Paul Israel Singer faleceu neste dia em 2018. Destacado marxista brasileiro, foi um dos chamados “intelectuais do PT”, o grupo de pensadores que ao final dos anos 1970 se uniu ao movimento de operários sublevados, movimentos sociais e quetais, que produziu esse gigantesco partido de massas de esquerda que mudou para sempre a história do Brasil — em contradição à esquerda vanguardista que tinham dificuldades em enxergar a possibilidade da autonomia dos trabalhadores.
Nascido na Áustria, em 1932, ele emigrou para o Brasil com a família em virtude da anexação do seu país pela Alemanha nazista. Evidentemente, a vida se tornou impossível para a comunidade judaica em seu país natal, mas o Brasil era, paradoxalmente, um porto seguro para tantos perseguidos e refugiados, apesar do seu histórico escravista, desigual e opressor.
Ligado a movimentos coletivistas judaicos, Singer não emigrou para Israel, permanecendo no Brasil onde só aprofundou as raízes que já havia ficado aqui. Depois, se tornou metalúrgico e um destacado líder sindical envolvido na greve dos 300 mil em 1953, que paralisou São Paulo.
Graduado economista em 1959, foi um dos protagonistas da segunda fase do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que reuniu pensadores da estirpe de Antonio Candido, em uma via alternativa ao Partido Comunista e ao trabalhismo, as vias hegemônicas do progressismo brasileiro. Singer mais tarde irá estudar em Princeton e terá papel destacado na redemocratização brasileira, fazendo uma clara opção de classe. Irá ser um dos fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) nos duros anos da ditadura e mais tarde se destacar na fundação do PT e no desenvolvimento da economia solidária. Nunca deixou de ser militante e foi um marxista no sentido mais elementar do termo, sem nunca cindir teoria e prática. Deixou três filhos, dentre eles André Singer, professor de Ciência Política e ex-porta voz da Presidência durante o primeiro mandato de Lula.
Em homenagem a ele, publicamos um trecho da reportagem relatando o entusiasmo operário na histórica greve dos 300 mil. Iniciada na indústria do setor têxtil, rapidamente se alastrou para outros setores e paralisou a indústria paulistana por mais de um mês. Constituindo um dos maiores movimentos de paralisação da época, abriu novas perspectivas para o sindicalismo, que estava imobilizado após o período do governo do general Dutra, onde as greves estavam proibidas. A greve foi vitoriosa por ter alcançado seu objetivo econômico, com um aumento salarial de 32%, mas também por criar laços de solidariedade entre diversas categorias profissionais e parte da população. O sindicato dos médicos prestou assistência gratuita aos grevistas, principalmente após os confrontos quase diários com a polícia. Na Mooca, foi montada uma cozinha comunitária onde refeições eram elaboradas para serem distribuídas.
A recente greve de quase um mês, que abrangeu 4 das maiores categorias operárias de São Paulo deve nos servir de precioso material, donde é preciso extrair as lições indispensáveis ao desenvolvimento da ação proletária, num sentido cada vez mais avançado e de resultados cada vez mais duradouros e de maior alcance.
Se o movimento socialista quiser alcançar aquelas condições que lhe permitam a luta concreta pelo seu programa máximo, é necessário que ele se identifique com a classe operária, assimile as experiências desta e, na função de sua vanguarda autêntica, saiba retirar destas experiências as conclusões necessárias. Esta greve, pela extensão que alcançou e pela sua importância toda especial na atual situação política e social em que vivemos, deve ser cuidadosamente estudada por todo militante e simpatizante do partido, e para este estudo pretendemos oferecer o material proporcionado pela nossa experiência pessoal no setor metalúrgico.
Antecedentes: a demanda operária por ajuste salarial para repor as perdas inflacionárias e a negativa de qualquer negociação por parte dos patrões.
Enquanto se formulava um ultimatum aos patrões, urgia preparar a greve, já inevitável. Estávamos em 20 de março; não havia tempo a perder. Era preciso imprimir material de propaganda, organizar um plano de finanças, convocar militantes, criar um sistema de piquetes. Nada disso foi feito. Os militantes stalinistas no último momento recuaram: Recusaram-se a aceitar a greve como um fato consumado, não tinham fé no espírito das massas e adotaram a linha de “segurar” o movimento: insistiram em continuar formando comitês de empresa, trabalho sem dúvida importante, mas longe de ser eficiente quando se estava a alguns dias do início do movimento.
No dia 25 de março, nova assembleia; pouca gente. (…) Subitamente estoura a notícia: os têxteis entraram em greve! Jubilo intenso; solidariedade comovente de todos operários. De repente é proposta por stalinista, a greve de solidariedade. E numa assembleia pequena, inesperadamente, os mesmos que antes impediram qualquer preparação concreta do movimento, declararam iniciada a greve. Ao oportunismo medroso seguia-se o aventureirismo temerário.
A fase de ascenção: enquanto o comitê central se atrapalhava, os operários se organizavam a partir de suas fábricas. A espontaneidade das massas, o espírito de dedicação e altruísmo dos elementos mais simples da classe operária foi a causa primeira deste movimento único na sua extensão.
Haveria não poucos casos comoventes a registrar: o daquela fábrica em que 16 operárias paralisaram o trabalho e 300 homens continuaram no serviço até que chegasse o piquete pedido pelas primeiras e fizesse com que todos aderissem ao movimento; ou daquela outra que só empregava menores, que nem estavam registrados, e na qual o único que já era maior, um rapazinho de 18 anos, levou todos os meninos à greve. “Afinal de contas, pensei eu, nós também precisamos lutar pelo aumento, não é?” disse-me ele quando foi levar a notícia de adesão da sua gente.
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