Press "Enter" to skip to content
A militante Beatriz Caminha (PT) ao lado do candidato Edemilson Rodrigues (PSOL), que está liderando nas urnas, fazendo campanhas pelas ruas paraenses. Foto: Reprodução

Sem medo do futuro

O Partido dos Trabalhadores (PT) governou Belém, no Pará, entre 1997 e 2004. Desde então, a esquerda belenense sofreu inúmeras derrotas para as elites locais. Nas eleições de 2018, por exemplo, Jair Bolsonaro foi eleito com mais de 50% dos votos na cidade. Em meio a um cenário de profunda desolação política, Belém vê florescer um novo momento de radicalização social, após a vitória nas urnas de uma jovem vereadora que não se furta de criticar a própria esquerda e, se lança, sem medo, em direção ao futuro.

Para entender melhor qual direção aponta esse processo de radicalização, o professor e militante Victor Marques, colaborador de Jacobin Brasil, conversou com a vereadora eleita Beatriz Caminha (PT). Aos 21 anos, com atuação militante no movimento estudantil e no movimento negro, Beatriz foi eleita como a vereadora mais bem votada de seu partido em Belém nesta eleição. Para Beatriz, outro futuro é possível.


VM

Como foi o seu processo de politização? Como se formou a “Bia militante”?

BC

Na verdade, já nasci numa família petista. Meu pai fez parte da fundação do PT, da construção da CUT, então cresci desde muito cedo no meio da militância. Mas comecei a participar mais ativamente a partir de 2013, quando o país polarizou e fui buscar entender o que estava de fato acontecendo. Aí comecei a estudar política. 

Nessa época eu tinha entre 13 e 14 anos e passei a acompanhar mais conscientemente os processos, ir a palestras e debates. A primeira manifestação que fui, digamos assim, por conta própria, foi um ato “Fora Cunha” que teve por aqui Tinha ido, claro, a muitas outras manifestações, por conta da minha família, mas para a gente era um rolê da família. Essa foi a primeira vez que eu quis ir por mim mesmo, compreendendo claramente o que eu estava fazendo ali. Foi depois disso que comecei a me organizar para participar de mobilizações e construções coletivas. 

Então, quando fiz 18 anos, me filiei ao PT – exatamente no meu aniversário. Na época, a juventude do PT estava muito desorganizada em Belém, e já não haviam mais tantos movimentos sociais conectados diretamente ao partido. Minha filiação ao PT veio logo depois que entrei na universidade. Entrei com 17 anos, pouco depois já estava fazendo parte do Centro Acadêmico. Ajudei a organizar, com o coletivo do qual faço parte, a juventude do PT em Belém, especialmente no movimento estudantil. O resultado foi que  ganhamos o DCE da universidade. 

No meio disso também comecei a estudar sobre feminismo negro, outro pilar para minha formação política, para o entendimento que tenho hoje de política. Então acho que a “Bia militante” se forma muito a partir do momento histórico que a gente estava vivendo, que me puxou para realidade, assim como a partir da leitura também. Sempre gostei de estudar e ler, desde muito nova, então eu fui lendo, lendo, lendo, lendo… Foi o estudo somado à conjuntura política do nosso tempo que me levou à política, à organização – e, por fim, à eleição de vereadora. Não cheguei sozinha. Cheguei ao lado de muita gente e de vários processos de formação política que se organizam pela cidade. Foram essas organizações, esses movimentos, que conseguiram eleger uma jovem vereadora negra para a câmara de Belém.

VM

Qual é o significado de 2013 para esse novo período político que a gente está vivendo?

