vargas deu um golpe de Estado com o Estado-Maior do Exército. Depois da Segunda Guerra, Vargas é derrubado pelos mesmos militares, e Marighella se torna deputado constituinte, logo cassado por Dutra – um militar que conduziu um governo repressivo, pró-EUA, combateu o sindicalismo independente e colocou o PCB na clandestinidade. Marighella, então, vem de uma tradição rebelde, libertária. Um homem de muita coragem.

Imagina você: eu era um jovem, menos de vinte anos de idade, e conheci Marighella, que já era então um ícone, uma lenda, como Apolônio de Carvalho (Apolônio lutou na Guerra Civil Espanhola contra o fascismo franquista e na Resistência Francesa contra o nazismo). Marighella vinha de uma certa tradição dentro do PCB, com a qual me identificava. Em 1965 me filiei ao PCB, mas compartilhava uma interpretação do golpe de 1964 que nos colocava em oposição ao Comitê Central do partido. Porque tínhamos uma avaliação de que o golpe seria uma reestruturação do capitalismo brasileiro. 

O golpe não foi só uma quartelada militar, contra as liberdades democráticas, mas também uma ruptura com a linha nacionalista, desenvolvimentista e industrializante. Portanto, quando Marighella começa a fazer oposição à maioria das decisões do PCB, ele estava olhando para a Revolução Cubana, que para nós era, evidentemente, uma luz. É aí que acontece a aproximação. 

Fui convidado a ir a uma reunião onde ele apresentou um plano estratégico de luta, pregando que “o dever do revolucionário é fazer a revolução” – com autonomia tática. No fundo era uma reação à burocratização e à falta de ação do partido. Então houve uma confluência entre nós. Ainda lembro do Marighella falando em cima de mapas do Brasil, sobre o triângulo estratégico São Paulo-Rio-Belo Horizonte. 

Marighella era um libertário. Foi assassinado em uma emboscada. Eu estava em Cuba, e foi um banho de água de fria – nos deixou em depressão. Foi muito difícil enfrentar a morte de Marighella, porque ele era a liderança da resistência armada contra a ditadura, quem havia criado o primeiro agrupamento revolucionário de São Paulo, rompendo com o Comitê Central do PCB e fundando a Aliança Libertadora Nacional – com a qual nós tínhamos divergências, porque eles defendia uma estratégia de “libertação nacional”, e nós insistíamos em uma estratégia socialista. Acabei ficando sem partido, sem organização, quando fui preso. Mas em Cuba fiz treinamento, sem ser filiado à ALN, “na casa dos 28”, que era o terceiro exército da organização. 

A memória que tenho do Marighella é, primeiro, de um patriota, porque a questão da soberania era central para ele – e hoje está muito ameaçada no Brasil. Aliás, o general Augusto Heleno, que era um ajudante de ordens do general Sylvio Frota na ditadura, estava envolvido na tentativa de golpe contra o general Ernesto Geisel em 12 de outubro de 1977. O manifesto dele é o governo Bolsonaro. Essa turma atacava o Geisel chamando-o de “comunista”, pelo distanciamento nas relações com os EUA. Temos essa vocação no Exército Brasileiro de se submeter à hegemonia norte-americana. Os EUA são um império, e não mais uma república. E esse império tem os seus interesses, que são contraditórios com os interesses nacionais brasileiros.

CA / HA

O general Heleno é central no governo Bolsonaro. É difícil entender porque o PT ressuscitou ele e outros generais na operação Minustah no Haiti. E não fez nada mesmo sabendo que ele era acusado, até mesmo pela mídia americana, de massacrar líderes comunitários nas favelas haitianas. Generais como ele, o vice Mourão, o general Santos Cruz e outros voltaram com essa fome política e parece que ali também fizeram algum tipo de acordo com os EUA, que era o país mais interessado no controle político do Haiti porque estava se aproximando muito da Venezuela e de Cuba no governo do Jean-Bertrand Aristide. Você avalia hoje que foi um erro o governo petista errou enviar tropas brasileiras para o Haiti?

ZD

Entre o erro e a impossibilidade. É preciso entender a correlação de forças, as condições históricas nas quais nós assumimos o governo. Fomos o único entre os governos progressistas – da onda eleita entre os fins dos anos 1990 e início dos 2000 – que não tinha maioria no Congresso, todos os demais tinham maioria. É uma característica da democracia brasileira, em parte herança da ditadura. 

