Para Rosa Luxemburgo, a educação política não era apenas uma questão de sentar na sala de aula. Em sua obra Greve das Massas, Partido e Sindicatos, respondendo à revolução de 1905 no império russo, ela enfatizou como as massas aprenderam através da experiência. Como ela escreveu, “para ser capaz de derrubar [o absolutismo russo], o proletariado requer um alto grau de educação política, de consciência de classe e organização. Todas essas condições não podem ser preenchidas por panfletos e cartilhas, mas apenas pela escola política viva, pela luta e na luta, no curso contínuo da revolução”.
No entanto, se aqui Luxemburgo escreveu que “as revoluções não permitem que ninguém brinque de mestre”, no ano seguinte ela se tornou professora na escola nacional do Partido Social-Democrata alemão (SPD) em Berlim. Lá, ela ensinou vários grupos de alunos, uma experiência que também serviu de base para trabalhos como sua Introdução à Economia Política, que buscavam popularizar a economia marxista entre os militantes. A sala de aula não poderia fazer a revolução acontecer. O que poderia fazer era capacitar os militantes a pensar de forma diferente, ao mesmo tempo que enriquecia a teoria do partido com as experiências de seus estudantes operários.
Origens da escola do partido
A escola do partido em que Luxemburgo lecionava foi fundada em 1906, mas estava longe de ser a primeira vez em que o SPD se engajava na educação política ativa. Na verdade, a história do partido pode ser traçada até os clubes de educação dos trabalhadores fundados após a revolução de 1848. A maioria desses clubes foi fundada por intelectuais liberais radicais guiados pela ideia de que clubes e institutos educacionais para trabalhadores poderiam melhorar suas vidas por meio do enriquecimento cultural e espiritual do indivíduo. Algumas das primeiras organizações de trabalhadores na Alemanha foram o resultado da separação dos trabalhadores de clubes fundados sob o patrocínio da burguesia para que administrassem suas próprias organizações políticas e educacionais independentes
Os primeiros líderes proeminentes do SPD, como Wilhelm Liebknecht, freqüentemente se referiam ao partido socialista como um partido da educação, onde “educação” representava todas as atividades partidárias que ajudaram a fomentar o desenvolvimento da consciência da classe trabalhadora e uma visão de mundo socialista. No entanto, o final do século XIX também testemunhou grandes mudanças nas condições em que essa atividade ocorreu. De 1878 a 1890, o SPD foi uma organização clandestina, proibida pelas leis anti-socialistas. Mesmo assim, logo se tornou um genuíno partido de massas, conquistando um terço do voto popular em 1903; e ostentando seiscentos mil membros em 1906.
À medida que essas mudanças ocorreram, os apelos para que o SPD desempenhasse um papel mais ativo na educação dos trabalhadores tornaram-se mais prementes. A expansão do partido trouxe um crescimento massivo nas fileiras médias do partido, com um aumento na coordenação em nível nacional, a instituição de entidades organizacionais regionais em vez de apenas locais, e o emprego de mais funcionários em tempo integral. Uma série de debates sobre a educação dos trabalhadores nas páginas do jornal teórico do partido, Die Neue Zeit, em 1904 e 1905, e outras discussões no congresso do partido de 1906, levaram à formação de uma escola nacional do partido.
A escola imediatamente encontrou ceticismo. Em primeiro lugar, porque era vista como um viveiro de radicalismo, com vários intelectuais proeminentes da ala esquerda do partido na equipe – Luxemburgo entre eles. Após o ano inaugural da escola, as autoridades do Estado forçaram a demissão de dois professores – Anton Pannekoek e Rudolf Hilferding, ambos não-alemães – ameaçando sua deportação. Luxemburgo foi convidado a assumir a seção de Hilferding sobre economia política e história econômica. Ela ministrou este curso a cada inverno de 1907 até 1914, quando a escola foi fechada após a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Ensinando a classe
Este período na história do SPD foi contraditório. Seu crescimento burocrático desempenhou um papel significativo na alimentação do conservadorismo do partido durante a década antes da guerra, mas também trouxe consigo a criação de instituições como a escola, que forneciam plataformas para os quadros espalharem o pensamento revolucionário e a propaganda. Em 1906, estabeleceu a escola do partido em Berlim e um novo conjunto de professores itinerantes. Ao contrário do circuito de palestras itinerantes voltado para as massas e acessível, dos clubes locais de leitura e discussão e da literatura em folhetos prontamente disponível, a escola partidária era conscientemente uma instituição de elite .
Análoga a uma universidade socialista, ela monopolizou o tempo de vários intelectuais do partido durante seis meses por vez, a serviço da educação de apenas cerca de trinta alunos por ano. A lista de cursos para o primeiro ano incluia sete disciplinas no total, abrangendo amplamente economia, história política, materialismo histórico, habilidades de comunicação oral e escrita e vários aspectos da lei relevantes para organização de sindicatos e partidos.
