Para comemorar os 173 anos do texto mais popular de Karl Marx e Friedrich Engels, que mudou os rumos do século XX, publicamos a tradução de Álvaro Pina e Ivana Jinkings para a edição da Boitempo do Manifesto Comunista. Publicada em 1998, por ocasião dos 150 anos da manifesto, a edição inaugurou a Coleção Marx-Engels da editora, que desde então segue se dedicando à tradução e divulgação das obras de Marx e Engels no Brasil. A edição impressa conta com organização de Osvaldo Coggiola, ensaios de Antonio Labriola, Jean Jaurès, Leon Trotsky, Harold Laski, Lucien Martin e James Petras. Além disso, compila ainda sete prefácios de Marx e Engels à obra, feitos em diferentes períodos. Em 2017, por ocasião do centenário da Revolução Russa, a Boitempo publicou uma nova edição do Manifesto Comunista, reunido com as Teses de abril de Vladímir I. Lênin, ambos documentos prefaciados por Tariq Ali.
Após a leitura da obra política mais lida e difundida do mundo, convidamos a conhecer dois manifestos que seguiram os passos do Manifesto Comunista: O manifesto socialista: em defesa da política radical numa era de extrema desigualdade, de Bhaskar Sunkara, publisher de Jacobin Magazine, com orelha de Victor Marques, editor associado da Jacobin Brasil, e Feminismo para os 99%: um manifesto, de Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser.
Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o tsar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha.
Que partido de oposição não foi acusado de comunista por seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante de comunista?
Duas conclusões decorrem desses fatos:
1a: O comunismo já é reconhecido como força por todas as potências da Europa.
2a: É tempo de os comunistas exporem, abertamente, ao mundo inteiro, seu modo de ver, seus objetivos e suas tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do espectro do comunismo.
Com este fim, reuniram-se, em Londres, comunistas de várias nacionalidades e redigiram o manifesto seguinte, que será publicado em inglês, francês, alemão, italiano, flamengo e dinamarquês.
Burgueses e proletários
A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito.
Nas mais remotas épocas da história, verificamos, quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em classes distintas, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga, encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres das corporações, aprendizes, companheiros, servos; e, em cada uma dessas classes, outras gradações particulares.
A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das que existiram no passado.
Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado.
Dos servos da Idade Média nasceram os moradores dos primeiros burgos; dessa população municipal saíram os primeiros elementos da burguesia.
A descoberta da América e a circumnavegação da África abriram um novo campo de ação à burguesia emergente. Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e das mercadorias em geral imprimiram ao comércio, à indústria e à navegação um impulso desconhecido até então; e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição.
A organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporações fechadas, já não satisfazia as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.
Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais, a procura por mercadorias continuava a aumentar. A própria manufatura tornou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria, aos chefes de verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos.
A grande indústria criou o mercado mundial, preparado pela descoberta da América. O mercado mundial acelerou enormemente o desenvolvimento do comércio, da navegação, dos meios de comunicação. Esse desenvolvimento reagiu, por sua vez, sobre a expansão da indústria; e, à medida que a indústria, o comércio, a navegação e as vias férreas se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando seus capitais e colocando num segundo plano todas as classes legadas pela Idade Média.
Vemos, pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de transformações nos modos de produção e circulação.
Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui república urbana independente, ali terceiro Estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.
A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas. Rasgou todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus “superiores naturais”, para deixar subsistir apenas, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do “pagamento à vista”. Afogou os fervores sagrados da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas duramente, por uma única liberdade sem escrúpulos: a do comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração dissimulada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, direta, despudorada e brutal.
A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas como dignas e encaradas com piedoso respeito. Fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio seus servidores assalariados.
A burguesia rasgou o véu do sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a meras relações monetárias.
A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que a atividade humana pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas.
A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são finalmente obrigados a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com os outros homens.
Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte.
Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela roubou da indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a ser destruídas diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas – indústrias que já não empregam matérias-primas nacionais, mas, sim, matérias-primas vindas das regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as partes do mundo. Ao invés das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, surgem novas demandas, que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e de climas os mais diversos. No lugar do antigo isolamento de regiões e nações autossuficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se patrimônio comum. A estreiteza e a unilateralidade nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das numerosas literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal.
Com o rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e o constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente da civilização todas as nações, até mesmo as mais bárbaras. Os baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da China e obriga à capitulação os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de ruína total, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar a chamada civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança.
A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semi-bárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.
A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias independentes, ligadas apenas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária.
A burguesia, em seu domínio de classe de apenas um século, criou forças produtivas mais numerosas e colossais do que todas as gerações passadas em seu conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química na indústria e na agricultura, a navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando da terra como por encanto – que século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?
Vimos, portanto, que os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da sociedade feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade feudal produzia e trocava – a organização feudal da agricultura e da manufatura, em suma, o regime feudal de propriedade – deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-la. Transformaram-se em outros tantos grilhões que era preciso despedaçar; e foram despedaçados.
Em seu lugar, surgiu a livre concorrência, com uma organização social e política apropriada, com a supremacia econômica e política da classe burguesa.
Assistimos hoje a um processo semelhante. A sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já criadas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade – a epidemia da superprodução. A sociedade vê-se subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea; como se a fome ou uma guerra de extermínio lhe houvessem cortado todos os meios de subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, indústria em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo contrário, tornaram-se poderosas demais para essas condições, passam a ser tolhidas por elas; e, assim que se libertam desses entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. E de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las.
As armas que a burguesia usou para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.
A burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens que empunharão essas armas – os operários modernos, os proletários.
Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se a retalho, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em consequência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.
O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojaram a atividade do operário de seu caráter autônomo, tirando-lhe todo o atrativo. O operário torna-se um mero apêndice da máquina e dele só se requer o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de subsistência que lhe são necessários para viver e perpetuar sua espécie. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao seu custo de produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Mais ainda, na mesma medida em que aumenta a maquinaria e a divisão do trabalho, sobe também a quantidade de trabalho, quer pelo aumento das horas de trabalho, quer pelo aumento do trabalho exigido num determinado tempo, quer pela aceleração do movimento das máquinas etc.
