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Após o tiroteio de 4 de maio de 1970 contra os estudantes da Universidade de Kent, os alunos da UNM tomam o prédio da União dos Estudantes. Steven Clevenger / Corbis.

Há cinquenta anos, milhões de estudantes reivindicavam o fim da guerra no Vietnã

“Nixon e os soldadinhos de chumbo estão chegando
Estamos finalmente por nossa conta.
Este verão, eu ouço os tambores
Quatro mortos em O-hi-o…”

—“Ohio,” Crosby, Stills, Nash & Young (1970)


O presidente Richard Nixon costumava se gabar do quão preciso havia sido o seu prognóstico político. Ele realmente nunca foi tão certeiro quanto há cinquenta anos. Pouco antes do seu discurso na Casa Branca, anunciando a invasão militar no Camboja, ele afirmou à secretária. “É possível que, depois desse discurso, os campus universitários peguem fogo”.  

E isso, de fato, aconteceu. O inesperado anúncio de escalada da guerra no sudeste asiático, já impopular devido aos ataques no Vietnã, desencadeou uma série de acontecimentos que culminaram na maior greve estudantil da história dos EUA.

Em maio de 1970, estima-se que 4 milhões de jovens tenham se juntado em protestos que acabaram interrompendo as aulas em setecentas faculdades, universidades e escolas de ensino médio em todo o país. Muitas delas foram forçadas a permanecer fechadas pelo resto do semestre.

Durante um motim sem precedentes, cerca de dois mil estudantes foram presos após incendiarem trinta prédios usados pelo Corpo de Treinamento dos Oficiais da Reserva (ROTC). A Guarda Nacional foi acionada, permanecendo de prontidão em vinte e um campus universitários, espalhados por dezesseis Estados.

Em 4 de maio, membros da Guarda Nacional, que haviam acabado de reprimir uma greve de caminhoneiros, onde mataram quatro estudantes e feriram mais nove na Universidade de Kent, em Ohio. Dez dias depois, a Polícia Estadual do Mississippi disparou contra um dormitório feminino da Universidade de Jackson, matando mais duas estudantes.

A onerosa guerra no sudeste asiático havia finalmente chegado dentro dos EUA, causando um enorme impacto e gerando, de acordo com a Comissão Presidencial de Distúrbios nos Campus (Comissão Scranton), criada posteriormente por Nixon, uma “crise inédita” no ensino superior. 

A greve dos campus revelou o poder da ação coletiva. A nova movimentação de centenas de milhares de estudantes, não engajados até então em atividades antiguerra, geraram grandes tremores políticos em todo o país, ajudando a reduzir, inclusive, a intervenção militar no sudeste asiático.

Como observa Neil Sheehan em A Bright Shining Lie, sua premiada história sobre a Guerra do Vietnã, a “fogueira de protestos” desencadeada pela “incursão” de Nixon no Camboja foi tão poderosa que a Casa Branca “não teve alternativa senão acelerar a retirada” das tropas norte-americanas da região. Infelizmente, isso levou mais cinco anos para acontecer, causando mais derramamento de sangue entre os vietnamitas (a estimativa é que tenham sido 3 milhões de mortes, entre civis e militares).

O curso do protesto

Alguns radicais começaram a se opor à política dos EUA no Vietnã já no primeiro mandato do antecessor de Nixon, Lyndon B. Johnson. Na campanha presidencial contra o senador republicano de extrema-direita, Barry Goldwater, Johnson havia se posicionado como o “candidato à paz”. Mas, nos dois anos seguintes, deu início à formação de um grande contingente militar para impedir que a sua aliada, a República do Vietnã, fosse derrubada por uma insurgência comunista, que despontava na parte sul do país.

As primeiras críticas a Johnson foram mais comedidas e se manifestaram em “fóruns” – debates e aulas sobre o Vietnã – dentro dos campus. Mas todas essas conversas logo se transformaram em ação. Centenas e, posteriormente, milhares de protestos foram organizados – contra o recrutamento militar, o treinamento de oficiais dentro dos campus, as pesquisas universitárias financiadas pelo Pentágono e as visitas de recrutadores de fabricantes de armas como a Dow Chemical Company.