BC

Acredito que 2013 foi quando a gente começou a se incomodar. Quer dizer, eu, pelo menos, comecei a me incomodar. Na nossa avaliação, é o início do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a primeira presidenta da história do Brasil, para quem eu tinha feito campanha. É também o momento em que as pessoas começam a ir para as ruas em massa, aquele movimento todo de manifestações tomando o país. Eu também sentia vontade de ir, embora não entendesse direito o que estava acontecendo – foi aí que meus pais, muito petistas, falaram para mim: “senta aqui”, e começaram a me dar coisas para ler, para tentar entender, chegar a uma avaliação mais complexa do processo. 

Então, sim, foi um marco. Um marco na história do país, da nossa cidade, um marco que disparou grandes movimentações políticas, que acabou levando ao golpe, mas que despertou grandes transformações na minha vida também. Porque foi um momento que eu comecei a entender a política e a ver que existia uma outra política, maior – uma política além da institucionalidade. A política da institucionalidade era toda a política que eu estava acostumada a ver dentro do PT até então. Desde a minha infância, nos anos 2000, até esse período, a política que eu via do PT sempre tinha sido mais a política da institucionalidade, mas quando 2013 estourou, a política tomou repentinamente uma outra forma, que é a política da rua, da luta de massas. 

A gente precisava estar organizado naquele momento – e acredito que não estávamos – para enfrentar essa outra realidade. Mas a partir daí começamos também a nos organizar mais, na política de rua, no enfrentamento, e acho que avançamos muito desde então. Um avanço que também foi fruto desse novo momento no qual entrou o país. 

VM

E o resultado também é que você foi eleita a vereadora mais jovem de Belém. Como foi esse processo de construção da candidatura e da campanha eleitoral.

BC

Fizemos uma campanha com muita alegria, construída por gente muito jovem, a maioria ligados ao movimento estudantil da Universidade Federal do Pará (UFPA). Até umas semanas atrás, eu era coordenadora geral do DCE da UFPA, e a gente vinha de um processo de organização do movimento estudantil, do movimento de rua, da cultura do hip-hop, das bibliotecas comunitárias e um pouco de movimento comunitário de bairro também. Acredito que todo mundo que participou da coordenação da campanha deve ter até 25 anos (com exceção do meu pai, que ajudou também). Tivemos alguma resistência dentro do próprio partido, e acabamos fazendo uma campanha quase sem dinheiro – das candidaturas do PT, uma das que menos gastou dinheiro na eleição – e foi a mais bem votada. 

Não sei se faltou sensibilidade do partido para perceber o significado da nossa candidatura, ou se não queriam mesmo incentivar. A campanha foi muito bem nas redes sociais, mas também com uma presença de rua, e alguma base territorial que a gente já vinha organizando. Tem gente que me diz: “foi a maior surpresa sua eleição!”, mas a verdade é que a gente está fazendo movimento há algum tempo, conversando com as pessoas, construindo coletivamente, presentes nas lutas. O sucesso eleitoral foi o resultado de tudo isso.

VM

E uma coisa inusitada em Belém é que foi construída desde o primeiro turno uma chapa de aliança entre PSOL e PT para disputar a prefeitura. Como foi a formação dessa chapa e como você avalia a importância histórica dessa aliança que se mostrou até agora vitoriosa?

BC

Foi uma aliança muito importante, a gente defendeu a aliança desde antes dela existir. Desde a prévia, do processo interno no PT. Tínhamos a convicção que era o melhor para Belém e o melhor para o PT. O partido vinha de um processo muito difícil na capital: já chegou a ter sete vereadores e agora tem apenas um – ano que vem vai ter dois, no caso, eu mais o companheiro que se reelegeu. Então, não era o momento de querer disputar a cabeça da chapa, mas de fortalecer a base do PT e a presença na Câmara dos Vereadores. A aliança com o PSOL, portanto, foi e é muito importante.