A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da corporação patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, são organizadas militarmente. Como soldados rasos da indústria, estão sob a vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Não são apenas servos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também, dia a dia, hora a hora, escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e exasperador quanto maior é a franqueza com que proclama ter no lucro seu objetivo exclusivo.
Quanto menos habilidade e força o trabalho manual exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo de mulheres e crianças. As diferenças de idade e de sexo não têm mais importância social para a classe operária. Não há senão instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo.
Depois de sofrer a exploração do fabricante e de receber seu salário em dinheiro, o operário torna-se presa de outros membros da burguesia: o senhorio, o varejista, o penhorista etc.
As camadas inferiores da classe média de outrora, os pequenos industriais, pequenos comerciantes, os que vivem de rendas [rentiers], artesãos e camponeses, caem nas fileiras do proletariado; uns porque seu pequeno capital não permite empregar os processos da grande indústria e sucumbem na concorrência com os grandes capitalistas; outros porque sua habilidade profissional é depreciada pelos novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da população.
O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com sua existência.
No começo, empenham-se na luta operários isolados; mais tarde, operários de uma mesma fábrica; finalmente, operários de um mesmo ramo de indústria, de uma mesma localidade, contra o burguês que os explora diretamente. Dirigem os seus ataques não só contra as relações burguesas de produção, mas também contra os instrumentos de produção; destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posição perdida do trabalhador da Idade Média.
Nessa fase, o proletariado constitui massa disseminada por todo o país e dispersa pela concorrência. A coesão maciça dos operários é o resultado não ainda de sua própria união, mas da união da burguesia, que, para atingir seus próprios fins políticos, é levada a pôr em movimento todo o proletariado, o que por enquanto ainda pode fazer. Durante essa fase, os proletários não combatem seus próprios inimigos, mas os inimigos de seus inimigos, os restos da monarquia absoluta, os proprietários de terras, os burgueses não industriais, os pequeno-burgueses. Todo o movimento histórico está desse modo concentrado nas mãos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condições é uma vitória burguesa.
Mas, com o desenvolvimento da indústria, o proletariado não apenas se multiplica; comprime-se em massas cada vez maiores, sua força cresce e ele adquire maior consciência dela. Os interesses e as condições de existência dos proletários se igualam cada vez mais à medida que a máquina extingue toda diferença de trabalho e quase por toda parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência crescente dos burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso resultam, os salários se tornam cada vez mais instáveis; o aperfeiçoamento constante e cada vez mais rápido das máquinas torna a condição de vida do operário cada vez mais precária; os choques individuais entre o operário singular e o burguês singular tomam cada vez mais o caráter de confrontos entre duas classes. Os operários começam a formar coalizões contra os burgueses e atuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes a fim de se precaver de insurreições eventuais. Aqui e ali a luta irrompe em motim.
De tempos em tempos os operários triunfam, mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Essa união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria, que permitem o contato entre operários de diferentes localidades. Basta, porém, esse contato para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, em uma luta nacional, uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. E a união que os burgueses da Idade Média, com seus caminhos vicinais, levaram séculos a realizar os proletários modernos realizam em poucos anos por meio das ferrovias.
A organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político é incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mais sólida, mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe operária – por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra.
Em geral, os choques que se produzem na velha sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive em luta permanente; primeiro, contra a aristocracia; depois, contra as frações da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, a recorrer à sua ajuda e, dessa forma, arrastá-lo para o movimento político. A burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra si mesma.
Além disso, como já vimos, frações inteiras da classe dominante, em consequência do desenvolvimento da indústria, são lançadas no proletariado ou, pelo menos, ameaçadas em suas condições de existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de educação.
Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta, ligando-se à classe revolucionária, à classe que traz nas mãos o futuro. Do mesmo modo que outrora uma parte da nobreza passou para a burguesia, em nossos dias uma parte da burguesia passa para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto.
De todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto mais autêntico.
As camadas médias – pequenos comerciantes, pequenos fabricantes, artesãos, camponeses – combatem a burguesia porque esta compromete sua existência como camadas médias. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda, são reacionárias, pois pretendem fazer girar para trás a roda da história. Quando se tornam revolucionárias, isto se dá em consequência de sua iminente passagem para o proletariado; não defendem então seus interesses atuais, mas seus interesses futuros; abandonam seu próprio ponto de vista em favor daquele do proletariado.
O lumpemproletariado, putrefação passiva das camadas mais baixas da velha sociedade, pode, às vezes, ser arrastado ao movimento por uma revolução proletária; todavia, suas condições de vida o predispõem mais a vender-se à reação.
As condições de existência da velha sociedade já estão destruídas nas condições de existência do proletariado. O proletário não tem propriedade; suas relações com a mulher e os filhos já nada têm em comum com as relações familiares burguesas. O trabalho industrial moderno, a subjugação do operário ao capital, tanto na Inglaterra como na França, tanto na América como na Alemanha, despoja o proletário de todo caráter nacional. As leis, a moral e a religião são para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.
Todas as classes que no passado conquistaram o poder trataram de consolidar a situação adquirida submetendo toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sociais senão abolindo o modo de apropriação a elas correspondente e, por conseguinte, todo modo de apropriação existente até hoje. Os proletários nada têm de seu a salva-guardar; sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes.
Todos os movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada mais baixa da sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.
A luta do proletariado contra a burguesia, embora não seja na essência uma luta nacional, reveste-se dessa forma num primeiro momento. É natural que o proletariado de cada país deva, antes de tudo, liquidar a sua própria burguesia.
Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil mais ou menos oculta na sociedade existente, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia.