Uma ofensiva dos insurgentes vietnamitas, em fevereiro de 1968, e o número crescente de baixas norte-americanas (que totalizaram sessenta mil) abalaram qualquer esperança de vitória estadunidense. Mesmo depois que o presidente se recusou a concorrer à reeleição, manifestantes continuavam a se proliferar em Washington, DC. Em 1967, cinquenta mil pessoas marcharam em direção ao Pentágono. Dois anos depois, já eram trezentos mil protestando na frente da Casa Branca.

Nixon substituiu Johnson em janeiro de 1969, depois que o candidato democrata Hubert Humphrey, vice-presidente de Johnson e leal defensor da guerra, foi derrotado. Nixon afirmou ter um “plano secreto” para levar a paz ao Vietnã e retirar as quinhentas mil tropas norte-americanas que ainda estavam instaladas no país.

Porém, o plano secreto de Nixon não passava de uma “vietnamização” da guerra – enquanto conduzia bombardeios maciços em todo o Vietnã, Laos e Camboja, delegou o combate terrestre às tropas vietnamitas leais ao governo dos EUA, em Saigon. Em 30 de abril de 1970, os EUA também enviavam tropas para o Camboja.

Estudantes de instituições privadas de elite, há muito tempo associados aos protestos contra a guerra, foram os primeiros a reagir. Greves despontaram em Columbia, Princeton, Brandeis e Yale, onde os estudantes já haviam boicotado às aulas em apoio ao Partido dos Panteras Negras, em julgamento em New Haven.

Enquanto isso, depois de um tumulto no centro de Kent numa sexta-feira à noite, um prédio da ROTC foi incendiado. O governador de Ohio, James Rhodes, ordenou que mil oficiais da Guarda Nacional ocupassem o campus da universidade para impedir qualquer tipo de manifestação.

A Guarda Nacional chegou carregada de baionetas, bombas de gás lacrimogêneo, espingardas e M1s – um rifle militar de longo alcance e alta velocidade. Em 4 de maio, uma unidade de soldados de plantão perseguiu uma multidão em polvorosa, mas desarmada, e matou quatro estudantes.

Trazendo a guerra pra casa

Os historiadores Nancy Zaroulis e Gerald Sullivan fizeram a seguinte descrição no livro Who Spoke Up?:

Foi o momento em que a nação passou a usar as armas de guerra contra a sua juventude, em que a violência, o ódio e o conflito geracional da década anterior foram comprimidos nos 13 segundos em que os assustados e exaustos oficiais da Guarda Nacional, agindo talvez por pânico ou simples frustração, se vingaram dos estudantes.

Depois disso, os oficiais da Guarda Nacional tentaram encobrir o fuzilamento, que acabou sendo exposto no livro The Killings at Kent State: How Murder Went Unpunished, escrito pelo repórter investigativo I. F. Stone. Mais tarde, até o FBI reconheceu que a matança fora “desnecessária”.

As mortes de Jeffrey Miller, Allison Krause, Sandy Scheuer e Bill Schroeder impactaram centenas de milhares de estudantes para além do Estado de Kent. Dessa vez, os mortos não eram recrutas norte-americanos pobres, nem camponeses vietnamitas – que vinham morrendo aos montes. Não eram também afro-americanos como os três estudantes da Universidade da Carolina do Sul, mortos a tiros dois anos antes, ou os dois da Universidade de Jackson, assassinados no final de maio.

Os estudantes assassinados no Estado de Kent eram praticamente todos brancos, de classe-média e com prestação de serviço militar. Alguns tinham enfrentado a Guarda Nacional, mas outros estavam apenas andando pelo gramado. Um dos alvos fora um cadete da reserva, que levou uma bala nas costas ao sair de uma aula sobre ciência militar. Outro sobreviveu, mas ficou paralítico. (É possível ler vários depoimentos de alunos no livro Kent State: Death and Dissent in the Long Sixties, escrito por Thomas M. Grace, um graduando de História, também ferido no ataque.)

