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O poeta e dramaturgo Oscar Wilde em 1882. Wikimedia Commons

O radical Oscar Wilde

Que Oscar Wilde achou muito o que ridicularizar nos valores convencionais da sociedade vitoriana tardia é evidente para qualquer pessoa que tenha lido ao menos uma página de sua obra. O que é menos conhecido, é que o dramaturgo e poeta imaginou uma sociedade muito diferente não somente como algo desejável, mas possível, e escreveu um ensaio político – A alma do homem sob o socialismo – onde explanou suas crenças políticas. Uma das linhas mais citadas de Wilde – muitas vezes reproduzida sem referência à sua fonte – está nessa obra: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas existe, isto é tudo.”

Wilde viveu uma vida plena, embora curta. Nascido em outubro de 1854 na Westland Row de Dublin, mas criado principalmente na vizinha Merrion Square, Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde era filho de dois grandes excêntricos – e intelectuais – de Dublin no século XIX. Seu pai, William Wilde foi um cirurgião pioneiro e autoridade da medicina, que aceitou o título de cavaleiro no Castelo de Dublin, o lar do domínio britânico na ilha da Irlanda. Em comparação, sua mãe Jane Wilde passou grande parte de sua vida tentando romper essa conexão com a Grã-Bretanha. Folclorista, poetisa e ensaísta, ela escrevia sob o pseudônimo de Speranza, a palavra italiana para esperança. 

A nação e a Juventude Irlandesa

A casa em que Wilde foi criado era de intensa discussão política, encorajada por Speranza, que via a casa como uma espécie de salão político. A sufragista Millicent Fawcett foi convidada por Speranza para “explicar o que significava a liberdade feminina”, em uma cidade onde a questão do sufrágio feminino não conseguiu ganhar o mesmo impulso que na ilha vizinha por algumas décadas. 

Como poeta, a produção de Speranza apareceu nas páginas do The Nation, um jornal separatista alinhado com o movimento Young Ireland. O título – Jovem Irlanda e, portanto, os Jovens Irlandeses – foi uma referência concedida aos movimentos republicanos nacionais emergentes que varreram o continente na década de 1840, em particular a Jovem Itália (Young Italy) de Giuseppe Mazzini.

Uma ruptura com o nacionalismo constitucional conservador de Daniel O’Connell, os jovens irlandeses anunciaram a Segunda Revolução Francesa com a observação de que “dinastias e tronos não têm metade da importância de oficinas, fazendas e fábricas. Em vez disso, podemos dizer qualquer coisa exatamente na proporção em que garantem jogo limpo, justiça e liberdade para os trabalhadores.” O movimento liderou uma insurreição abortiva em 1848 contra o pano de fundo da fome e da inanição, a poesia de Speranza encorajava “Formas desmaiadas, famintas” à revolta. 

Speranza, mais tarde citada por James Connolly nas páginas de Labor in Irish History, hospedava frequentemente veteranos do Young Ireland na casa da família, Wilde mais tarde lembraria que “no que diz respeito àqueles homens de 48 anos, vejo seu trabalho com uma reverência peculiar e amor, pois de fato fui treinado por minha mãe para amá-los e reverenciá-los, como uma criança católica reverencia os santos da catedral”.

Um tipo diferente de separatismo: Wilde na América

Os comentários de Wilde sobre o Young Ireland foram feitos durante uma turnê de palestras nos Estados Unidos em 1881, o jovem poeta embarcou em uma jornada pelo país falando sobre esteticismo, mas descobriu que o público era atraído pela chance de ouvir o filho de Speranza. 

Algumas das falas de Wilde perante o público americano parecem confusas hoje, incluindo seu pródigo elogio à Confederação e a insistência de que “nós, na Irlanda, estamos lutando pelo princípio da autonomia contra o império, pela independência contra a centralização, pelos princípios pelos quais o Sul lutou.” Wilde percorreu o bairro francês de Nova Orleans com o ex-general confederado Pierre Gustave Beauregard, “o homem que ordenou o primeiro tiro na Guerra Civil”, e declarou que Jefferson Davis era o americano que ele mais desejava conhecer. 