Todas as sociedades anteriores, como vimos, se basearam no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas, para oprimir uma classe, é preciso poder garantir-lhe condições tais que lhe permitam, pelo menos, uma existência servil. O servo, em plena servidão, conseguiu tornar-se membro da comuna, da mesma forma que o pequeno-burguês, sob o jugo do absolutismo feudal, elevou-se à categoria de burguês. O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais, caindo abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador torna-se um indigente, e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Fica assim evidente que a burguesia é incapaz de continuar desempenhando o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei suprema, as condições de existência de sua classe. Não pode exercer o seu domínio porque não pode mais assegurar a existência de seu escravo, mesmo no quadro de sua escravidão, porque é obrigada a deixá-lo afundar numa situação em que deve nutri-lo em lugar de ser nutrida por ele. A sociedade não pode mais existir sob sua dominação, o que quer dizer que a existência da burguesia não é mais compatível com a sociedade.
A condição essencial para a existência e supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Este baseia-se exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e involuntário, substitui o isolamento dos operários, resultante da competição, por sua união revolucionária, resultante da associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira dos pés da burguesia a própria base sobre a qual ela assentou o seu regime de produção e de apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.
Proletários e comunistas
Qual a relação dos comunistas com os proletários em geral? Os comunistas não formam um partido à parte, oposto aos outros partidos operários.
Não têm interesses diferentes dos interesses do proletariado em geral.
Não proclamam princípios particulares, segundo os quais pretendem moldar o movimento operário.
Os comunistas se distinguem dos outros partidos operários somente em dois pontos: 1) nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente da nacionalidade; 2) nas diferentes fases de desenvolvimento por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte, os interesses do movimento em seu conjunto.
Na prática, os comunistas constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais; teoricamente, têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições, do curso e dos fins gerais do movimento proletário.
O objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos proletários: constituição do proletariado em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado.
As proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo algum, em ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo.
São apenas a expressão geral das condições efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se desenvolve diante dos olhos. A abolição das relações de propriedade que até hoje existiram não é uma característica peculiar e exclusiva do comunismo.
Todas as relações de propriedade têm passado por modificações constantes em consequência das contínuas transformações das condições históricas.
A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa.
O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa.
Mas a moderna propriedade privada burguesa é a última e mais perfeita expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonismos de classes, na exploração de uns pelos outros.
Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria numa única expressão: supressão da propriedade privada.
Nós, comunistas, temos sido censurados por querer abolir a propriedade pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo – propriedade que dizem ser a base de toda liberdade, de toda atividade, de toda independência individual.
Propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mérito! Falais da propriedade do pequeno-burguês, do pequeno-camponês, forma de propriedade anterior à propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la, porque o progresso da indústria já a aboliu e continua abolindo-a diariamente. Ou porventura falais da moderna propriedade privada, da propriedade burguesa?
Mas o trabalho do proletário, o trabalho assalariado, cria propriedade para o proletário? De modo algum. Cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condição de gerar novo trabalho assalariado, para voltar a explorá-lo. Em sua forma atual, a propriedade se move entre dois termos antagônicos: capital e trabalho. Examinemos os termos desse antagonismo.
Ser capitalista significa ocupar não somente uma posição pessoal, mas também uma posição social na produção. O capital é um produto coletivo e só pode ser posto em movimento pelos esforços combinados de muitos membros da sociedade, em última instância pelos esforços combinados de todos os membros da sociedade.
O capital não é, portanto, um poder pessoal: é um poder social.
Assim, quando o capital é transformado em propriedade comum, pertencente a todos os membros da sociedade, não é uma propriedade pessoal que se transforma em propriedade social. O que se transformou foi o caráter social da propriedade. Esta perde seu caráter de classe.
Vejamos agora o trabalho assalariado.
O preço médio que se paga pelo trabalho assalariado é o mínimo de salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência necessários para que o operário viva como operário. Por conseguinte, o que o operário recebe com o seu trabalho é o estritamente necessário para a mera conservação e reprodução de sua existência. Não pretendemos de modo algum abolir essa apropriação pessoal dos produtos do trabalho, indispensável à manutenção e à reprodução da vida humana – uma apropriação que não deixa nenhum lucro líquido que confira poder sobre o trabalho alheio. Queremos apenas suprimir o caráter miserável dessa apropriação, que faz com que o operário só viva para aumentar o capital e só viva na medida em que o exigem os interesses da classe dominante.
Na sociedade burguesa, o trabalho vivo é sempre um meio de aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é um meio de ampliar, enriquecer e promover a existência dos trabalhadores.
Na sociedade burguesa, o passado domina o presente; na sociedade comunista, é o presente que domina o passado. Na sociedade burguesa, o capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha é dependente e impessoal.
É a supressão dessa situação que a burguesia chama de supressão da individualidade e da liberdade. E com razão. Porque se trata efetivamente de abolir a individualidade burguesa, a independência burguesa, a liberdade burguesa.
Por liberdade, nas atuais relações burguesas de produção, compreende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender.
Mas, se o tráfico desaparece, desaparecerá também a liberdade de traficar. Toda a fraseologia sobre o livre-comércio, bem como todas as bravatas de nossa burguesia sobre a liberdade, só tem sentido quando se refere ao comércio constrangido e ao burguês oprimido da Idade Média; nenhum sentido tem quando se trata da supressão comunista do tráfico, das relações burguesas de produção e da própria burguesia.
Vós vos horrorizais porque queremos suprimir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está suprimida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para esses nove décimos que ela existe para vós. Vós nos censurais, portanto, por querermos abolir uma forma de propriedade que pressupõe como condição necessária que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade.
Numa palavra, vós nos censurais por querermos abolir a vossa propriedade. De fato, é isso o que queremos.
A partir do momento em que o trabalho não possa mais ser convertido em capital, em dinheiro, em renda da terra – numa palavra, em poder social capaz de ser monopolizado –, isto é, a partir do momento em que a propriedade individual não possa mais se converter em propriedade burguesa, declarareis que o indivíduo está suprimido.
Confessais, no entanto, que, quando falais do indivíduo, quereis referir-vos unicamente ao burguês, ao proprietário burguês. E esse indivíduo, sem dúvida, deve ser suprimido.
O comunismo não priva ninguém do poder de se apropriar de sua parte dos produtos sociais; apenas suprime o poder de subjugar o trabalho de outros por meio dessa apropriação.