O ministro da Defesa, que exerce o comando cotidiano das Forças Armadas da República não pode – porque a alta cúpula militar não aceita – fazer as promoções. Quem faz as promoções é o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. O poder civil brasileiro ainda não é poder soberano. A tutela militar é histórica no Brasil, faz parte da história dos militares na política. É assim desde 1889, no começo da República. A Revolução de 1930 é, em grande parte, uma aliança cívico-militar, com os militares tenentes. Em 1932, em São Paulo, um general comandou as tropas paulistas, que inclusive chegaram a ter um viés separatista contra o governo provisório do Getúlio Vargas. Em 1935 tem a revolta dos tenentes, que o Partido Comunista comanda e que foi igual a todas as outras: esmagada covardemente com derramamento sangue. E tem o golpe de 1937, que é do Exército, quando general Pedro Aurélio de Góis Monteiro pediu para Francisco Campos copiar a constituição polonesa – daí o nome “Polaca Fascista” –  do general Józef Piłsudski. 

Estou fazendo esse histórico para mostrar que de 1937 a 1945 ocorre, também, uma ditadura militar no Brasil: é o Estado Novo, protofascista. E depois da Segunda Guerra os militares exigem que o Getúlio renuncie, pois voltam da Força Expedicionária Brasileira já articulados com os EUA para dar esse golpe. O governo do general Eurico Gaspar Dutra, eleito um ano depois disso, é abertamente pró-americano e repressivo, uma vez que logo coloca o Partido Comunista na clandestinidade e nos enfia na Guerra Fria. Só não mandamos tropas à Coréia por causa de oposição popular e democrática em 1953/54 (mas, após golpe militar, mandamos em 1965 para República Dominicana).

Os militares tentam de novo dar um golpe em 1950 alegando que Getúlio não tinha maioria absoluta; em 1955 o marechal Henrique Teixeira Lott dá um contragolpe, dividindo o Exército. Em 1961 uma junta militar, com os três comandantes, tenta tomar o poder, porque não querem dar posse para o Jango Goulart, mas o Leonel Brizola se levanta em armas no Sul com o apoio da polícia gaúcha, divide o Terceiro Exército, cria a cadeia da legalidade pelas rádios, mobiliza o país, impede o golpe. Aí vem o acordo do parlamentarismo. Em 1964 eles conseguem dar o golpe se apoiando na Escola Superior de Guerra (ESG), com o chamado “grupo da Sorbonne”, representado pelo general Castelo Branco. Depois os militares impõem cinco presidentes escolhidos no Estado-Maior das três Armas, e ficam no poder até 1985. Por isso, essa história de que não tem golpe de Estado, nem tutela militar, é mentira! Os militares toleraram o poder civil, mas nunca aceitaram. 

Agora estão novamente submetendo as Forças Armadas Brasileiras ao Comando Sul norte-americano. A política externa brasileira é determinada pela embaixadora dos EUA na ONU e pelo representante americano na Unesco e na FAO. Só não estamos totalmente submissos na Organização Mundial do Comércio (OMC) porque aí entram os interesses da indústria brasileira – e do agronegócio principalmente. 

O Brasil vive um momento gravíssimo. Por isso a oposição das classes médias – cosmopolitas, urbanas – aumenta. É um governo que vai levar à devastação da Amazônia, enquanto deveríamos zerar o desmatamento, investir só no desenvolvimento extrativista sustentável, preservando a biodiversidade. O Brasil não precisa devastar a Amazônia para ampliar  fronteira agrícola. Só de terras que podem ser recuperadas temos 40 milhões de hectares. Ao mesmo tempo, o governo tem uma política anti-científica, que nega o aquecimento global, que é negacionista. E é negacionista até com a pandemia. Coisa de genocida! 

Um governo inimigo da cultura, inimigo da educação, inimigo da imprensa. Que por ter se unido ao fundamentalismo religioso tem uma visão da vida e da sociedade baseada na Bíblia – não é problema que as pessoas optem por basear suas vidas na Bíblia, o que não pode acontecer é que se queira impor à República, à maioria do país, que é cristã, mas não neopentecostal. Em suma, é  um governo que não aceita o pluralismo, a diversidade, a liberdade. A agenda do Bolsonaro é um obscurantismo mesclado com autoritarismo, e a submissão aos EUA, atentando contra a soberania nacional – por isso o Marighella volta a ser uma presença. 