Mas se a escola às vezes é comparada a uma universidade, também deve ser lembrado que seus alunos eram um grupo muito mais heterogêneo do que a média nos cursos de graduação de hoje – e um mundo à parte dos alunos que provavelmente frequentariam uma universidade alemã nesta época. Uma diferença era que na escola do partido você veria uma ou duas mulheres presentes; teve uma aluna em 1906-1907 e duas no ano seguinte, enquanto a primeira mulher foi oficialmente matriculada na universidade estadual de Berlim apenas em 1908.
Os alunos eram nomeados a critério dos comitês locais do partido, com atenção à diversidade regional; eles também variavam em idade. Alguns comitês enviavam jovens trabalhadores que se mostravam promissores, enquanto outros enviavam quadros robustos que haviam sido membros leais do partido por décadas. Enquanto cerca de um terço dos alunos a cada ano eram empregados diretamente pelo partido antes de irem para a escola – seja como editores de jornais do partido ou tipógrafos, ou em funções administrativas ou agitacionais – muitos também vinham diretamente de trabalhos manuais. O trabalho mais comum para um aluno era carpinteiro, seguido por tipógrafo, alfaiate e pedreiro; depois de deixar a escola, cerca de um quarto voltava aos seus empregos originais, enquanto a maioria começava a trabalhar diretamente para o partido. Apesar da diversidade de alunos, seus elogios à escola eram esmagadores – especialmente ao ensino de Luxemburgo.
Durante o período letivo, que ia de outubro a março, ela dava aulas de duas horas por dia. Os alunos eram instruídos das 8h às 13h e Luxemburgo costumava ficar à disposição de seus alunos à tarde. Não contente em simplesmente dar aulas da maneira tradicional da universidade, ela se propôs a ajudar os alunos das escolas do partido a se tornarem marxistas plenos por seus próprios méritos.
Isso significava torná-los capazes não só de aprender lições e fatos econômicos simplificados ou resumidos, mas também de adquirir a capacidade de analisar e interpretar novas informações e resolver problemas que certamente enfrentariam em suas funções como dirigentes do partido ou de sindicatos, jornalistas e agitadores. Ela teve muito sucesso, provando ser uma professora nata, capaz de envolver e desafiar seus alunos sem intimidá-los ou tratá-los com condescendência. Refletindo sobre sua habilidade, uma aluna da turma de 1912, Rosi Wolfstein, relatou seu método:
Como ela nos levou a refletir criticamente e interrogar independentemente questões de economia política? Por meio de perguntas! Por meio de perguntas e mais perguntas, ela conseguiu extrair da turma todo o conhecimento que possa ter existido sobre um determinado assunto. Por meio de perguntas, ela batia nas paredes de nosso conhecimento e assim nos permitia ouvir por nós mesmos onde e como soava vazio. Ela explorou os argumentos e nos fez ver por nós mesmos se eles eram sólidos e, ao nos encorajar a reconhecer nossos próprios erros, ela nos levou a desenvolver uma solução hermética.
A essência do compromisso de Luxemburgo como professora era incutir fluência no método materialista histórico. Não era suficiente simplesmente dar aulas com base na história econômica, ou simplificar as conclusões d’O Capital de Marx em resumos facilmente digeríveis, mas fornecer aos alunos as habilidades necessárias para desenvolver continuamente suas próprias capacidades analíticas.
Relatos em primeira mão, como o de Wolfstein, não são a única fonte disponível de insights sobre o método de ensino de Luxemburgo; na verdade, várias notas escritas e manuscritos de suas aulas que sobreviveram foram recentemente descobertos e agora estão publicados em inglês. O primeiro volume de The Complete Works of Rosa Luxemburg (As Obras Completas de Rosa Luxemburgo) inclui manuscritos correspondentes às suas palestras sobre o segundo e terceiro volumes d’O Capital de Marx, bem como tópicos de história econômica, escravidão no mundo antigo e feudalismo. Ensinar e discutir com alunos na própria escola levou a seus principais escritos sobre economia, A acumulação de capital e Introdução à economia política.
Aprendendo através do ensino
Introdução à Economia Política deveria ser um trabalho popular de teoria econômica e história e uma introdução ao método marxista, oferecendo a um público mais amplo a oportunidade de se envolver com o material que ela cobriu na escola do partido. Ela pretendia que fosse publicado primeiro como um conjunto de panfletos e depois reunido em um livro. Ela começou a trabalhar na introdução em 1907, mas – ocupada entre ensino, campanha e trabalho de agitação, bem como suas intervenções jornalísticas na Alemanha e na Polônia – ela teve pouco tempo para trabalhar neste projeto metódico mais longo.
Além da falta de tempo, Luxemburgo descobriu que escrever material “introdutório” na verdade levantava questões que exigiam uma consideração mais profunda. Uma dessas áreas era um problema que ela identificou como o fracasso de Marx em identificar as tendências específicas do desenvolvimento capitalista que levariam a crises cada vez maiores. Ela escreveu A Acumulação Do Capital para resolver este problema. Aqui, ela propôs uma teoria que colocava a expansão do capitalismo em novos territórios (novos mercados) através do imperialismo como a explicação chave de como o processo de acumulação de capital se desenvolveria. Ela postulou ainda que a incapacidade desse processo de expansão de continuar no mesmo ritmo indefinidamente levaria a crises econômicas e políticas cada vez mais catastróficas.