Temos as nossas diferenças com o PSOL, e a gente da juventude, em especial, sente muito, porque estamos presentes nos mesmos espaços de debate e discussão. Há setores do PSOL que, infelizmente, ainda apostam no antipetismo, alimentam o ódio ao PT. Mas nesse momento a responsabilidade política falou mais alto: sempre soubemos que era uma aliança necessária e, portanto, defendemos desde o princípio a aliança. É o que exige o momento histórico que o Brasil está passando, que nos pede maturidade para superar essas diferenças, aprender a conviver com elas, para sermos capazes de vislumbrar um cenário onde a esquerda se mostre capaz de vencer o bolsonarismo. 

No final das contas, foi isso que acabou acontecendo em Belém: um embate direto da esquerda contra o bolsonarismo. Estávamos esperando que outro candidato fosse para o segundo turno com o Edmilson Rodrigues (PSOL), que inclusive era o que aparecia nas pesquisas: os candidatos representantes das elites tradicionais da cidade melhor posicionados. E acabou indo para o segundo turno um candidato que ninguém sabia quem era, do partido Patriotas, um delegado e representante fiel do bolsonarismo duro. Isso só provou o quão importante é a esquerda construir essa aliança, estar toda junta. 

Soubemos lidar com as nossas diferenças, colocá-las de lado por um tempo, para trabalhar com a militância e conseguir construir essa unidade. Quee agora cresceu bastante e conseguiu aglutinar todo campo da esquerda em Belém e, que se tudo der certo, vai conseguir vencer o bolsonarismo no dia 29 e voltar a governar a cidade. A esquerda não governa Belém há 16 anos. A última vez que foi com o PT, e com o próprio Edmilson, que era do PT na época. 

Agora estamos na disputa de novo, pra valer, com muita chance de vencer. Chegamos no segundo turno em primeiro lugar e estamos consolidando essa vantagem. Mas é preciso ficar atento para o fato de que Belém é uma cidade em que o bolsonarismo é muito forte: foi uma das poucas cidades do Pará que elegeu o Bolsonaro e até hoje ele tem mais de 50% de aprovação aqui. Então não tem como ser uma campanha fácil, o que comprova a necessidade da aliança. Uma frente ampla de esquerda está se formando. Inclusive os partidos de centro – que consideraro de direita, na verdade – têm se aproximado pela força de atração dessa frente. Pra nós isso simboliza algo que ainda não tínhamos visto: o PSOL se aliando com vários partidos, incluindo o PT, que já era vice, e os outros que chegaram agora. Estamos conseguindo firmar uma coalizão ampla, liderada pela esquerda, em torno de um projeto democrático para derrotar o bolsonarismo e retomar Belém. 

VM

O que podemos esperar de uma prefeitura do Edmilson? 

BC

Quando Belém foi administrada pelo PT, com a eleição de Edmilson em 1996, tivemos no município uma das primeiras experiências no Brasil com orçamento participativo, como houve também em Porto Alegre e em tantos outros lugares. Durante 8 anos tivemos gestão participativa e políticas públicas inovadoras e populares. Nossa cidade é muito marcada pelo poder da elite, que governa para ela mesma em uma cidade pobre e extremamente desigual, onde a maior parte da cidade é composta de periferias e a maioria dos habitantes não têm acesso ao saneamento básico – bairros inteiros sem uma única rua asfaltada. Uma cidade marcada pela desigualdade social e pela omissão do poder público, que vira as costas para a desigualdade e para a injustiça. 

Com certeza, a próxima gestão do Edmilson vem para combater esse cenário de descaso e para construir uma nova agenda social de forma participativa, com o povo, que para a gente é central. A política que a gente acredita é a do planejamento participativo, inversão de prioridades, desenvolvimento com inclusão, políticas públicas dedicadas aos que mais precisam. Isso é o que tem sido proposto na campanha, e que foi construído no plano de governo que ajudamos a desenhar. Esperamos também, claro, que a prefeitura seja um bastião da resistência nacional ao bolsonarismo, talvez até um modelo de um projeto de futuro alternativo, para que daqui a dois anos a gente consiga retomar e redemocratizar o país.