Mas você tem razão – nós erramos. Tenho chamado atenção para duas coisas: o comando militar na Amazônia e as missões no exterior, pois é aí que os militares construíram uma aliança com os norte-americanos. É a mesma situação com os procuradores: o Sérgio Moro e alguns ministros dos tribunais superiores vão estudar nos EUA e voltam articulados com os interesses de lá. 

Estamos com um problema grave nas Forças Armadas quando o general Villas-Bôas elogia a Regina Duarte e os três comandantes emitem um documento oficial elogiando o golpe de 1964. Deveriam ter sido afastados para responder processo disciplinar, como aconteceu no Uruguai e no Chile e aconteceria em qualquer país democrático do mundo. Há dúvidas de para onde estamos indo? A democracia está na UTI. Já estamos vivendo um governo autoritário, que está aparelhando a Polícia Federal, aparelhando o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), aparelhando a Receita Federal e aparelhando o Ministério Público. A Polícia Federal está sendo posta a serviço do Bolsonaro.

Estamos vivendo uma situação de emergência nacional, por isso é necessária uma ampla frente política para enfrentar o bolsonarismo. Isso não tem nada a ver com disputa de 2022. No que depender de mim, vamos constituir uma frente de esquerda ou com o centro democrático (a direita liberal que se opõe ao Bolsonaro é outra coisa). 

CA / HA

As Forças Armadas têm um papel de tutela comum na América Latina, mas no Brasil elas mais se assemelham a um metapartido. Geisel parece ter feito, junto com o general Golbery do Couto e Silva, uma manobra interessante para manter o poder e conservá-lo no final dos anos 1970 ou teriam que começar uma repressão absurda, como foi na Argentina. Será que a atual conjuntura empurrou essa turma, que é mais a “do porão” do que a “da Sorbonne”, para uma espécie de Guerra das Malvinas na forma de uma pandemia, como os militares argentinos fizeram nos anos 1980, colocando o pé no acelerador?

ZD

Os militares nunca tiveram o apoio da maioria dos brasileiros. Em 1966 perderam as eleições no Rio de Janeiro e em Minas, depois de impugnar candidatos inventando inelegibilidade em domicílio eleitoral. Depois dessa derrota, justamente por não terem maioria, acabaram com as eleições para presidente, extinguiram partidos e cassaram os poderes do Legislativo. Tinha eleição controlada a cada dois anos no Brasil para vereador e prefeito, governador, Câmara e Senado, mas não tinha eleição direta para presidente. Em 1974, depois de seis de repressão, a repressão intensa começou em 68, perderam a eleição de novo: o povo foi às urnas e dos 21 senadores deu 16 para o MDB, que era a oposição permitida pela ditadura, e só 1 para Arena (os outros eram independentes). Em 1978, o MDB elegeu o presidente do colégio eleitoral e o sucessor do Geisel. Os militares então fizeram o Pacote de Abril e mudaram os critérios dos colégios eleitorais. 

O general Geisel não tinha opção e já não tinha mais viabilidade, nem sequer internacional. Isso o levou a caminhar para uma política anti-EUA, não apenas pelos interesses nacionais, mas principalmente pela questão dos direitos humanos, já que o governo Jimmy Carter começa uma política mundial de condenação de governos que torturavam, reprimiam oposição e violavam os direitos humanos. Independente de como Washington instrumentaliza essas questões para os seus próprios interesses imperiais, o fato é que passaram a defender os direitos humanos no Brasil (ainda que não defendessem, por exemplo, na Arábia Saudita, como até hoje não defendem). Os EUA, como vocês sabem, sustentaram Anastasio Somoza García na Nicarágua, Alfredo Stroessner no Paraguai, Rafael Trujillo na República Dominicana, Augusto Pinochet no Chile, muitos dos piores ditadores da América Latina, enquanto combatiam Velasco Alvarado, do Peru, porque era uma ditadura militar nacionalista, popular, que fez a reforma agrária e começou a desenvolver o país. 

Creio que passa por um fator histórico também: Geisel assumiu uma plataforma desenvolvimentista, estatista e industrializante, para concluir o projeto de desenvolvimento nacional getulista, que era originalmente do Exército, uma vez que este era um dos mais interessados na industrialização do Brasil, tanto por razões de defesa nacional quanto pelo potencial “conflito” com a Argentina. Assim, Geisel cria o segundo plano nacional de desenvolvimento. Esse projeto de desenvolvimento estabeleceu que em setores estratégicos qualquer investimento externo precisava ser um terço externo, um terço privado nacional e um terço estatal, além de fortalecer a Petrobrás e o BNDES. É claro, no processo Geisel endividou o país e os benefícios daquele crescimento não foram pras classes trabalhadoras – tanto é que aumentou a pobreza, cresceram as favelas, etc..

