Resenha de Falter por Bill McKibben (Henry Holt and Co., 2019).
Ativista pela justiça climática e fundador da 350.org, professor de estudos ambientais, autor de best sellers e jornalista, Bill McKibben dispensa apresentações. Ele contribuiu enormemente para a consciência pública sobre a necessidade de nos prevenirmos com a emergência climática. E ele continua a promover importantes avanços nessa luta, incluindo a Extinction Rebellion e a greve climática global, 20 de setembro.
Nos 30 anos entre O fim da Natureza e o lançamento do seu novo livro Falter, lançado este ano, o destino ecológico do planeta tomou o rumo ao pior dos cenários. Agora, confrontados com as catástrofes climáticas, nós precisamos urgentemente de livros que transmitam nossas terríveis condições ambientais e contribuam à compreensão política que sirva como guia para a ação. Falter cumpre o primeiro critério, mas falha desastrosamente no segundo.
Colapso ecológico
Falter é brilhante na explicação que faz sobre o colapso ecológico. Possui bases na ciência climática e narra as múltiplas formas que os gases do efeito estufa estão desestabilizando e alterando o planeta para sempre.
O aumento extremo de temperatura colocará 1,5 bilhões de pessoas em áreas de alto risco, submetidas a combinações de temperatura e umidade que humanos não são capazes de sobreviver por mais que poucas horas. A rápida mudança de condições climáticas ameaça desarranjar radicalmente as ecologias de solos, plantas e insetos que tornam a agricultura possível. Cerca de 93% do calor é retido pela água e a acidez do oceano tem aumentado em 30% por causa das emissões de CO². Além disso, aumenta o risco de colapso total dos ecossistemas oceânicos. A Organização Internacional de Migração avalia que haverá mais de duzentos milhões de refugiados climáticos por volta de 2050, ou talvez acima de um bilhão, na melhor das estimativas.
Naquilo que McKibben chama de jogo humano, o tabuleiro está afundando rapidamente. A destruição ecológica restringe o espaço de manobra dos humanos. Reinos inteiros da experiência humana com a natureza estão desaparecendo também. McKibben apresenta interpretações matizadas e persuasivas sobre essa catástrofe. Há muito pelo que lutar.
Raízes da catástrofe
A forma que analisamos um problema determina como somos capazes de lidar com ele. Por isso vale à pena explorar o que McKibben diz a respeito das raízes da emergência climática.
Ao longo do livro, McKibben lista os vilões que contribuem para os desastres ecológicos: companhias de óleo, os irmãos Koch, negacionismo climático, nossas expectativas por mais produtos tecnológicos, sistema de crescimento, hiper individualismo, as consequências psicológicas da participação em um paraíso de consumo, o zeitgeist e a desigualdade de renda. Por mais que às vezes mencione atores poderosos, na maior parte ele aponta para atitudes e crenças.
Consistente com a ênfase nas ideias que levam à destruição ecológica, o momento histórico chave para McKibben, no qual “os Estados Unidos podem ter decidido o futuro geológico e tecnológico do planeta”, foi a virada para o neoliberalismo na década de 1970. McKibben argumenta que os Estados Unidos entraram em uma Era mais predatória de desregulamentação, privatização, ganância individual, e desigualdade de renda, impedindo a habilidade do capitalismo de responder ao aquecimento global. Ele atribui a Ayn Rand as novas normas do capitalismo. Rand é a autora amplamente lida (entre os patrões) dos manifestos capitalistas A Revolta de Atlas e A Nascente. Para McKibben, a celebração que Rand faz do individualismo e do egoísmo deformaram o pensamento dos governantes norte-americanos e erodiram valores social-democratas, o que por sua vez conteve possibilidades de prevenir a emergência climática.
Essa narrativa demonstra como McKibben equivocadamente acredita que os problemas da destruição climática partem de más ideias e políticas, ao invés de questões sistêmicas. A virada da década de 1970 ao neoliberalismo originou-se, de fato, com a crise geral na lucratividade capitalista – não das idéias de Ayn Rand.
O boom pós Segunda Guerra Mundial terminou com a recessão de 1973. O período subsequente de estagnação econômica foi devido ao excesso de investimentos em produção e taxas reduzidas de lucro. Em todo lugar, capitalistas e seu governantes, de Houston à Suécia, começaram a operar reformas para reduzir o custo de produção cortando salários, regulações e impostos. A destruição de sindicatos, austeridade e o corte de programas governamentais – exceto os militares – ajudou a aumentar os lucros e a trazer rentabilidade de volta ao capitalismo norte-americano. O capitalismo continuou seguindo os mesmos imperativos de crescimento e lucro (falaremos mais sobre isso adiante), mas passou a exigir um novo conjunto de normas.