VM

Como você vê o seu papel militante como vereadora, com um mandato ligado ao movimento popular? 

BC

É a primeira vez que Belém tem uma jovem de esquerda eleita. Aqui, as elites sempre dão de presente para os filhos uma eleição de vereador. Então sempre tem vários homens brancos, ricos, representantes das elites, que entram na Câmara dos Vereadores muito jovens – entram, e por lá ficam, não se tem mais notícia deles. Agora é a primeira vez que se vê alguém tão ligada ao movimento estudantil: digo que sou um pouco diferente porque eu não tenho uma “história” no Movimento Estudantil. Não é que eu tenha um passado de movimento: eu estou no presente. 

Fui eleita estando no movimento social, militando no movimento estudantil, construindo a luta diariamente. Acho que o nosso mandato representará isso: vai ser com certeza uma voz, uma voz que nunca se ouviu na cidade. Espero que possamos exercer esse espaço na Câmara para construir pontes com o governo do Edmilson, mas estamos também preparadas para ser resistência ao Delegado Eguchi, na oposição. Minha eleição foi resultado da força social, do movimento social. Então, quando a gente ocupa um espaço dessa forma, construindo uma base popular, avançando com as lutas, temos tudo para ser uma força vitoriosa.  

VM

Como você avalia o resultado dessas eleições, tanto em Belém como no Brasil de maneira geral? Estamos em um contexto de enfrentamento ao bolsonarismo, mas também no processo de reorganização do campo da esquerda a partir deste novo período de luta de massas, de movimentos de rua, de um enfrentamento mais polarizado, como você chamou atenção. O que aponta a uma possível reorganização do campo político da esquerda?

BC

Aqui no Pará a esquerda está presente no segundo turno em duas cidades: Belém e Santarém. Em Santarém temos a Maria do Carmo, candidata pelo PT, que está disputando o segundo turno em uma das maiores cidades do Estado, contra o MDB, que é base do governo Bolsonaro. E aqui em Belém, estamos disputando diretamente contra o bolsonarismo, com o PSOL, em aliança com o PT. 

Sou vice-presidente estadual do partido, então acompanhei bem de perto as eleições, e antes da minha candidatura, no início do ano, estava viajando para missões partidárias no interior do estado. É verdade que tivemos importantes vitórias simbólicas, como é o caso da minha própria eleição. Todo mundo aponta que foi uma vitória simbólica para o PT no Pará, porque, enfim, representou renovação e esperanças de que o partido continue vivo. Mas tivemos muitas derrotas no interior que foram definidas por vários fatores, claro, mas também pelo partido não ter ainda dado a devida atenção às questões de gênero e de raça nos debates de escolha de seus quadros políticos para a disputa eleitoral. 

O partido acabou apostando muitas vezes em candidaturas de homens que têm um histórico, digamos, problemático. Talvez sob a impressão de que a sociedade não se importa com isso. Mas a sociedade, e o nosso eleitorado, não aceita mais ter pessoas relacionadas a machismo e racismo nos espaços de poder. Acredito que faltou uma compreensão da centralidade que essa reflexão tem hoje na nossa sociedade e nos nossos movimentos sociais. Quero também citar o caso da Leila Arruda, que foi uma candidata nossa, petista, à prefeitura de Curralinho, uma cidade do Marajó. Leila teve uma boa votação, mais de 15%, e ficou em terceiro lugar, não muito distante dos outros. Na semana passada, poucos dias depois das eleições, Leila foi assassinada pelo ex-marido a facadas e pauladas na porta de casa. Aos 49 anos, vítima de feminicídio. Ela já vinha denunciando as ameaças de violência. Para mim, trata-se de um sintoma do que foram essas eleições, marcadas pela violência. Uma mulher negra assassinada logo após ser candidata à prefeita. Isso inclusive foi uma das motivações do assassinato. Uma mulher negra do PT. Uma companheira nossa. 