Os sobreviventes de Kent, que apareceram na televisão e estamparam as fotos dos jornais, não passavam de estudantes comuns. Como recorda um organizador da greve na Faculdade de Middlebury, em Vermont, as imagens “criaram uma sensação de vulnerabilidade que muita gente nunca havia experimentado”.

Como resultado, vários outros campus foram fechados. O Centro Nacional de Informações sobre Greves, que operava nas proximidades de Brandeis, solicitou aos alunos do MIT que rastreassem as escolas em greve. Logo, a lista tinha três metros de comprimento. Apesar das greves estarem, inicialmente, associadas à militância, a maioria foi pacífica e legal. Consistiam em assembleias estudantis, seguidas de mais reuniões, discursos e palestras, vigílias e memoriais, além de intermináveis “conversas” sobre política e guerra.

Uma vitória radical

Apesar das divergências sobre atividades de protesto no campus, a greve reuniu uma grande variedade de estudantes de graduação, professores e funcionários. Trinta e quatro reitores de faculdades e universidades enviaram uma carta aberta a Nixon pedindo que a guerra chegasse logo ao fim. A greve também reuniu estudantes de faculdades públicas e privadas e escolas públicas de ensino médio, frequentadas por filhos da classe trabalhadora.

Em 8 de maio, na Filadélfia, estudantes de diferentes bairros e classes-sociais marcharam em direção ao Independence Hall, formando uma multidão de cem mil pessoas do lado de fora do edifício. Nesse dia, o número de alunos em sala de aula caiu para 10%, de acordo com o Philadelphia Inquirer.

Maurice Isserman, professor da Faculdade Hamilton e co-autor do livro America Divided: The Civil War: 1960s, acredita que, após a mobilização, os estudantes mais moderados, aqueles “contra a guerra, mas desiludidos com a retórica da Nova Esquerda do final dos anos 60, emergiram como principal força política”. De fato, muitos dos novos manifestantes preferiam o lobby e as petições contra a guerra ao enfrentamento direto.

No entanto, para a Comissão Scranton, a politização do ensino superior foi uma vitória da luta estudantil. Segundo um relatório posterior, “os estudantes não estavam na contramão das instituições de ensino; eles conseguiram fazer com que as suas universidades também lutassem contra a política nacional”. Para que a vida no campus fosse recuperada e uma mobilização como aquela não acontecesse novamente, a comissão concluiu que “o fim da guerra era necessário”.

Em uma entrevista ao Boston Globe, no trigésimo aniversário da greve estudantil, Isserman afirmou: “foi o resultado de circunstâncias únicas e particulares que, não surpreendentemente, causaram indignação em uma geração de estudantes já acostumada a protestar. É bastante improvável que um movimento como esse aconteça novamente.”

Uma análise que foi comprovada nos anos seguintes, quando a Guerra do Vietnã chegou ao fim e Nixon, depois de se reeleger, seguiu rumo ao impeachment, à desgraça pública e à renúncia compulsória, em 1974, com o escândalo de Watergate.

No entanto, nas últimas duas décadas, manifestações de estudantes universitários e secundaristas vêm acontecendo novamente no país. Em março de 2003, estudantes de 350 escolas saíram às ruas para protestar contra a invasão iminente ao Iraque. Quinze anos mais tarde, cerca de 1 milhão de estudantes de 3.000 escolas participaram de uma vigília de dezessete minutos em resposta ao tiroteio ocorrido em Parkland High School, na Flórida. Somente em setembro do ano passado, centenas de milhares de estudantes deixaram as escolas para participar de uma Greve Global pelo Clima.

Embora a situação atual seja bem diferente, as universidades e escolas também estão fechadas por causa da quarentena provocada pela crise do coronavírus. E quando essas instituições voltarem a funcionar, os estudantes terão um novo conjunto de demandas políticas. O retorno ao “antigo normal” não será mais suficiente. Pode ser que a lembrança da greve e da matança nos campus, por conta das políticas de Richard Nixon, sirva de exemplo àqueles que desejam desafiar uma “política nacional” igualmente tóxica, a de Donald Trump.

Cierre

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