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Pessoas escalam a Sydney Harbour Bridge em 6 de dezembro em Sydney, Austrália, enquanto a fumaça dos incêndios violentos cobre a cidade. (Cameron Spencer / Getty Images)

Como evitar a catástrofe climática e a crise econômica que se aproximam

On Fire: The (Burning) Case for the Green New Deal começa com a imagem de crianças fazendo uma greve pelo clima, liderados pela adolescente sueca Greta Thunberg, cujos desafios que propôs aos líderes políticos ao redor do mundo a trouxeram fama mundial. É um começo que reflete a alteração monumental na conversa sobre mudança climática ao longo do último ano,  levada adiante, particularmente, por jovens — das Greves Escolares pelo Clima de Thunberg ao protesto pacífico do Movimento Nascer do Sol em frente ao Capitólio e à eleição da deputada ecossocialista Alexandria Ocasio-Cortez — e a emergência de um Green New Deal (NGD) como demanda central.

Ao invés de revolver os acontecimentos do último ano ou argumentar por um conjunto particular de políticas ou programas, On Fire mistura a proposta do Green New Deal com a evolução das políticas climáticas ao longo da última década. 

Levando em conta a recente onda em defesa do Green New Deal pelos ambientalistas, relacionado aos últimos dez anos de produção de Klein – sobre vazamento de óleo da BP, os protestos contra o Keystone XL, o oleoduto em Dakota e os incêndios em British Columbia —, devemos ter em mente todas as catástrofes e protestos que aconteceram para chegarmos até aqui.

Em 2011, Klein estava protestando contra o sistema de oleodutos Keystone XL na Casa Branca. Em outubro de 2013, ela escreveu sobre a necessidade de uma “revolução política” capaz de responder aos augúrios cada vez piores da ciência climática e relatou os seus alertas iniciais — pessoas agindo para deter o fracking (fraturamento hidráulico) na Inglaterra, atrapalhando a perfuração em busca de óleo em águas russas e processando companhias exploradoras de areia betuminosa por violar a soberania indígena. Essas ações de confronto não começaram com Sunrise ou o os militantes do Extinction Rebellion.

Mesmo quando ela narra seus encontros pessoais com um mundo em chamas, como o seu relato perturbador de duas semanas que passou de férias na costa de British Columbia, em 2017, enquanto florestas queimavam ao norte, Klein sempre acaba em falando de política — uma mudança revigorante no cada vez mais difundido gênero de meditações angustiantes sobre a ruína climática.

Dentre tantos autores que publicaram livros sobre mudança climática recentemente, Klein permanece a mais proeminente analista do clima em relação ao capitalismo; essa coleção também serve como um lembrete de quão duradoura tem sido seu foco.

Em 2011, seu primeiro grande ensaio sobre a mudança climática,  “Capitalismo Vs. Clima”, argumentava que não era uma coincidência que boa parte da direita negue a mudança climática: com razão, os conservadores perceberam que a mudança climática coloca severos desafios aos princípios do capitalismo.

Para muitos conservadores, portanto, a mudança climática veio quase como um “cavalo de Tróia cujo objetivo é abolir o capitalismo e colocar alguma forma de ecossocialismo no lugar”. Klein argumenta que os negacionistas conservadores estavam sendo perfeitamente razoáveis: agir em relação à mudança climática vai demandar investimento público, redistribuição da riqueza, regulação mais firme e uma série de avanços que os conservadores se opõem.

Ela reitera um argumento similar no início de On Fire, dessa vez se referindo não aos think tanks conservadores, mas ao “espectro do ecofascismo”.  Klein discute que “as alterações climáticas exigem que se leve em conta elementos que estão em um terreno que as mentes conservadoras repelem: redistribuição de riqueza, compartilhamento de recursos e reparações”. Ao invés de negar a mudança climática completamente, a direita passa a usá-la como uma justificação para reforçar fronteiras.