Alega-se ainda que, com a abolição da propriedade privada, toda atividade cessaria, uma inércia geral apoderar-se-ia do mundo.
Se isso fosse verdade, há muito que a sociedade burguesa teria sucumbido à ociosidade, pois os que no regime burguês trabalham não lucram e os que lucram não trabalham. Toda objeção se reduz a esta tautologia: não haverá mais trabalho assalariado quando não existir mais capital.
As objeções feitas ao modo comunista de produção e de apropriação dos produtos materiais foram igualmente ampliadas à produção e à apropriação dos produtos do trabalho intelectual. Assim como o desaparecimento da propriedade de classe equivale, para o burguês, ao desaparecimento de toda a produção, o desaparecimento da cultura de classe significa, para ele, o desaparecimento de toda a cultura.
A cultura, cuja perda o burguês deplora, é para a imensa maioria dos homens apenas um adestramento que os transforma em máquinas.
Mas não discutais conosco aplicando à abolição da propriedade burguesa o critério de vossas noções burguesas de liberdade, cultura, direito etc. Vossas próprias ideias são produto das relações de produção e de propriedade burguesas, assim como vosso direito não passa da vontade de vossa classe erigida em lei, vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições materiais de vossa existência como classe.
Essa concepção interesseira, que vos leva a transformar em leis eternas da natureza e da razão as relações sociais oriundas do vosso modo de produção e de propriedade – relações transitórias que surgem e desaparecem no curso da produção –, é por vós compartilhada com todas as classes dominantes já desaparecidas. O que aceitais para a propriedade antiga, o que aceitais para a propriedade feudal, já não podeis aceitar para a propriedade burguesa.
Supressão da família! Até os mais radicais se indignam com esse propósito infame dos comunistas.
Sobre que fundamento repousa a família atual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o ganho individual. A família, na sua plenitude, só existe para a burguesia, encontrando seu complemento na ausência forçada da família entre os proletários e na prostituição pública.
A família burguesa desvanece-se naturalmente com o desvanecer de seu complemento, e ambos desaparecem com o desaparecimento do capital.
Vós nos censurais por querermos abolir a exploração das crianças pelos seus próprios pais? Confessamos esse crime.
Dizeis também que destruímos as relações mais íntimas ao substituirmos a educação doméstica pela educação social.
E vossa educação não é também determinada pela sociedade? Pelas condições sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade, por meio de vossas escolas etc.? Os comunistas não inventaram a intromissão da sociedade na educação; apenas procuram modificar seu caráter arrancando a educação da influência da classe dominante.
O palavreado burguês sobre a família e a educação, sobre os doces laços que unem a criança aos pais, torna-se cada vez mais repugnante à medida que a grande indústria destrói todos os laços familiares dos proletários e transforma suas crianças em simples artigos de comércio, em simples instrumentos de trabalho.
“Vós, comunistas, quereis introduzir a comunidade das mulheres!”, grita-nos toda a burguesia em coro.
Para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum, conclui naturalmente que o destino de propriedade coletiva caberá igualmente às mulheres. Não imagina que se trata precisamente de arrancar a mulher de seu papel de simples instrumento de produção.
De resto, nada é mais ridículo do que a virtuosa indignação dos nossos burgueses em relação à pretensa comunidade oficial das mulheres que seria adotada pelos comunistas. Os comunistas não precisam introduzir a comunidade das mulheres. Ela quase sempre existiu.
Nossos burgueses, não contentes em ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituição oficial, têm singular prazer em seduzir as esposas uns dos outros.
O casamento burguês é, na realidade, a comunidade das mulheres casadas. No máximo, poderiam acusar os comunistas de querer substituir uma comunidade de mulheres, hipócrita e dissimulada, por outra, que seria franca e oficial. De resto, é evidente que, com a abolição das atuais relações de produção, desaparecerá também a comunidade das mulheres que deriva dessas relações, ou seja, a prostituição oficial e não oficial.
Os comunistas também são acusados de querer abolir a pátria, a nacionalidade.
Os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar aquilo que não possuem. Como, porém, o proletariado tem por objetivo conquistar o poder político e elevar-se a classe dirigente da nação, tornar-se ele próprio nação, ele é, nessa medida, nacional, mas de modo nenhum no sentido burguês da palavra.
Os isolamentos e os antagonismos nacionais entre os povos desaparecem cada vez mais com o desenvolvimento da burguesia, com a liberdade de comércio, com o mercado mundial, com a uniformidade da produção industrial e com as condições de existência a ela correspondentes.
A supremacia do proletariado fará com que desapareçam ainda mais depressa. A ação comum do proletariado, pelo menos nos países civilizados, é uma das primeiras condições para sua emancipação.
À medida que for suprimida a exploração do homem pelo homem, será suprimida a exploração de uma nação por outra.
Quando os antagonismos de classes, no interior das nações, tiverem desaparecido, desaparecerá a hostilidade entre as próprias nações.
As acusações feitas aos comunistas em nome da religião, da filosofia e da ideologia em geral não merecem um exame aprofundado.
Será preciso grande inteligência para compreender que, ao mudarem as relações de vida dos homens, as suas relações sociais, a sua existência social, mudam também as suas representações, as suas concepções e conceitos, numa palavra, muda a sua consciência?
Que demonstra a história das ideias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material? As ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante.
Quando se fala de ideias que revolucionam uma sociedade inteira, isso quer dizer que, no seio da velha sociedade, se formaram os elementos de uma sociedade nova e que a dissolução das velhas ideias acompanha a dissolução das antigas condições de existência.
Quando o mundo antigo declinava, as antigas religiões foram vencidas pela religião cristã; quando, no século XVIII, as ideias cristãs cederam lugar às ideias iluministas, a sociedade feudal travava sua batalha decisiva contra a burguesia então revolucionária. As ideias de liberdade religiosa e de consciência não fizeram mais que proclamar o império da livre concorrência no domínio do conhecimento.