O que quero dizer é que houve reação ao Geisel também por causa disso: porque ele interferiu na submissão do país aos interesses dos EUA. Rompe com acordo militar brasileiro-americano, que só volta depois (infelizmente), cria o acordo nuclear com a Alemanha para importar tecnologia e enriquecer urânio – somos um dos poucos países do mundo, fora as potências nucleares, que enriquece urânio e tem tecnologia para fabricar qualquer artefato nuclear. 

Hoje não vejo nenhuma dissidência nas Forças Armadas, mas surgirá. É evidente que as contradições que estão na sociedade vão entrar lá também, ainda que as Forças Armadas tenha se transformado em uma espécie de casta nos últimos 30 anos. O corporativismo já era acentuado, mas tem piorado: saíram ganhando com a reforma da Previdência, se aposentam sem limite de idade, boa parte se aposenta antes dos 50 anos, têm as melhores escolas, vão ganhar agora gratificação de estudo, verba de representação e ajuda de custo. Eles têm saúde própria, escolas próprias, casas e apartamentos próprios, clubes próprios, como uma verdadeira casta. Como no Chile, onde os militares se apoderaram de parte das receitas da estatal chilena de cobre e apoiaram a política ultraliberal de Pinochet para todo o resto da população, os militares no Brasil estão alinhados com Washington. As Forças Armadas brasileiras hoje fazem parte da estratégia militar do Comando Sul dos EUA. E agora levaram um tapa na cara da Boeing, mesmo cedendo Alcântara e a Embraer. 

As contradições vão surgir: o setor agropecuário quer que haja um plano nacional de desenvolvimento, porque o Brasil é totalmente dependente do exterior para produção de agrotóxicos, ração alimentar, vacinas, remédios, porque nós não concluímos a industrialização da química fina dos fármacos e também não fizemos uma revolução científica e tecnológica. O Brasil entrou tardiamente na automação, depois na robotização e agora na inteligência artificial.

Qualquer governo que queira esse país autônomo e independente tem que fazer uma revolução educacional e tecnológica, precisa ter recursos pra isso e a iniciativa privada não vai investir. O Brasil é uma potência científica. Não só é um país que tem indústria de base, tem uma agroindústrias das mais modernas, tem dois vetores fundamentais, a soberania alimentar e a energética, mercado interno, bancos públicos, base industrial, capacidade tecnológica. Tem potencial para um salto de desenvolvimento nos próximos vinte anos. 

O mundo vai entrar agora numa fase de desglobalização e de poderes regionais e interesses nacionais. Não há maiorias estáveis na Europa e o nacionalismo extremista e a xenofobia anti-imigração crescem. O  Reino Unido saí da União Europeia, Alemanha agora dá as costas pra União Europeia na pandemia – está cuidando dos seus próprios interesses, como fez quando salvou os bancos dela na crise de 2008 a 2011, enquanto afundava a Grécia e a Espanha. 

Então será outro mundo. E é isso que os militares têm que responder pro país: qual é o futuro do Brasil? Ser um exportador de matéria-prima e alimentos? Um país que tem 50% de saneamento e 15 milhões de apartamentos e residências para fazer? Onde um terço da população não tem acesso aos bens básicos, 12,5 milhões estão abaixo da linha da extrema pobreza e 50 milhões abaixo da linha da pobreza. Temos quase 17 milhões de brasileiros que não têm renda nenhuma. 

A elite brasileira não está à altura do que é o Brasil. É muito egoísmo. Como pode um país onde se tem alíquotas de 2 a 6 mil reais para o imposto de renda? Quando chega a 6 mil paga a mesma alíquota que quem ganha 60 mil, 600 mil. Não se paga imposto sobre lucros e dividendos, nem sobre herança e grandes fortunas. A propriedade e a renda não pagam impostos, quem paga imposto é a classe trabalhadora, é ela que paga imposto em bens de consumo, que paga IPTU, IPVA, é o pequeno e o micro, fora a apropriação de grande parte da renda nacional pelos três bancos. A taxa básica de juros teria como ser zero nesse momento. E não pagar juros da dívida pública economizaria centenas de bilhões. Dois terços da dívida pública brasileira é ficar pagando juros de 4% a 8% quando em todo o mundo o juro é negativo. 