Um artigo sobre Edward Said, Palestina e o “colonialismo verde” de Israel, ilustra a preocupação de Klein de maneira mais ampla. A “barreira de separação” na Cisjordânia, ela afirma, não é apenas comparável aos apelos da sireita para “construir um muro” — na realidade, a existência do primeiro energiza a última.

Paradoxalmente, se a direita é nacionalista em suas políticas, ela é internacionalista em suas aspirações. Ainda assim, o que passa despercebido é a transformação em curso da direita, na medida em que os capitalistas “globalistas” acusados no ensaio original “Capitalismo Vs Clima” passam a ser cada vez mais atacados por populistas de direita. Os primeiros recebem pouca atenção nesse livro, mas continuam sendo oponentes formidáveis. Na medida em que a era do negacionismo climático financiado pela Exxon parece chegar ao fim, que nova trilha as corporações irão procurar desmontar qualquer proposta do Green New Deal e se relacionar com os aliados da direita nacionalista? Que desafios e oportunidades esse realinhamento coloca para a esquerda?

Nesse sentido, podemos hoje fazer uma observação similar na direção oposta. Não é uma coincidência que as abordagens mais fortes e convincentes a respeito da mudança climática partam da esquerda: Ocasio-Cortez, sem dúvida; mas também Bernie Sanders, cuja estratégia climática o rendeu a nota A do Sunrise; Ilham Omar, que se juntou a Sander e Ocasio-Cortez na defesa do Green New Deal voltado para o setor da habitação; e a própria Klein. 

O que é geralmente descrito como a “bola de cristal” ou o “pressentimento” de Klein é melhor entendido com sua trajetória: ao acompanhar o desenvolvimento do capitalismo global e os movimentos internacionais de esquerda pelos últimos 20 anos, Klein foi capaz de perceber fenômenos emergentes de forma mais clara do que observadores políticos convencionais. Como Daniel Denvir observou recentemente sobre os protesto de 1999 na Organização Mundial do Comércio, “em Seattle, nós vimos a política do Green New Deal em sua forma rudimentar: que a junção do trabalho com meio ambiente era a única maneira de seguir adiante”. Não deveríamos nos surpreender que a nossa melhor cronista daqueles movimentos seja hoje representante da vanguarda do Green New Deal.

Na verdade, Klein advogava pelo Green New Deal há oito anos: no nascimento do movimento Occupy, ela disse, “existe uma oportunidade ampla aberta para rachar o terreno na direita. O que, para ela, significaria “ser persuasivo a respeito de que as reais soluções para a crise climática são também nossas melhores esperanças de construir um sistema econômico muito mais justo e iluminado — que diminuísse desigualdade profundas, fortalecesse e transformasse a esfera pública, gerasse trabalho digno em abundância e regulasse radicalmente o poder corporativo”.

Os ensaios ao longo do livro, que cobrem anos de escrita, Klein articula repetidamente “soluções integradas” que “diminuam radicalmente as emissões ao mesmo tempo em que que lidam com desigualdades estruturais e tornam a vida tangivelmente melhor para a maioria”. 

Ainda assim, na maior parte, a produção compilada neste livro foca menos em quem pode se beneficiar do Green New Deal do que aqueles que serão impactados pela mudança climática. Em um ensaio, Klein utiliza o conceito de “othering” para descrever, como Edward Said, como e porquê algumas pessoas e comunidades carregam os fardos ambientais mais significativos: como ela diz, “o pacto de Fausto” do industrialismo era que “os riscos mais pesados seriam terceirizados, descarregados sobre o outro”. 