“Mas” – dirão – “as ideias religiosas, morais, filosóficas, políticas, jurídicas etc. modificaram-se no curso do desenvolvimento histórico. A religião, a moral, a filosofia, a política e o direito sobreviveram sempre a essas transformações.”
“Além disso, há verdades eternas, como a liberdade, a justiça etc., que são comuns a todos os regimes sociais. Mas o comunismo quer abolir essas verdades eternas, quer abolir a religião e a moral, em lugar de lhes dar uma nova forma, e isso contradiz todos os desenvolvimentos históricos anteriores.”
A que se reduz essa acusação? A história de toda a sociedade até nossos dias moveu-se em antagonismos de classes, antagonismos que se têm revestido de formas diferentes nas diferentes épocas.
Mas, qualquer que tenha sido a forma assumida, a exploração de uma parte da sociedade por outra é um fato comum a todos os séculos anteriores. Portanto, não é de espantar que a consciência social de todos os séculos, apesar de toda sua variedade e diversidade, tenha se movido sempre sob certas formas comuns, formas de consciência que só se dissolverão completamente com o desaparecimento total dos antagonismos de classes.
A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações tradicionais de propriedade; não admira, portanto, que no curso de seu desenvolvimento se rompa, do modo mais radical, com as ideias tradicionais.
Mas deixemos de lado as objeções da burguesia ao movimento comunista.
Vimos antes que a primeira fase da revolução operária é a elevação do proletariado a classe dominante, a conquista da democracia.
O proletariado usará sua supremacia política para arrancar, pouco a pouco, todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível o total das forças produtivas.
Isso naturalmente só poderá ser realizado, a princípio, por intervenções despóticas no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas, isto é, pela aplicação de medidas que, do ponto de vista econômico, parecerão insuficientes e insustentáveis, mas que, no desenrolar do movimento, ultrapassarão a si mesmas e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de produção.
Essas medidas, é claro, serão diferentes nos diferentes países.
Nos países mais adiantados, contudo, quase todas as seguintes medidas poderão ser postas em prática:
- Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra para despesas do Estado.
- Imposto fortemente progressivo.
- Abolição do direito de herança.
- Confisco da propriedade de todos os emigrados e rebeldes.
- Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com monopólio exclusivo.
- Centralização de todos os meios de comunicação e transporte nas mãos do Estado.
- Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de produção, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral.
- Unificação do trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.
- Unificação dos trabalhos agrícola e industrial; abolição gradual da distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais igualitária da população pelo país.
- Educação pública e gratuita a todas as crianças; abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Associação da educação com a produção material etc.
Quando, no curso do desenvolvimento, desaparecerem os antagonismos de classes e toda a produção for concentrada nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de
uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se organiza forçosamente como classe, se por meio de uma revolução se converte em classe dominante e como classe dominante destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, junto com essas relações de produção, as condições de existência dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe.
Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.
Literatura socialista e comunista
1. O socialismo reacionário
a) O socialismo feudal
Por sua posição histórica, as aristocracias da França e da Inglaterra viram-se chamadas a lançar libelos contra a sociedade burguesa. Na revolução francesa de julho de 1830, no movimento inglês pela reforma*, tinham sucumbido mais uma vez sob os golpes dessa odiada arrivista. A partir daí não se podia tratar de uma luta política séria; só lhes restava a luta literária. Mas também no domínio literário tornara-se impossível a velha fraseologia da Restauração.
Para despertar simpatias, a aristocracia fingiu deixar de lado seus próprios interesses e dirigiu sua acusação contra a burguesia, aparentando defender apenas os interesses da classe operária explorada. Desse modo, entregou-se ao prazer de cantarolar sátiras sobre os novos senhores e de lhes sussurrar ao ouvido profecias sinistras.
Assim surgiu o socialismo feudal: em parte lamento, em parte pasquim; em parte ecos do passado, em parte ameaças ao futuro. Se por vezes a sua crítica amarga, mordaz e espirituosa feriu a burguesia no coração, sua impotência absoluta em compreender a marcha da história moderna terminou sempre produzindo um efeito cômico.
Para atrair o povo, a aristocracia desfraldou como bandeira a sacola do mendigo; mas, assim que o povo acorreu, percebeu que as costas da bandeira estavam ornadas com os velhos brasões feudais e dispersou-se com grandes e irreverentes gargalhadas.
Uma parte dos legitimistas franceses e a “Jovem Inglaterra” ofereceram ao mundo esse espetáculo.
Quando os feudais demonstraram que o seu modo de exploração era diferente do da burguesia, esqueceram apenas uma coisa: que o feudalismo explorava em circunstâncias e condições completamente diversas, hoje em dia ultrapassadas. Quando ressaltam que sob o regime feudal o proletariado moderno não existia, esquecem que a burguesia foi precisamente um fruto necessário de sua organização social.
Além disso, ocultam tão pouco o caráter reacionário de sua crítica que sua principal acusação contra a burguesia consiste justamente em dizer que esta assegura sob seu regime o desenvolvimento de uma classe que fará ir pelos ares toda a antiga ordem social.
O que reprovam à burguesia é mais o fato de ela ter produzido um proletariado revolucionário do que o de ter criado o proletariado em geral.
Por isso, na luta política participam ativamente de todas as medidas de repressão contra a classe operária. E, na vida diária, a despeito de sua pomposa fraseologia, conformam-se perfeitamente em colher as maçãs de ouro da árvore da indústria e em trocar honra, amor e fidelidade pelo comércio de lã, açúcar de beterraba e aguardente.
Do mesmo modo que o padre e o senhor feudal marcharam sempre de mãos dadas, o socialismo clerical marcha lado a lado com o socialismo feudal.
Nada é mais fácil que recobrir o ascetismo cristão com um verniz socialista. O cristianismo também não se ergueu contra a propriedade privada, o matrimônio, o Estado? E em seu lugar não pregou a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da carne, a vida monástica e a Igreja? O socialismo cristão não passa da água benta com que o padre abençoa o despeito da aristocracia.
b) O socialismo pequeno‐burguês
A aristocracia feudal não é a única classe arruinada pela burguesia, não é a única classe cujas condições de existência se atrofiam e perecem na sociedade burguesa moderna. Os burgueses e o estamento dos pequenos agricultores da Idade Média foram os precursores da burguesia moderna. Nos países onde o comércio e a indústria são pouco desenvolvidos, essa classe continua a vegetar ao lado da burguesia em ascensão.