Esses juros altos são apropriação da renda da classe trabalhadora, da imensa maioria dos brasileiros, inclusive dos pequenos e médios empresários, pequenas e microempresas, até das grandes empresas. A Tereza Cristina [ministra da agricultura de Bolsonaro], numa reunião ministerial, diz que o agronegócio não suporta pagar juro de 9%, enquanto o trabalhador paga 50% para comprar bens de consumo duráveis.

É evidentemente que sem desconcentrar a renda, a riqueza e a propriedade o Brasil não vai pra frente. Mas oposição liberal não quer ouvir falar nisso. O Luciano Huck, o Armínio Fraga falam da desigualdade, mas não querem discutir reforma tributária, nem mexer com juros. A classe trabalhadora tem duas maneiras de participar da riqueza nacional: ou pelos salários ou pelos serviços públicos universais, o Sistema Único de Saúde, a educação pública e gratuita de primeiro e segundo grau, a Previdência, o seguro desemprego, a cultura pública, o espaço público e o subsídio para comprar casa. O Brasil tem que fazer um novo programa nacional. Hoje é a pandemia, amanhã pode ser o aquecimento global, a miséria e a pobreza, que vai levar o mundo a uma tragédia.

CA / HA

E e o resto da América Latina está caminhando para o que foi a Argentina nos anos 1980, repetindo aqui o desastre da Guerra das Malvinas só que em forma de peste?

ZD

O neoliberalismo, o que o Paulo Guedes quer fazer no Brasil, o Macri fez na Argentina, o que Pinochet fez no Chile etc. As populações se levantaram e enfrentaram as Forças Armadas no Chile e no Equador, mas não enfrentaram na Colômbia que se dividiu numa guerra civil, o exército nem quis sair pra rua, deixou o país ficar três, quatro semanas parado em protesto. No Equador a situação é a mesma e na Bolívia eles deram um golpe de Estado para restaurar o velho regime. 

Voltamos o que era antes, onde se desconhece o indígena, que é a maioria do país, e desconhece a diferença religiosa e linguística deles. É como disse agora o ministro da Educação, Abraham Weintraub: “só tem um povo”. Nós conhecemos esse discurso, de quem é esse discurso de que só tem um povo? Do nazismo! Não tem negro e branco, não tem homem e mulher, não tem pobre e rico, não tem cristão, umbandista, espírita, agnóstico, ateu, entendeu? Isso nós conhecemos. Os militares estão em uma encruzilhada, um encontro marcado com a história do Brasil, eles vão cuidar só dos interesses corporativistas deles e se a alinhar com os EUA e com as elites predatórias brasileiras ou vão ficar ao lado do povo? Essa é a questão.    

CA / HA

O ideólogo por trás dos militares é o ex-comunista Olavo de Carvalho, que também tem penetração no Ministério Público, Polícia Federal e tribunais. Leon Trotsky escreveu, no livro Como esmagar o fascismo, que o ex-comunista Mussolini foi um dos principais ideólogos do  nazifascismo. Olavo parece que ser nosso Mussolini, um ex-comunista traçando a estratégia nazifascista. Ele alega que te conheceu e te acusa de ser o grande gramsciano por trás do PT. Como não temos uma boa biografia para traçar essa trajetória e entender porque ele vai para os EUA, gostaríamos de saber quem era ele e no que ele se transformou hoje?

ZD

Realmente conheci Olavo de Carvalho com Rui Falcão e outros como João Leonardo da Silva Rocha, que foi assassinado pela ditadura, na Casa do Estudante, na São João, na década de 1960, onde tínhamos um aparelho. Tínhamos um mimeógrafo a álcool e fazíamos reuniões lá. Eu era secretário de agitação e propaganda da dissidência. A imagem que eu tenho do Olavo de Carvalho é que ele não tinha nenhum carisma, nenhuma liderança, era um pouco intelectual. Seria um yuppie hoje, quase um almofadinha. Não tenho a imagem dele como a de um comunista. Éramos todos do Partido Comunista, mas ele não se destacava. 