Hoje, ela afirma, “nossa economia movida a combustíveis fósseis requerem zonas de sacrifício”. Embora a retórica seja diferente, tais argumentos tem uma  presença longeva no pensamento socialista. No século dezenove, Friedrich Engels relatou sobre a terrível poluição da água e do ar como parte da condição de vida da classe trabalhadora em Manchester; os socialistas hoje fariam bem em seguir o argumento dele, percebendo a necessidade de uma justiça ambiental como expressão de uma luta de classes. A zona de sacrifício é um conceito útil para conectar a linguagem econômica das “externalidades” — a poluição e os resíduos gerados pela produção — às críticas políticas e morais feitas por ativistas da justiça ambiental. O capitalismo acontece não apenas nas fábricas, mas na atmosfera; o conflito de classes, também, é presente não apenas nos conflitos trabalhistas, mas nas lutas sobre quem arca com os custos da produção capitalista.

Conectar essas lutas sobre quem paga o preço do nosso sistema atual às lutas sobre quem deve se beneficiar do mundo que temos a esperança de construir é um caminho mais desafiador. Blokadia foi o movimento que inspirou o livro de Klein, This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate. Ela o descreve como uma “perambulação de uma zona de conflito transnacional” de pessoas determinadas a deter novos projetos de extração de combustíveis fósseis. No momento, a minha crítica mais incisiva ao livro diz respeito à aparente incompatibilidade entre as estratégias e os locais de atuação desse movimento político, cuja orientação é voltada para conflitos locais e interrupção de danos ambientais, e a visão de um futuro melhor que ela monta nos capítulos iniciais, que demandariam um movimento de massa dirigido à salvaguarda de bens sociais.

Porém Klein e o movimento pelo clima foram adiante.

Ela estava envolvida no levantamento de grupos trabalhistas, ambientais e indígenas, autores do Leap Manifesto, no Canadá, em 2016, um curto mas poderosa declaração indicando uma nova direção para a esquerda canadense, com uma nova e vibrante visão da democracia energética, trabalho de cuidado de baixa emissão de carbono e a descarbonização dos bens públicos.

Contudo, conforme Klein detalha em “The Leap Years”, havia um cerco político desde o início: políticos com fixação a respeito dos apelos feitos para pôr fim à infraestrutura com base em combustíveis fósseis foram além das usuais acusações de que o ambientalismo quer eliminar empregos, caluniando o movimento como uma “ameaça existencial” e uma “filosofia de niilismo econômico”. Klein é admiravelmente aberta quando fala dessas dificuldades. E postas no contexto de uma década de luta, o manifesto parece não como um projeto falido, mas como um experimento a partir do qual podemos e devemos aprender algumas lições.

Para Klein, muitas dessas lições vieram em formas de reflexões sobre os valores que sustentam a vida ocidental moderna. O problema é mais profundo do que imaginamos, ela afirma. Por exemplo, ela analisa os fracassos do Leap Manifesto a partir das condições de origem do Canadá: quando os colonos europeus chegaram ao Novo Mundo, parecia uma terra de recompensas ilimitadas — oceanos repletos de peixes, céus apinhados de pássaros, florestas praticamente sem fim, com árvores gigantes. Ao encarar a terra como se fosse inexaurível, os colonos — mais especificamente os empreendedores comerciais como a empresa de peles Hudson Bay—  rapidamente a esgotaram.

Seu artigo de 2010 sobre o vazamento de óleo da Deepwater Horizon, “A hole in the World”, analogamente vê o orgulho da BP pelo “poço mais fundo já perfurado” como uma extensão do impulso de dominar a natureza que começou com a revolução científica no século XVI. O vazamento e o fracasso da BP em contê-lo são, portanto, representados como um “curso intensivo de ecologia profunda” — um lembrete de que a terra ainda é viva e incontrolável.

Minha preocupação é que Klein seja exaustiva em seu diagnóstico. Embora ela esteja absolutamente correta em delinear essas tendências mais profundas, o salto entre séculos no espaço de poucas páginas pode ter um efeito desnorteador, talvez até desmobilizante. Sugere que a tarefa diante de nós é tão gigante — a mudança de tudo, a começar com nosso próprio entendimento do mundo — que dá a sensação de que é impossível executá-la no curso de poucos anos. Se um projeto político como o Leap Manifesto sucumbiu por causa da colisão com a ideologia que sustentou a origem do Canadá, por que o Green New Deal teria alguma chance de sucesso?