Publicado em 1913, A Acumulação Do Capital foi uma obra de análise econômica detalhada destinada a um público com um conhecimento avançado dos debates contemporâneos em economia política. Tais debates estavam além da compreensão de quase todos os membros do partido – incluindo a maioria dos alunos da escola do partido. Mas ela também elaborou seus argumentos em material didático da escola do partido a respeito do segundo volume d’O Capital de Marx. Assim, embora militantes comuns possam não ter sido o público-alvo deste texto, o trabalho de Luxemburgo como professora e sua crença na capacidade dos membros do partido de aprender e se envolver em questões teóricas complexas beneficiaram seu desenvolvimento como socialistas e marxistas, bem como o dela própria.
Aprendendo a pensar
Embora a escola fosse elogiada por seus alunos, ela enfrentou críticas de personalidades da ala mais reformista do partido, como Eduard Bernstein, que acusou a esquerda de usar a educação do partido para promover sua agenda faccional – temendo que um grupo de professores composto por intelectuais marxistas seria excessivamente dogmático em seus métodos. O debate sobre a escola do partido atingiu o ápice no congresso do SPD em 1908, após um artigo de jornal crítico à escola do partido, e o que começou como um debate sobre a educação rapidamente deu lugar a um debate velado sobre o valor do ensino e aprendizagem de teoria em geral.
Rosa Luxemburgo subiu ao palco em defesa da escola e da importância da formação teórica. Ela defendeu sua instrução teórica aparentemente impraticável com o fundamento de que o papel do partido deveria ser fornecer aos trabalhadores os meios para sistematizar informações sobre o mundo e canalizá-las em conhecimentos úteis que orientem a ação radical. Ela concluiu seu discurso insistindo que os trabalhadores têm uma riqueza de compreensão derivada de sua experiência de viver sob o capitalismo, mas que “o que falta às massas é um esclarecimento geral, a teoria que nos dá a possibilidade de sistematizar os fatos concretos e forjá-los em uma arma mortal para usar contra nossos oponentes.”
Os céticos favoreciam um “programa menos ambicioso” para a escola. Eles consideravam “fatos” que poderiam ajudar os trabalhadores a tomar decisões práticas mais importantes do que tentar ensinar-lhes teoria. Nesta visão, mesmo se o partido apenas ajudasse os trabalhadores a alcançarem a educação “burguesa” básica que as instituições do estado não conseguiam fornecer, ele os estaria ajudando muito. Para os defensores da escola, esse argumento era um ataque ao valor da teoria marxista – o núcleo da ideologia orientadora do partido estabelecida no Programa de Erfurt em 1891.
O que era pior, remontava a uma era anterior, quando as organizações de trabalhadores nada mais eram do que clubes educacionais liderados por reformistas liberais que prometiam que o aprimoramento cultural individual levaria ao aprimoramento pessoal. Isso implicava uma compreensão paternalista da relação entre as massas e os intelectuais, com estes últimos assumindo o papel de reformadores sociais esclarecidos.
Para defensores da escola como Luxemburgo, a sugestão de que o partido deveria se preocupar com a educação básica (algo que deveria ser papel do Estado) ou se limitar a divulgar apenas as formulações propagandísticas mais básicas do marxismo estava em contradição com o princípio mais fundamental do socialismo revolucionário: auto-emancipação do trabalhador.
O Regulamento Geral da Primeira Internacional tinha começado com a declaração “a emancipação das classes trabalhadoras deve ser conquistada pelas próprias classes trabalhadoras”. Para Luxemburgo, isso significava desenvolver a capacidade dos trabalhadores em todos os níveis de capacidade do partido, para que pudessem montar análises e ações independentes sem depender constantemente de interpretações e orientações dos intelectuais do partido.
Não é uma surpresa que seus alunos costumavam ser os defensores mais fortes da escola. Respondendo à sugestão de que os alunos estavam simplesmente sendo doutrinados por radicais do partido, um protestou que os professores estavam comprometidos com o desenvolvimento do pensamento livre e que Luxemburgo se destacava em particular porque “não só tolerava opiniões divergentes, mas também sabia como provocar o pensamento crítico com habilidade surpreendente.”
Pode ser difícil imaginar como algo tão específico e distante da vida prática como uma palestra sobre a escravidão no mundo antigo deveria ajudar os futuros funcionários sindicais a fazer melhor seu trabalho. Mas olhando para seus escritos em combinação com relatos em primeira mão de seu papel na escola do partido, apreciamos como Luxemburgo dominou a habilidade de ensinar não o que pensar, mas como.
Como diz Peter Hudis na introdução de seus textos para a escola partidária, publicados no primeiro volume de seus escritos econômicos, “Luxemburgo não traz a história como uma forma de fornecer exemplos de conceitos teóricos; em vez disso, a complexidade e a importância dos conceitos são elucidadas pela análise da história à sua luz.” Luxemburgo procurou ensinar aos trabalhadores não apenas o que é o marxismo, mas como ser marxistas por si próprios.
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