Se você, enquanto capitalista, adota a ideologia empresarial individualista de Ayn Rand, então isso vai te ajudar a ser mais bem-sucedido, a ignorar mais facilmente os danos causados aos trabalhadores, comunidades e ao meio ambiente. Mas a ideologia dela é uma consequência, não a causa da guinada neoliberal.
Falhar em compreender o caráter sistêmico do capitalismo e sua relação com a mudança climática também leva às duas tecnologias transformativas que McKibben defende: o potencial empreendedor da energia solar para remodelar o sistema energético capitalista e a política de protestos não-violentos, não como uma forma de tomada de poder dos governantes, mas de mudar suas mentes.
Falter nos leva a ter esperança com soluções verdes no interior do capitalismo. Enfatizando que isso é um “bom negócio”, McKibben traz para o primeiro plano o trabalho de um empreendedor graduado em Harvard que tenta promover investidores em projetos de energia solar de pequena escala (com margem de lucro marginais) na África rural: “Eu não sou um socialista… Eu não acho que seres humanos estão conectados dessa maneira. Mas eu também penso que o capitalismo extrativista está esgotado”. Painéis solares produzem energia diretamente do sol e a tecnologia tem se tornado cada vez mais barata, acessível e, no mercado, pode ultrapassar a energia elétrica produzida por combustíveis fósseis.
Tais propostas eco-capitalistas soam como utópicas, visto que elas dependem que agentes hostis e indispostos, os capitalistas, mudem seus comportamentos e o funcionamento total de seu sistema. Marx explicou (e Goldman Sachs concordaria) que o capitalismo é um sistema de expansão perpétua, não por causa das ideias dos capitalistas, mas porque os proprietários precisam investir capital, explorar trabalhadores por lucro, acumular mais capital do que o investido originalmente, e assim ciclicamente, eles vão ser ultrapassados e eliminados por outros capitalistas que estejam dispostos a gerar mais lucros. A competição nacional e internacional entre capitalistas impõe um imperativo de crescimento a todo custo. É um sistema cujo lema “cresça ou morra” determina a trajetória de todas as principais instituições econômicas.
A destruição ambiental é fabricada no núcleo do capitalismo. O capitalismo opera com base no trabalho assalariado. Quando proprietários expropriam a terra, a natureza é apenas uma mera fonte que é combinada com o trabalho produtivo para gerar lucros. Isso cria o que Marx chamou de “fratura metabólica”. Na primitiva separação capitalista entre cidade e campo, a produção capitalista era fundamentalmente descompassada com as exigências ecológicas da terra – nesse caso, Marx notou a destruição da fertilidade do solo quando cidades descartavam rejeitos humanos nos rios. John Bellamy Foster, em A Ecologia de Marx, elaborou sobre o insight de Marx, revelando a incompatibilidade fundamental do capitalismo com o resto da natureza.
Os combustíveis fósseis tiveram um papel fundamental ao longo dos últimos duzentos anos no desenvolvimento desse sistema. McKibben nota, e isso é importante, que “um barril de óleo, atualmente custando cerca de sessenta dólares, fornece energia equivalente a cerca de 23.000 horas de trabalho humano”. Mas ele não vai adiante. O fato, contudo, é crucial para entender que o capitalismo se desenvolveu atrelado aos combustíveis fósseis em razão de sua fonte de energia portátil e compacta, elevando enormemente o poder dos patrões sobre o trabalho, bem como da produtividade do trabalho e dos lucros. Não há substituto equivalente no capitalismo.
Para aqueles que querem se aprofundar nisso, leiam o livro de Fred Magdoff e Chris Williams, Criando uma Sociedade Ecológica. Magdoff e Williams partem de um lugar similar ao de McKibben, dos princípios e violações da ecologia do planeta. Mas eles mantêm uma aproximação científica na análise das causas materiais da destruição ambiental no capitalismo e disso extraem conclusões sobre políticas e estratégias para transformar a sociedade.
Existe alternativa?
Existe alternativa ao capitalismo? Que tal o socialismo? McKibben diz não a ambos. Ele concorda com o anticomunismo de Ayn Rand, descartando o socialismo (que ele confunde com stalinismo) como totalitário. Ele também aponta a destruição ambiental e estagnação social da Rússia durante a Guerra Fria.