Eu não lembro muito dele porque sou péssimo de memória. Você falou bem, ele me acusa de ser – título que eu não mereço, Marco Aurélio Garcia talvez merecesse – um gramsciano e ter sido o elaborador de uma estratégia de tomada do poder a partir de Gramsci – estou até com o dicionário na mesa, Dicionário Gramsciano. Evidentemente que o PT é uma obra coletiva, não de um e de outro. Primeiro o PT é um partido plural de muitas correntes políticas – menos hoje, que tem muito mais poder do que correntes políticas e ideológicas. Também é um partido de intelectuais, de formuladores de política, de historiadores e filósofos. O PT é um partido de produção coletiva. O Olívio Dutra sempre falava que nós éramos uma orquestra.

O Olavo de Carvalho construiu a ideologia de extrema-direita brasileira, que é protofascista mesmo, mas ele não construiu uma estratégia de tomada do poder. Ele tava à parte e foi adotado como ideólogo pelo que pregava e se associou à aventura bolsonarista, por que isso é uma aventura que está custando caro ao país, e que as elites do país, para combater a esquerda e o PT foram coniventes, namoraram e dormiram junto com o inimigo, que hoje é inimigo delas. Agora estão tentando se separar, querem fazer o divórcio amigável, mas está difícil porque o Bolsonaro quer não só nos reprimir como reprimir a eles também, começando pela Rede Globo e pela Folha de São Paulo e pelo PSDB, que são todos “comunistas” para ele. 

Acredito que Olavo de Carvalho também tenha esse papel pela absoluta miséria intelectual do Bolsonaro, dos militares e das elites brasileiras, já não estou falando mais da oposição, estou falando do Luciano Hang, dono da Madero, desse Flávio Rocha. Se você ver o que fala o Partido Novo não deu certo em lugar nenhum do mundo. Não viram o que aconteceu na Argentina, Chile, Equador, Colômbia e Peru? Os povos latino-americanos não aceitam o neoliberalismo. Essa ideologia não cabe no Brasil. E está ruindo no mundo todo. 

Então acredito que grande parte da responsabilidade não é nossa [do PT], por mais que nós tenhamos cometido erros no governo, mas não foram erros maiores que Fernando Henrique Cardoso cometeu no governo dele: câmbio fixo, venda 1 trilhão de patrimônio por 100 bilhões de dólares, aumento a carga tributária em 6%, apagão, desemprego, além de ter quebrado o Brasil duas vezes, indo pedir socorro ao FMI com o pires na mão. Agora a conivência deles de não votar no Fernando Haddad no segundo turno para namorar o bolsonarismo é outra coisa. O PSDB foi a vanguarda da reforma trabalhista e da previdenciária, dos projetos do Guedes. Não adianta culpar só PSL pelo extremismo de direita, pelo que está acontecendo no país. 

De todo modo, agora é hora de unir todo mundo pra tirar o Bolsonaro.

CA / HA

Depois da saída do Moro fica mais claro que a centro-direita, representada pelo Estadão, Folha, Globo, Band, parte do agronegócio, PSDB, DEM e até o general Santos Cruz, estão em rota de colisão com o Bolsonaro, podendo desencadear um processo de impeachment ou a cassação de chapa. Ao mesmo tempo você é de uma geração que derrotou a direita radical e viu que, por exemplo, em 1968, a Passeata dos Cem Mil, não estremeceu a ditadura da mesma maneira que as greves do Grande ABC no final dos anos 1970. Dada a conjuntura da pandemia, como essa oposição de frente ampla poderia se organizar, visto que não é possível fazer uma grande passeata? Qual seria a melhor estratégia para unir da centro-direita à extrema-esquerda para derrubar o Bolsonaro?

ZD

Se você olhar as pesquisas, vai ver que a imensa maioria dos empresários está contra o lockdown, embora seja a favor do isolamento. A juventude e as mulheres, pessoas de baixa escolaridade e baixa renda, são os maiores apoiadores do isolamento social. Entre as mulheres e os jovens é onde se concentra a maior oposição ao Bolsonaro, fundamentalmente pela questão da liberdade. Não é só a questão material, não é o desemprego, não é nem o caráter autoritário – é o obscurantismo do Bolsonaro e ameaça aos direitos das mulheres e às liberdades da juventude. 