Nos países onde a civilização moderna está florescente, forma-se uma nova classe de pequeno-burgueses que oscila entre o proletariado e a burguesia, reconstituindo-se sempre como fração complementar da sociedade burguesa; os membros dessa classe, no entanto, se veem constantemente precipitados no proletariado, devido à concorrência, e, com a marcha progressiva da grande indústria, sentem aproximar-se o momento em que desaparecerão completamente como fração independente da sociedade moderna e serão substituídos no comércio, na manufatura e na agricultura por supervisores, capatazes e empregados.
Em países como a França, onde os camponeses constituem bem mais da metade da população, era natural que os escritores que se batiam pelo proletariado e contra a burguesia aplicassem à sua crítica do regime burguês critérios do pequeno-burguês e do pequeno-camponês e defendessem a causa operária do ponto de vista da pequena burguesia. Desse modo se formou o socialismo pequeno-burguês. Sismondi é o chefe dessa literatura, não somente na França mas também na Inglaterra.
Esse socialismo dissecou com muita perspicácia as contradições inerentes às modernas relações de produção. Pôs a nu as hipócritas apologias dos economistas. Demonstrou de modo irrefutável os efeitos mortíferos das máquinas e da divisão do trabalho, da concentração dos capitais e da propriedade territorial, a superprodução, as crises, a decadência inevitável dos pequeno-burgueses e pequeno-camponeses, a miséria do proletariado, a anarquia na produção, a clamorosa desproporção na distribuição das riquezas, a guerra industrial de extermínio entre as nações, a dissolução dos velhos costumes, das velhas relações de família, das velhas nacionalidades.
Quanto ao seu “conteúdo positivo”, porém, o socialismo pequeno-burguês quer ou restabelecer os antigos meios de produção e de troca e, com eles, as antigas relações de propriedade e toda a antiga sociedade, ou então fazer entrar à força os meios modernos de produção e de troca no quadro estreito das antigas relações de propriedade que foram destruídas e necessariamente despedaçadas por eles. Num e noutro caso, esse socialismo é, ao mesmo tempo, reacionário e utópico.
Sistema corporativo na manufatura e economia patriarcal no campo: eis suas últimas palavras.
Por fim, quando os obstinados fatos históricos lhe dissiparam a embriaguez, essa escola socialista abandonou-se a uma covarde ressaca.
c) O socialismo alemão ou o “verdadeiro” socialismo
A literatura socialista e comunista da França, nascida sob a pressão de uma burguesia dominante e expressão literária da revolta contra esse domínio, foi introduzida na Alemanha quando a burguesia começava a sua luta contra o absolutismo feudal.
Filósofos, semifilósofos e impostores alemães lançaram-se avidamente sobre essa literatura, mas se esqueceram de que, com a importação da literatura francesa na Alemanha, não eram importadas ao mesmo tempo as condições de vida da França. Nas condições alemãs, a literatura francesa perdeu toda a significação prática imediata e tomou um caráter puramente literário. Aparecia apenas como especulação ociosa sobre a realização da essência humana. Assim, as reivindicações da primeira revolução francesa só eram, para os filósofos alemães do século XVIII, as reivindicações da “razão prática” em geral; e a manifestação da vontade dos burgueses revolucionários da França não expressava, a seus olhos, senão as leis da vontade pura, da vontade tal como deve ser, da vontade verdadeiramente humana.
O trabalho dos literatos alemães limitou-se a pôr as ideias francesas em harmonia com a sua velha consciência filosófica, ou melhor, a apropriar-se das ideias francesas sem abandonar seu próprio ponto de vista filosófico.
Apropriaram-se delas da mesma forma como se assimila uma língua estrangeira: pela tradução.
Sabe-se que os monges escreveram hagiografias católicas insípidas sobre os manuscritos em que estavam registradas as obras clássicas da Antiguidade pagã. Os literatos alemães agiram em sentido inverso a respeito da literatura francesa profana. Introduziram suas insanidades filosóficas no original francês. Por exemplo, sob a crítica francesa das funções do dinheiro, escreveram “alienação da essência humana”; sob a crítica francesa do Estado burguês, escreveram “superação do domínio da universalidade abstrata”, e assim por diante.
A essa interpolação do palavreado filosófico nas teorias francesas deram o nome de “filosofia da ação”, “verdadeiro socialismo”, “ciência alemã do socialismo”, “justificação filosófica do socialismo” etc.
Desse modo, emascularam completamente a literatura socialista e comunista francesa. E, como nas mãos dos alemães essa literatura tinha deixado de ser a expressão da luta de uma classe contra outra, eles se felicitaram por terem se elevado acima da “estreiteza francesa” e defendido não verdadeiras necessidades, mas a “necessidade da verdade”; não os interesses do proletário, mas os interesses do ser humano, do homem em geral, do homem que não pertence a nenhuma classe nem a realidade alguma e que só existe no céu brumoso da fantasia filosófica.
Esse socialismo alemão que levava tão solenemente a sério seus canhestros exercícios de escola e que os apregoava tão charlatanescamente foi perdendo, pouco a pouco, sua inocência pedante.
A luta da burguesia alemã e, especialmente, da burguesia prussiana contra o feudalismo e a monarquia absoluta, numa palavra, o movimento liberal, tornou-se mais séria.
Desse modo, apresentou-se ao “verdadeiro” socialismo a tão desejada oportunidade de contrapor ao movimento político as reivindicações socialistas, de lançar os anátemas tradicionais contra o liberalismo, o regime representativo, a concorrência burguesa, a liberdade burguesa de imprensa, o direito burguês, a liberdade e a igualdade burguesas; de pregar às massas que nada tinham a ganhar, mas, pelo contrário, tudo a perder nesse movimento burguês. O socialismo alemão esqueceu, bem a propósito, que a crítica francesa, da qual era o eco monótono, pressupunha a sociedade burguesa moderna com as condições materiais de existência que lhe correspondem e uma constituição política adequada – precisamente as coisas que, na Alemanha, estava ainda por conquistar.