Do que vi pelo Brasil, me chama a atenção o sucesso de candidaturas jovens. Candidaturas muito marcadas por esse debate, compreendendo gênero, raça e classe de maneira integrada, e conseguindo articular isso com os movimentos sociais –não necessariamente movimentos identitários, mas inseridos nas lutas sociais. O PT conseguiu eleger muitos jovens pelo país – só no meu grupo político, por exemplo: elegemos a Duda Hidalgo, uma mulher negra de 21 anos como eu, em Ribeirão Preto, o Hadesh, de 24 anos, em Maricá, e o João Vitor Justino, de 19 anos, no município Edison Lobão, interior do Maranhão. Foram eleições em que as candidaturas jovens conseguiram ser as mais votadas do partido, quando ninguém esperava por isso – a direção do partido certamente não estava esperando. 

No meu caso, fui eleita pela primeira vez como a mais votada do partido. Para mim significa que existe  uma radicalização do lado daqui também. Se existe uma radicalização da extrema direita, no ódio e na forma como a política bolsonarista se constrói, existe uma radicalização em como a sociedade entende e quer escolher seus representantes: quer votar em uma pessoa negra, LGBTQI+, e quer que essa pessoa seja de partido de esquerda. É uma opção que a sociedade fez, inclusive antes do próprio partido, no Brasil inteiro. 

Não é à toa que as candidaturas mais fortes do PT foram de mulheres, e em muitos casos de mulheres negras. Vejo que isso tem muita força, e precisa ser analisado e estudado com carinho. O PT precisa compreender isso. Não só o PT, falo do PT porque é o meu partido e é o maior partido da esquerda, portanto tem mais responsabilidade. A sociedade já mudou. A sociedade viu a Marielle Franco morrer, agora perdemos a Leila aqui no Estado, a sociedade viu uma série de acontecimentos, e tem se colocado em movimento. São sintomas dessa sociedade que se radicaliza, e não aceita mais que a única voz, que o único corpo que esteja representado nos espaços de poder seja o corpo dos homens brancos engravatados. 

Outra coisa fundamental é entender também a participação do movimento negro nessas eleições. Aqui em Belém, foi a primeira vez que a gente conseguiu eleger três mulheres negras vereadoras de Belém, enquanto anteriormente, ao todo, só haviam passado duas pela Câmara, em lesgislaturas diferentes. Dessa vez a gente conseguiu eleger três de uma vez só, e foram as três mais votadas dos partidos. Conseguimos eleger a primeira mulher negra de Curitiba pelo PT, a Carol Dartora, conseguimos eleger a Moara Saboia, em Contagem. A maioria dos jovens que conseguimos eleger pelo PT foram jovens negros, o que reflete também o papel do movimento negro e o papel da intelectualidade negra nessa conjuntura histórica, que conseguiu massificar o pensamento do movimento negro e do feminismo negro no Brasil. Isso foi fundamental nessas eleições: é um movimento que cresce e que conquista cada vez mais representatividade, mais espaços de poder, e tem uma capacidade gigantesca de se multiplicar.

VM

A extrema direita está no poder nacional e nós precisamos ter um projeto próprio, para o nosso tempo. O que você acha que é um projeto de esquerda hoje, que seja capaz de fazer o enfrentamento com o bolsonarismo, mas que seja também atraente para as massas populares? 

BC

É fundamental que a gente seja capaz de apresentar um programa político claro para o Brasil. Minha avaliação é que um dos grandes problemas que tivemos nas eleições em 2018 foi que focamos demais o debate nos termos da memória, da defesa do legado, olhando mais para trás do que para frente. É óbvio que o PT tem um legado importante a defender, mas acho que nos prendemos demais em uma postura reativa contra o Bolsonaro e deixamos de apontar uma direção. Precisávamos ter comunicado melhor nosso projeto positivo, o que somos a favor, o futuro que propomos. 