Os flertes de Wilde com a causa do Sul revelam várias coisas – principalmente, o desejo do jovem poeta de dizer ao público local o que eles queriam ouvir. Não houve tais murmúrios em Nova York, por exemplo. O tipo de separatismo adotado pelos estados do sul estava em desacordo com muito do que era pregado nas páginas do The Nation, é claro, mas ainda havia algo que Speranza admirava na Confederação, e nisso ela não era inteiramente única.

Shaw e o fabianismo

Na Londres da década de 1880, Wilde ganhou destaque como jornalista e dramaturgo. Como editor de The Woman’s World de 1886 a 1890, publicou artigos sobre a questão do sufrágio e apelou à igualdade na sociedade entre os sexos, uma vez que o “cultivo de tipos separados de virtudes e ideais separados de dever entre homens e mulheres levou todo o tecido social a ser mais fraco e menos saudável do que o necessário”.

A revista e a autoridade de Wilde, observa Eleanor Fitzsimons, defendeu “a feminista radical sul-africana Olive Schreiner, que demandava por maior acesso à vida política e pelo fim do duplo padrão sexual” e era decididamente progressista.

Muito se fala sobre Wilde ter assinado uma carta pedindo clemência para os anarquistas condenados por envolvimento no Caso Haymarket nos Estados Unidos em 1886, a pedido de George Bernard Shaw. Seu colega dublinense relatou mais tarde, no entanto, que “foi um ato completamente desinteressado de sua parte; e garantiu minha distinta consideração por ele pelo resto de sua vida”.

O socialismo de George Bernard Shaw teve suas origens em seu envolvimento com a Fabian Society em Dublin, mas se desenvolveu – e foi desafiado – em seu tempo na Inglaterra. Muito do fabianismo permaneceu com Shaw, que escreveu em 1890 sobre sua crença de que “o socialismo pode ser realizado de uma maneira perfeitamente constitucional por instituições democráticas”.

O fabianismo em Dublin conquistou poucos discípulos – em uma cidade onde o Home Rule dominava todas as questões políticas e empurrou as questões sociais de lado – mas as coisas eram diferentes em Londres. Uma reunião com a presença de Shaw e Wilde em julho de 1888 teve um efeito transformador em Wilde – o ex-amante e executor literário de Wilde, Robbie Ross, insistia que serviu de inspiração para o ensaio de Wilde de 1891, A alma do homem sob o socialismo. Foi um trabalho sobre o qual Shaw comentou mordazmente, insistindo que “era muito espirituoso e divertido, mas não tinha nada a ver com o socialismo”.

A alma do homem sob o socialismo

Embora Shaw possa não ter reconhecido o socialismo no ensaio de Wilde, talvez ele estivesse apenas procurando por um socialismo que ele mesmo reconhecesse, de seu próprio envolvimento anterior com as ideias marxistas.

Wilde se tornou cada vez mais influenciado pelos escritos anarquistas de Peter Kropotkin, algo explorado em detalhes pelo historiador anarquista George Woodcock, biógrafo dos dois homens. A admiração era mútua, Kropotkin escreveu mais tarde a Robbie Ross sobre o “mais profundo interesse e simpatia” por Wilde dentro da comunidade anarquista e elogiou A alma do homem sob o socialismo como uma obra com palavras “que valiam a pena ser decoradas.”

Para Woodcock, o ensaio de Wilde representa “a contribuição mais ambiciosa para o anarquismo literário durante a década de 1890.” Nele, Wilde descreve sua crença na necessidade de abolir a propriedade privada: 

Com a abolição da propriedade privada, teremos um individualismo verdadeiro, belo e saudável. Ninguém vai perder sua vida acumulando coisas e os símbolos das coisas. As pessoas vão viver. Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas existem, isto é tudo. 

O ensaio de Wilde não era tanto um apelo por uma nova ordem e o avanço da causa do trabalho, mas pela abolição do trabalho assalariado, sustentando que “o socialismo nos libertaria daquela necessidade sórdida de viver para os outros que, na presente condição das coisas, atinge quase todos.” A obra contém também uma crítica de caridade, como algo que serve apenas para tratar os sintomas daquilo que está adoecendo a sociedade – uma economia capitalista que nos nega tempo de vida. 