Há uma questão importante aqui. Se você acredita que toda revolução da classe trabalhadora resulta em desastre, e que por isso é necessário priorizar a colaboração com os administradores existentes da sociedade (os capitalistas e os seus governantes representativos), então uma alternativa radical ao status quo é impossível.
Felizmente, desde a década de 1950, historiadores têm realizado muitas produções críticas, interessantes e investigativas sobre a breve Revolução Russa que buscam informar as atuais gerações sobre como conquistar uma alternativa ao capitalismo. Um excelente ponto de partida é o recentemente publicado Outubro: Uma História da Revolução Russa, por China Miéville.
A Suécia e a social democracia são, conforme McKibben argumenta, as bases potenciais de uma alternativa? Greta Thunberg afirma que apenas 2% da população sueca são negacionistas climáticos, ainda assim ela começou seus protestos na frente do parlamento sueco devido a sua inatividade.
Podemos todos concordar com McKibben que aspectos da sociedade sueca como sua educação, assistência médica e aposentadoria são melhores do que nos Estados Unidos. Mas vem ao caso que todas essas conquistas são conquistas da luta da classe trabalhadora depois das Primeira e Segunda Guerras Mundiais em uma região do mundo marcada por greves de massas, conselho de trabalhadores, partidos socialistas revolucionários e a primeira e inspiradora revolução da classe trabalhadora na Rússia. Conquistas da social democracia são debitarias disso, não existem graças às ideias dos governantes. E desde a década de 1970, na Suécia e em todo lugar, todos esses avanços estão sob ataque em um mundo de reestruturação e austeridade neoliberal.
Também é importante salientar que a Suécia está no topo da exportação de armas e que a Noruega é um petroestado, liderando a produção de gás e óleo nas reservas do Mar do Norte, e ainda está turbinando os investimentos na infraestrutura de extração. Em termos de crescimento, economias capitalistas mais reguladas também devem engajar-se em crescimento competitivo para evitar a se afundar em crises econômicas.
Tendo anulado a revolução, McKibben recomenda tecnologias de transformação como vilas de painéis solares em uma narrativa na qual boas tecnologias promovidas por capitalistas iluminados podem destituir as ruins com o passar do tempo. Dado o caráter sistêmico do problema, contudo, isso é um mero desejo. Assim como é ilusório o esgotamento do “capitalismo extrativista”. O investimento em extração continua em todo o mundo.
Existem trilhões de dólares em investimentos, não apenas em plataformas de óleo e oleodutos, mas também em plástico, plantas de energia, companhias aéreas, automobilísticas, náuticas, e outras indústrias que terão de ser abandonadas. Administradores capitalistas não tem incentivo algum para abandonar tais investimentos lucrativos, o que traria “sérios riscos” à rentabilidade caso o façam.
Justiça climática e anti-capitalismo
É uma pena que a narrativa de McKibben jogue um balde de água fria sobre o período recente de consciência de classe, greves de professores e suas vitórias, e o aprofundamento do sentimento anticapitalista.
Precisamos vencer as reformas de curto prazo que seguem o modelo New Deal – redirecionar os investimentos estatais para nova infraestrutura de transporte, plano de saúde universal e uso massivo de energia solar e eólica. Lutas de classes e greves, por causa do poder dos trabalhadores de paralisar e mesmo conduzir a produção, são as mais importantes capacidades de influência que a vasta maioria possui sobre os poucos que detém e concentram poder.
A greve global que ocorreu em setembro (para trabalhadores e estudantes) é um importante desenvolvimento, especialmente se entendido não apenas como mais um protesto global, mas como um passo no processo de cultivar a organização coletiva nos ambientes de trabalho para a luta climática. Isso demonstra uma alternativa ao mero lobbyng e à esperança que corporações tenham bom senso. Se o sistema é o problema, então as greves são onde temos o poder real de vencer o problema para aplicar as reformas.
E, finalmente, se a destruição ecológica é forjada no capitalismo, também precisamos de uma mudança radical sistêmica. O novo movimento socialista, o maior nos Estados Unidos desde a década de 1930 – uma das últimas vezes, por falar nisso, que os ganhos da social democracia foram conquistados nesse país – tem muito a contribuir para a integração entre as lutas climáticas e de classe.
Vale a pena ler esse livro, mas discuta e debata-o. A ameaça existencial que já ameaça milhões irá alcançar todos nós. Nós precisamos de políticas para as lutas de classe. Nós precisamos do socialismo, incluindo uma economia democrática que priorize necessidades humanas e as necessidades do resto da natureza.
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