Vivemos em uma sociedade cada vez mais empobrecida, com cada vez mais gente desempregada, mais gente passando fome. Eu que sou jovem, por exemplo, não conheço nenhuma pessoa da minha idade que trabalhe com carteira assinada. É uma sociedade cada vez mais precarizada, e onde é cada vez mais difícil viver. É urgente que a esquerda seja capaz de apresentar um programa que mostre que a política pode ser uma política concreta, que incida na vida das pessoas e tenha capacidade prática de melhorar a vida cotidiana das pessoas comuns. Afinal, é isso que é o mais central no nosso fazer político: mudar a vida das pessoas, transformar a realidade para que a gente consiga viver melhor. Então temos que pensar em como comunicar melhor isso. Para não ficar parecendo só uma guerra entre dois grupos pelo poder, mas que encarnamos um projeto político transformador de fato. Temos que retomar alguns dos grandes temas da esquerda, mas sobretudo falar do futuro. 

Vejo que o PT, por exemplo, conseguiu transformar isso em um programa muito interessante, muito robusto, de transição ecológica. Nosso grupo estudou bastante esse programa, e foi importante para nossa campanha. Mas não acho que o PT conseguiu nacionalmente comunicar o próprio programa que elaborou como uma imagem atraente do futuro.

A transição ecológica, nesse sentido, envolve não só a questão ambiental em sentido estrito. É uma questão interseccional, que atravessa todos os âmbitos da vida no município, seja no meio urbano ou rural. Envolve pensar, por exemplo, como as políticas mais sustentáveis e ecologicamente adequadas passam pela democracia participativa, por projetos de geração de emprego e renda, por moradia popular, pela universalização do saneamento básico, por regularização fundiária – por muita coisa! Tudo isso precisa ser pensado a partir do meio ambiente, a partir da cidade e do espaço. 

Foi fundamental a formulação deste programa, mas era ainda mais fundamental conseguir comunicá-lo às pessoas, dialogar com a massa da sociedade. Essas eleições deveriam ter sido centradas em um programa de futuro para a cidade, em um programa de futuro para o Brasil. Foi o que a gente mais focou na nossa campanha: falar que era possível transformar a cidade, que podíamos vencer!! Mais do que simplesmente combater o bolsonarismo, precisamos responder ao apelo na sociedade por mudanças. Dessa maneira, conseguimos atrair muita gente que não era petista, que até tinha problemas com o PT, mas que vinha pela visão de um projeto de futuro, éramos uma das poucas candidaturas que estavam ali falando de futuro, de combate à pobreza, que uma outra cidade era possível. 

A esquerda já teve um programa muito claro de futuro: as pessoas iam para a rua lutar pelo seu futuro, levavam as crianças, vestiam a camisa, se engajavam. É isso que precisamos recuperar. Aqui em Belém, estamos conseguindo gerar esse espírito no segundo turno, das pessoas virarem militantes, irem para a rua fazer a campanha. As pessoas passam a se engajar quando sentem que está fazendo parte de um projeto de futuro, da construção coletiva de uma sociedade mais solidária e mais ambientalmente justa. Para mim o mais central é que possamos redespertar esse entusiasmo por um projeto de futuro, assim como é crucial que nesse projeto de futuro a gente articule as questões de gênero, raça e classe, e que possamos compreender quem é a classe trabalhadora real que existe no Brasil hoje. 

Precisamos voltar a sonhar com uma outra sociedade. Um projeto coletivo de futuro passar por lembrar o quanto a gente já conseguiu mudar nesse país, mas o principal é retomar nossa confiança na capacidade de mudar as coisas, de voltar a vencer, e voltar a estar presente na vida cotidiana das pessoas trabalhadoras – do movimento social à presidência da República.

Cierre

Arquivado como

Published in América do Sul, Eleições, Entrevista and Política

Be First to Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

DIGITE SEU E-MAIL PARA RECEBER NOSSA NEWSLETTER

Cierre