Ao mesmo tempo, Klein ocasionalmente parece sugerir que desde que mudemos nossa visão de mundo — geralmente descrita em termos de “narrativas” ou “histórias” —, as mudanças no modo que vivemos virão à reboque. Para mudar nossas políticas, Klein argumenta em Capitalism vs. the Climate, primeiro devemos “confrontar os valores  que subjazem a ganância e o individualismo que criaram a crise econômica”, o que por sua vez significa “incorporar, de formas extremamente visíveis, formas radicalmente diferentes de lidarmos uns com os outros e nos relacionarmos com o mundo natural”.

Dizer isso, Kein continua, não é uma questão de “estilo de vida” — sobre que bens preferimos comprar ou o que gostamos de comer. (Ao longo dos ensaios, Klein rejeita, de forma energizante, a ideia da escolha do consumidor como uma forma de política, insistindo que a política requer ação coletiva). Ainda assim, ela tem uma tendência de descrever o capitalismo em termos culturais: nós padecemos de uma “cultura que apropria incessantemente”, “uma cultura de agarrar e seguir”, um “culto às compras” e assim por diante.

Interrogar nossa herança de histórias, narrativas, mitologias e valores – nossas ideologias, pode-se dizer – é obviamente necessário. Mas novas histórias por si mesmas não nos tirarão dessa bagunça. Eu sugeriria um conjunto diferente de operações: precisamos mudar vários aspectos da nossa relação intersubjetiva com o mundo natural. Mas nós não devemos esperar que essas mudanças venham antes de mudanças nas condições materiais das nossas vidas, por mais imperativas que elas sejam.  

Essa é, de fato, a premissa do Green New Deal: que enfrentemos a mudança climática não mudando nossos valores de forma abstrata, mas mudando a realidade material que dão forma a eles. (Acredito que Klein concordaria). Apenas quando empregos verdes forem uma opção é que as pessoas poderão desistir de trabalhos ambientalmente destrutivos; só quando o transporte público for rápido, seguro e acessível é que você vai dispensar seu carro; apenas quando você puder pagar por uma reforma da sua casa é que você a fará. 

Ainda que as greves escolares tenham feito muito para mudar o discurso, o fato é que temos um longo caminho a percorrer para mudar essas realidades materiais. Thunberg, contundente como sempre, recentemente declarou que as greves não “conquistaram coisa alguma”, pois as emissões de carbono ainda precisam mudar. O livro de Klein é um lembrete valioso de que ainda é cedo para saber: movimentos são construídos ao longo de anos, não meses.  Mesmo assim, a impaciência de Thunberg é um impulso oportuno para olharmos seriamente para nossas expectativas, para onde a esquerda climática está construindo poder e de onde esperamos que seja feito mais.

As greves escolares estão efervescendo, mas as falas dos políticos sobre encorajamento da juventude no mundo não vão se tornar em ações até que consequências reais sejam vistas. Isso significa levar novas formas de poder em consideração: do movimento de inquilinos pela legislação do Green New Deal para Habitação atualmente defendido por Sanders, Omar e Ocasio-Cortez, à crescente força de ativistas e mobilizadores que tem levado candidatos menores à vitória, até o poder de greves tradicionais de impedir o trabalho.

Eu gostaria que, nesse livro, mais tempo fosse dedicado a esses movimentos e o potencial que possuem para realizar um Green New Deal. Mas não tenho dúvidas de que Klein irá escrever sobre eles — e organizá-los — a cada novo passo dado.


Resenha de On Fire: The (Burning) Case for a Green New Deal, de Naomi Klein (Simon & Schuster, 2019).

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