Esse socialismo serviu de espantalho – para amedrontar a burguesia ameaçadoramente ascendente – aos governos absolutos da Alemanha, com seu cortejo de padres, pedagogos, fidalgos rurais e burocratas.
Juntou sua hipocrisia adocicada aos tiros de fuzil e às chicotadas com que esses mesmos governos respondiam aos levantes dos operários alemães.
Se o “verdadeiro” socialismo se tornou assim uma arma nas mãos dos governos contra a burguesia alemã, representou também diretamente um interesse reacionário, o interesse da pequena burguesia alemã. A classe dos pequeno-burgueses,
legada pelo século XVI e, desde então, renascendo sem cessar sob formas diversas, constitui na Alemanha a verdadeira base social do regime estabelecido.
Mantê-la é manter na Alemanha o regime estabelecido. A supremacia industrial e política da burguesia ameaça destruir a pequena burguesia – de um lado, pela concentração do capital, de outro, pelo desenvolvimento de um proletariado revolucionário. O “verdadeiro” socialismo pareceu aos pequeno-burgueses uma arma capaz de aniquilar esses dois inimigos. Propagou-se como uma epidemia.
A roupagem tecida com os fios imateriais da especulação, bordada com as flores da retórica e banhada de orvalho sentimental, essa roupagem, na qual os socialistas alemães envolveram o miserável esqueleto das suas “verdades eternas”, não fez senão ativar a venda de sua mercadoria entre aquele público.
Por seu lado, o socialismo alemão compreendeu cada vez mais que sua vocação era ser o representante grandiloquente dessa pequena burguesia.
Proclamou que a nação alemã era a nação-modelo, e o pequeno-burguês alemão o homem-modelo. A todas as infâmias desse homem-modelo atribuiu um sentido oculto, um sentido superior e socialista, que as tornava exatamente o contrário do que eram. Foi consequente até o fim, levantando-se contra a tendência “brutalmente destrutiva” do comunismo, declarando que pairava imparcialmente acima de todas as lutas de classes. Com raras exceções, todas as pretensas publicações socialistas ou comunistas que circulam na Alemanha pertencem a essa suja e debilitante literatura.
2. O socialismo conservador ou burguês
Uma parte da burguesia procura remediar os males sociais para assegurar a existência da sociedade burguesa.
Nessa categoria, enfileiram-se os economistas, os filantropos, os humanitários, os que se ocupam em melhorar a sorte da classe operária, os organizadores de beneficências, os protetores dos animais, os fundadores das sociedades anti-alcoólicas, enfim, os reformadores de gabinete de toda categoria. Esse socialismo burguês chegou até a ser elaborado em sistemas completos.
Como exemplo, citemos a Filosofia da miséria, de Proudhon.
Os socialistas burgueses querem as condições de vida da sociedade moderna sem as lutas e os perigos que dela decorrem fatalmente. Querem a sociedade atual, mas eliminando os elementos que a revolucionam e dissolvem. Querem a burguesia sem o proletariado. A burguesia, naturalmente, concebe o mundo em que domina como o melhor dos mundos. O socialismo burguês elabora em um sistema mais ou menos completo essa concepção consoladora. Quando convida o proletariado a realizar esses sistemas e entrar na nova Jerusalém, no fundo o que pretende é induzi-lo a manter-se na sociedade atual, desembaraçando-se, porém, do ódio que sente por ela.
Uma segunda forma desse socialismo, menos sistemática porém mais prática, procura fazer com que os operários se afastem de qualquer movimento revolucionário, demonstrando-lhes que não será tal ou qual mudança política, e sim uma transformação das condições de vida material e das relações econômicas, que poderá ser proveitosa para eles. Por transformação das condições materiais de existência esse socialismo não compreende em absoluto a abolição das relações burguesas de produção – que só é possível pela via revolucionária –, mas apenas reformas administrativas realizadas sobre a base das próprias relações de produção burguesas e que, portanto, não afetam as relações entre o capital e o trabalho assalariado, servindo, no melhor dos casos, para diminuir os gastos da burguesia com sua dominação e simplificar o trabalho administrativo de seu Estado.
O socialismo burguês só atinge sua expressão correspondente quando se torna simples figura de retórica.
Livre-comércio, no interesse da classe operária! Tarifas protetoras, no interesse da classe operária! Prisões, no interesse da classe operária! Eis a última palavra do socialismo burguês, a única pronunciada a sério.
O seu raciocínio se resume na frase: os burgueses são burgueses – no interesse da classe operária.
3. O socialismo e o comunismo crítico‐utópicos
Não se trata aqui da literatura que, em todas as grandes revoluções modernas, exprimiu as reivindicações do proletariado (escritos de Babeuf etc.).
As primeiras tentativas diretas do proletariado para fazer prevalecer seus próprios interesses de classe, feitas numa época de agitação geral, no período da derrubada da sociedade feudal, fracassaram necessariamente não apenas por causa do estado embrionário do próprio proletariado mas devido à ausência das condições materiais de sua emancipação, condições que apenas surgem como produto da época burguesa. A literatura revolucionária que acompanhava esses primeiros movimentos do proletariado teve forçosamente um conteúdo reacionário. Preconizava um ascetismo geral e um grosseiro igualitarismo.
Os sistemas socialistas e comunistas propriamente ditos, os de Saint-Simon, Fourier, Owen etc., aparecem no primeiro período da luta entre o proletariado e a burguesia, período anteriormente descrito (ver “Burgueses e proletários”).
Os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das classes, assim como a ação dos elementos dissolventes na própria sociedade dominante. Mas não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica, nenhum movimento político que lhe seja peculiar.
Como o desenvolvimento dos antagonismos de classes acompanha o desenvolvimento da indústria, tampouco distinguem as condições materiais da emancipação do proletariado e põem-se à procura de uma ciência social, de leis sociais que permitam criar essas condições.