O Bolsonaro não tem mais apoio da superestrutura do país, dos partidos. Mas ainda tem bases de apoio no Judiciário, no Ministério Público, na Polícia Federal, nas Polícias Militares, em todos os Estados-Maiores, nas empresas de segurança, nas milícias e nas neopentecostais. Bolsonaro vai acabar ficando só com seus 20%. Mais de 65% do país vai ficar contra: reprovar o seu governo e apoiar o impeachment. O primeiro problema, para quem calcula fazer o impeachment, é que existe o risco militar. O segundo risco é o da guerra civil. Bolsonaro diz que vai reagir, e é lógico que eles não vão aceitar o impeachment. A não ser que seja tudo um blefe total essa demonstração de força e exibição desaforada com todo esse discurso do Carlos, Flávio, Eduardo, e do próprio Bolsonaro, dizendo que está liberando armas, como o Bolsonaro mesmo já disse, pra armar “o povo” – o povo dele. 

São cada vez menores a manifestações pro-Bolsonaro, e a imensa maioria da classe média é ou morista, ou progressista, ou conservadora (mas anti-Bolsonaro). Então, onde o Bolsonaro vai se apoiar para dar um golpe de Estado? Nas Forças Armadas – porque no Judiciário ou no Parlamento é que não vai ser. Ele está tentando recrutar os partidos fisiológicos do Centrão, mas aí há rachas, por causa dos ataques aos governadores.

Bolsonaro está numa contradição: do Pará até a Bahia, os governadores apoiam o distanciamento social, e defendem uma outra política federativa (e tributária). Resultado: o país está num empate. Como a oposição liberal não tem coragem, e fica de olho no Guedes (que ela quer preservar), resta [para essa oposição liberal] ficar esperando para ser chamada pelo Mourão e as Forças Armadas para fazer uma transição por cima, como fizeram em 1985 e como fizeram com o Collor. Aliás, como fizeram também com a Dilma: deram um golpe e anunciaram o que o Guedes está fazendo agora, com a “Ponte para o Futuro” que o Temer já havia anunciado. 

Agora, tudo tem um limite. Para eles [bolsonarismo], pra nós e pra oposição liberal de direita. Bolsonaro não tem como aprovar no Supremo, na Câmara dos Deputados ou no Senado, uma legislação que transforme o regime num regime unipessoal e autoritário – não sem golpe de Estado. Bolsonaro quis governar por decreto-lei, o Supremo não deixou. Quis censurar a imprensa, o Supremo não deixou. Quis quebrar a autonomia universitária, o Supremo não deixou. Quis impor o “Escola sem Partido”, o Supremo também não deixou. E muitas das decisões dele sobre meio ambiente, educação, cultura não prosperaram porque o Congresso deixou caducar a Medida Provisória, ou derrubou veto presidencial. 

O Bolsonaro está querendo repetir a Lava Jato. Isso que ele começou agora no Rio é trazer o tema da corrupção para o centro das atenções, uma tema que no Brasil sempre foi um grande instrumento político de retórica da direita. A ditadura e o golpe de 1964 era “contra a corrupção” primeiro, segundo contra a “subversão” (comunista). Agora, você imagina o que houve de corrupção na época da ditadura, quando não se podia investigar e publicar. O que os militares mais falam é da Lava Jato, como se não houvesse corrupção nas Forças Armadas. Agora mesmo apareceu a notícia de oficiais da Marinha e do Exército que estavam roubando dinheiro num esquema para lavar roupa. A Justiça Militar está apurando. E tudo isso dificilmente a imprensa descobre. Precisamos ainda fazer uma pesquisa nos tribunais militares de tudo que há de corrupção nas Forças Armadas. 

Nós estamos vivendo um empate que está chegando no limite. A tendência é o Bolsonaro ir perdendo apoio. Muitos acreditam que ele é competitivo para 2022, mas está muito longe. Os riscos que estamos correndo da pandemia, a crise econômica que vem, os conflitos políticos que se acentuarão… Ver tudo isso e achar que vai acabar a pandemia e pronto, vão retomar a política deles e não vai acontecer luta política, luta social, no Brasil – é viver em outro mundo. 

A tese liberal de “menos direitos, mais empregos” é conversa pra boi dormir. O ser humano não aceita a escravidão, não aceita ser superexplorado como os trabalhadores de aplicativo. Aliás, os trabalhadores de aplicativo já começaram a se organizar e a lutar. O problema é: onde nós, da esquerda, estamos? Estamos ao lado desses trabalhadores lutando e apoiando? Nós fomos dialogar, preparar com eles uma cartilha dos direitos, oferecemos apoio organizacional e assistência jurídica? Não! E depois vamos dizer que eles não lutam? Lutam, sim, claro que lutam. Começaram espontaneamente a lutar, da mesma forma como as mulheres trabalhadoras se levantaram nos bairros populares das grandes cidades na década de 1970 na luta contra a carestia. O que mudou a história do Brasil foi a entrada dos trabalhadores na luta contra a ditadura. 