A alma do homem sob o socialismo não é uma polêmica qualquer – contém alguns dos melhores gracejos de Wilde, que “a caridade cria uma infinidade de pecados” e que “é melhor pregar do mendigar”. Infelizmente, a obra saiu bem no pior momento da vida de Wilde.

Prisão e vida após a morte

Como nota Neil Bartlett, apenas cinco dias se passaram após a condenação de Wilde em maio de 1895 por indecência grosseira antes da publicação de A alma do homem (seu título original). Foi uma tiragem pequena de apenas algumas dezenas de cópias, mas sua publicação “apenas cinco dias após a condenação de Wilde foi um ponto extraordinário. Bem no momento em que ele estava sendo silenciado, alguém decidiu que era a voz de Wilde em sua forma mais abertamente radical que deveria continuar a ser ouvida na imprensa.” 

O casamento de Wilde com a autora irlandesa Constance Lloyd gerou dois filhos, mas eles se distanciaram sexualmente desde o nascimento de seu segundo filho. Wilde escreveu mais tarde, em particular, que “ela não conseguia me entender e eu estava entediado até a morte com a vida de casado”, embora também reconhecesse que ela era “maravilhosamente leal” a ele. Naquela época, Wilde havia embarcado em um relacionamento homossexual com Robbie Ross. 

Um relacionamento posterior com Lord Alfred Douglas acabou levando Wilde ao banco dos réus, onde ele foi ferozmente interrogado por Edward Carson, mais tarde para vir a se destacar como a principal voz dissidente contra o Home Rule da Irlanda. Ambos eram formados na Trinity College e dublinenses, embora Wilde notasse ironicamente dos relatórios de Carson de que “sem dúvida executaria sua tarefa com toda a amargura de um velho amigo.” A história lembra Carson como o homem que dividiu a Irlanda, mas ele foi também a queda de Wilde. O império da lei significava menos para Carson poucos anos depois, quando ele ameaçou derramamento de sangue contra a aprovação da Home Rule.

O encarceramento, entre maio de 1895 até 1897, produziu a obra mais pungente e reflexiva de Wilde, a carta De Profundis. É um trabalho que capta a profunda angústia mental da prisão e do colapso da individualidade, mas também contém um senso de desafio: “Quando fui preso pela primeira vez, algumas pessoas me aconselharam a tentar esquecer quem eu era. Foi um conselho desastroso. Só percebendo o que eu sou é que encontrei qualquer tipo de conforto.”

Ao ser libertado da prisão, Wilde – sob o nome de Sebastian Melmoth – viveu seus últimos anos no exílio na França. Seu amigo fiel e ex-amante, Ross, garantiria sua publicação contínua, incluindo uma reedição de A alma do homem sob o socialismo em 1912. Ross também comissionou o escultor Jacob Epstein para o túmulo de Wilde no cemitério Père Lachaise. Muito tem sido escrito sobre este trabalho de Epstein, acusado como indecente e que a polícia francesa insistiu que fosse coberto – os órgãos genitais ofendiam a sensibilidade de alguns na política municipal parisiense. Mas e quanto à inscrição no monumento?

Lágrimas alheias tentavam,
Em vão, acalmar o seu penar.
Pois são homens proscritos que lamentavam por ele.
E estes sempre vão lamentar.

Com o passar do tempo, Wilde não é mais uma figura em desgraça, nem em luto. Na Irlanda do final do século XX, ele se tornou uma figura de inspiração para uma geração de ativistas dos direitos LGBTQI+ irlandeses, desafiando a ideia – como o escritor Declan Kiberd observou que algumas “almas essencialistas” viam – de que “você pode ser gay ou você pode ser irlandês, mas não poder ser os dois ao mesmo tempo. “Para a memória popular, Wilde existe como um grande satírico de sua época, mas foi um escritor para todas as idades e ainda há muito o que ser refletido em seu trabalho sobre a sociedade como ela é e como poderia ser.

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