Substituem a atividade social por sua própria imaginação pessoal; as condições históricas da emancipação por condições fantásticas; a organização gradual e espontânea do proletariado em classe por uma organização da sociedade pré-fabricada por eles. A história futura do mundo se resume, para eles, na propaganda e na execução prática de seus planos de organização social.
Todavia, na confecção de seus planos, têm a convicção de defender antes de tudo os interesses da classe operária, como classe mais sofredora. A classe operária só existe para eles sob esse aspecto, o de classe mais sofredora.
Mas a forma rudimentar da luta de classes e sua própria posição social os levam a considerar-se muito acima de qualquer antagonismo de classe. Desejam melhorar as condições materiais de vida de todos os membros da sociedade, mesmo dos mais privilegiados. Por isso, não cessam de apelar indistintamente à sociedade inteira e, de preferência, à classe dominante. Bastaria compreender seu sistema para reconhecê-lo como o melhor plano possível para a melhor sociedade possível.
Rejeitam, portanto, toda ação política e, sobretudo, toda ação revolucionária; procuram atingir seu objetivo por meios pacíficos e tentam abrir um caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, com experiências em pequena escala, que naturalmente sempre fracassam.
Essa descrição fantástica da sociedade futura, feita numa época em que o proletariado ainda pouco desenvolvido encara sua própria posição de um modo fantástico, corresponde às primeiras aspirações instintivas dos operários a uma completa transformação da sociedade.
Mas as obras socialistas e comunistas encerram também elementos críticos. Atacam todas as bases da sociedade existente. Por isso fornecem em seu tempo materiais de grande valor para esclarecer os operários. Suas proposições positivas sobre a sociedade futura, tais como a supressão do contraste entre a cidade e o campo, a abolição da família, do lucro privado e do trabalho assalariado, a proclamação da harmonia social e a transformação do Estado numa simples administração da produção – todas essas propostas apenas exprimem o desaparecimento do antagonismo entre as classes, antagonismo que mal se inicia e que esses autores conhecem somente em suas formas imprecisas. Assim, essas proposições têm ainda um sentido puramente utópico.
A importância do socialismo e do comunismo crítico-utópicos está na razão inversa do seu desenvolvimento histórico. À medida que a luta de classes se acentua e toma formas mais definidas, a fantástica pressa de abstrair-se dela, essa fantástica oposição que lhe é feita, perde qualquer valor prático, qualquer justificação teórica. Por isso, se em muitos aspectos os fundadores desses sistemas foram revolucionários, as seitas formadas por seus discípulos constituem sempre seitas reacionárias. Aferram-se às velhas concepções de seus mestres apesar do desenvolvimento histórico contínuo do proletariado. Procuram, portanto, e nisto são consequentes, atenuar a luta de classes e conciliar os antagonismos. Continuam a sonhar com a realização experimental de suas utopias sociais – instituição de falanstérios isolados, criação de colônias no interior, fundação de uma pequena Icária (edição em formato reduzido da nova Jerusalém) e, para dar realidade a todos esses castelos no ar, veem-se obrigados a apelar para os bons sentimentos e os cofres dos filantropos burgueses. Pouco a pouco, caem na categoria dos socialistas reacionários ou conservadores descritos anteriormente e só se distinguem deles por um pedantismo mais sistemático, uma fé supersticiosa e fanática nos efeitos miraculosos de sua ciência social.
Por isso se opõem exasperados a qualquer ação política da classe operária, porque, segundo pensam, tal ação só poderia decorrer de uma descrença cega no novo evangelho.
Desse modo, os owenistas, na Inglaterra, e os fourieristas, na França, reagem respectivamente contra os cartistas e os reformistas.
Posição dos comunistas diante dos diversos partidos de oposição
O que já dissemos no capítulo II basta para determinar a relação dos comunistas com os partidos operários já constituídos e, por conseguinte, sua relação com os cartistas na Inglaterra e os reformadores agrários na América do Norte.
Os comunistas lutam pelos interesses e objetivos imediatos da classe operária, mas, ao mesmo tempo, defendem e representam, no movimento atual, o futuro do movimento. Aliam-se na França ao Partido Social-Democrata contra a burguesia conservadora e radical, reservando-se o direito de criticar a fraseologia e as ilusões legadas pela tradição revolucionária.
Na Suíça, apoiam os radicais, sem esquecer que esse partido se compõe de elementos contraditórios, em parte socialistas democráticos, no sentido francês da palavra, em parte burgueses radicais.
Na Polônia, os comunistas apoiam o partido que vê numa revolução agrária a condição da libertação nacional, o partido que desencadeou a insurreição de Cracóvia em 1846.
Na Alemanha, o Partido Comunista luta junto com a burguesia todas as vezes que esta age revolucionariamente – contra a monarquia absoluta, a propriedade rural feudal e a pequena burguesia.
Mas em nenhum momento esse partido se descuida de despertar nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo que existe entre a burguesia e o proletariado, para que, na hora precisa, os operários alemães saibam converter as condições sociais e políticas, criadas pelo regime burguês, em outras tantas armas contra a burguesia, para que, logo após terem sido destruídas as classes reacionárias da Alemanha, possa ser travada a luta contra a própria burguesia.
É sobretudo para a Alemanha que se volta a atenção dos comunistas, porque a Alemanha se encontra às vésperas de uma revolução burguesa e porque realizará essa revolução nas condições mais avançadas da civilização europeia e com um proletariado infinitamente mais desenvolvido que o da Inglaterra no século XVII e o da França no século XVIII; e porque essa revolução burguesa será, portanto, o prelúdio imediato de uma revolução proletária.
Em resumo, os comunistas apoiam em toda parte qualquer movimento revolucionário contra a ordem social e política existente.
Em todos esses movimentos põem em destaque, como questão fundamental, a questão da propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou menos desenvolvida, de que esta se revista.
Finalmente, os comunistas trabalham pela união e pelo entendimento dos partidos democráticos de todos os países.
Os comunistas se recusam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar.
PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!
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