A oposição liberal parece ver os militares como uma bomba nuclear, então ficaríamos em uma espécie de “guerra fria” com o Bolsonaro. Mas nem o Bolsonaro vai aceitar isso, nem o país vai tolerar – haverá um desenlace, mais cedo ou mais tarde.

CA / HA

O capital acabou se recompondo e basicamente fez uma estratégia de destruir o mundo do trabalho. Reconfigurou a relação capital-trabalho, de exploração, em outros termos: esses novos trabalhadores precarizados são colocados como empreendedores. Ou podemos pegar o caso também dos “microempresários” que, a rigor, se abrirmos o capital, não são capitalistas, mas ainda assim se veem como tais.

ZD

Aos poucos vão virando parte de uma economia integrada: um prestador de serviços ou um produtor associado a grandes conglomerados, onde há exploração. Fora a exploração dos juros. De toda forma, a exploração continua: cada vez participam menos da riqueza que criam. Vai aumentando a concentração de riqueza e a precarização, ao passo que vai caindo a renda de amplas parcelas das classes trabalhadoras. Na década de 1970 o capitalismo brasileiro criou muita miséria nas grandes cidades, mas criou também a classe operária industrial. Essa classe operária tinha (e tem até hoje) um salário de 5 a 10 vezes maior que os salários no comércio e nos serviços. 

A contradição é  que não há como crescer a economia do mundo, nem a economia brasileira, com esse nível de concentração de renda que se criou. A revolução tecnológica em curso só vai agravar o problema. É preciso pensar uma solução: pode ser um programa de renda mínima, ou um sistema de serviços sociais universais, ou ampliar o acesso a setores como lazer, cultura, turismo gerando novos empregos, ou reduzir a jornada de trabalho para quatro horas. De um jeito ou de outro, é preciso dar resposta ao problema: o que fazer com a população que não encontra trabalho? 

CA / HA

Dirceu, você veio da esquerda revolucionária, que participou da luta armada contra a ditadura, mas no final dos anos 70 se alinhou com figuras como o Lula, do novo sindicalismo, para construir um partido de massas a partir da classe trabalhadora. Além do amadurecimento como um processo histórico objetivo da classe trabalhadora que vem do Getúlio, houve um gesto político de vocês, de junto dos trabalhadores criar um partido que fosse de massa e de esquerda. O que aquele espírito do final dos anos 1970 diz para o PT hoje? A gente acaba caindo na velha questão leninista: O Que Fazer?    

ZD

O que fizemos na década de 1970: ir ao povo, ir aos bairros. Onde estamos nós, a esquerda institucional, quando uma mãe vê o filho com problemas com drogas? A igreja evangélica providencia uma clínica. Quando uma família se vê o chefe da casa, a mulher ou o homem, sem emprego: a igreja evangélica abraça. Até quando a família está passando por uma separação, litigiosa ou não, a igreja evangélica oferece terapia na televisão pros casais. 

Quando tem um incêndio ou uma enchente no bairro, onde está a solidariedade? Onde nós estamos? Essa é a pergunta que temos que nos fazer: onde estão os sindicatos e os partidos de esquerda? Nós estamos na luta institucional, estamos nos governos – e tudo isso é muito importante. Mas nós temos de voltar a fazer nas redes, nos bairros, na vida cotidiana das pessoas, a luta política e social: cursinhos, assistência jurídica, vida cultural. É evidente que estamos lutando do lado do povo no lado institucional, nos tribunais, no Parlamento, nos nossos governos, basta ver os governos nossos no Nordeste, que são um contraponto ao Bolsonaro. 

As esquerdas já estão começando a rearticulação, embora estejam atrás nas redes digitais, que já são o principal instrumento da vida política desde 2008. Nós apanhamos de 10 a 0 em 2018 nas redes. Além de termos perdido o trem da história das mudanças no mundo do trabalho: hoje existe uma realidade de pequenos e médios empresário, microempreendedores individuais, informais, quase todos nos bairros. E temos também que fazer uma renovação geracional nos partidos; nós, os velhos dirigentes, estamos todos com setenta anos. 

O mundo está vivendo uma tragédia e os tempos que estão sendo anunciados não são bons, se não houver profundas mudanças. Portanto, precisamos encontrar e criar caminhos.

Cierre

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