Esse final de semana tivemos bons dias. Como tantos outros, ouvi a notícia da perda de Donald Trump não de especialistas da TV, mas de aplausos espontâneos nas ruas. Quando peguei uma panela para bater lá fora, os carros nas ruas do meu bairro de Nova York buzinavam loucamente e dezenas já haviam saído para comemorar. Muitas horas (e muitos drinks) depois, milhões de nós em todo o país ainda estávamos dançando e comemorando pelas ruas.
A alegria política coletiva é algo raro nos EUA, e tem sido particularmente escassa este ano – ou, para ser mais específico, desde o final de fevereiro. A efervescência gerada pela vitória de Bernie Sanders nas primárias em Nevada parece uma vida passada, lavada pela consolidação do establishment democrata na Superterça e a subsequente pandemia. Portanto, embora Joe Biden seja um neoliberal apoiado por um bilionário, merecíamos cada gota de alegria que podíamos ter.
Claro que nada disso diminui as graves deficiências de Biden e do Partido Democrata, conforme ressaltado novamente pela ausência de uma onda azul no Congresso e vazamentos recentes sobre as possíveis nomeações para o gabinete de Biden. Também não devemos perder o ritmo ao apontar que Trump é o produto de quatro décadas de neoliberalismo bipartidário e que apenas uma agenda ousada de mudança transformadora pode impedir os republicanos de retomar o poder em 2022 no parlamento e 2024 na presidência.
Mas o principal motivo pelo qual milhões foram às ruas não foi para comemorar a vitória de Biden, mas para comemorar a derrota de Trump. Para qualquer um que participou da folia, era difícil não notar que a figura do próprio Biden não estava muito presente.
Aqui estão alguns destaques em vídeo de todo o país.
O centro de Los Angeles testemunhou essa festa dançante e cantou “Since You’ve Been Gone”:
Em todo os Estados Unidos, o simples mas direto “Fuck Trump” era um dos favoritos do público, como visto na CNN:
Variações sobre o tema da demissão de Trump também eram comuns:
E em frente à Casa Branca, milhares de pessoas trollavam Trump dançando juntos “YMCA” do Village People:
Há uma enorme diferença entre as celebrações deste final de semana e as realizadas após vitória de Obama em 2008. Doze anos atrás, espalharam-se as ilusões de que um progressista comprometido tinha sido eleito. Hoje, muitas pessoas entendem que a única maneira de conseguir uma mudança emancipatória é se organizar a partir de baixo e nos corredores do poder para forçar o novo governo e o Congresso a ceder às nossas demandas. Não haverá lua de mel para Joe Biden.
A verdade é que Trump foi derrotado apesar de Biden e do establishment democrata, não por causa deles. Portanto, é particularmente justificado para nós reivindicarmos esta vitória. Com esse espírito, meu destaque de ontem foi participar de uma interpretação de milhares de pessoas, liderada por bandas de metais e estourando garrafas de champanhe de “We Are the Champions” do Queen:
Nossa tarefa agora é canalizar esse sentimento de vitória e esperança para uma política de massa à classe trabalhadora. Biden continuará fazendo todo o que for possível para diminuir as expectativas populares. E a esquerda deveria estar fazendo exatamente o oposto.
Por que devemos aceitar em silêncio a promessa de Biden de que “nada mudará fundamentalmente” para os ricos e poderosos nos próximos anos? Como vimos no movimento trabalhista da década de 1930, no Movimento dos Direitos Civis da década de 1960 e (de uma forma mais limitada) as concessões aos movimentos sociais feitas durante o segundo mandato de Obama, o protesto em massa e a organização independente podem ganhar mudanças em nível nacional contra os democratas.
Fazer isso desta vez será mais fácil se os democratas ganharem o Senado, uma vez que não apenas removeria o poder de veto dos republicanos, mas também privaria os democratas do establishment de sua desculpa favorita para a inércia. Mas, como as greves educacionais de 2018 em West Virginia, Oklahoma e Arizona demonstraram, uma ação turbulenta da classe trabalhadora pode forçar até mesmo os políticos mais reacionários a recuar.
Nos próximos anos, teremos que reagir contra os esforços do establishment democrata e as inclinações de muitos liberais de elite para simplesmente retornar ao status quo pré-Trump. Independentemente de quem controla a Casa Branca e o Congresso, os EUA continuam sendo um país profundamente desigual, antidemocrático e bilionário em um mundo que corre para um desastre climático.
Apesar do que Biden deseja que acreditemos, um retorno à “normalidade” não é desejável nem possível. Como Nina Turner observou esta manhã no Washington Post, “um retorno à ‘normalidade’ é simplesmente um caminho tortuoso de volta ao trumpismo”.
Se Biden, Nancy Pelosi e Chuck Schumer conseguirem o que querem, a política norte-americana permanecerá em seu impasse atual, onde o centrismo democrático leva à decepção popular, ao crescimento de uma direita racista e reacionária e ao rápido retorno dos republicanos ao poder.
Escapar deste ciclo vicioso não será fácil, mas é possível. Requer a aprovação de reformas que façam uma diferença material na vida de milhões. Requer a democratização das instituições políticas anti-majoritárias dos EUA. Requer uma organização profunda em nossos locais de trabalho e bairros para revitalizar o movimento trabalhista e eleger centenas de socialistas democráticos em todos os níveis. E, em última análise, requer a construção de um partido pela e para a classe trabalhadora.
Não faz sentido adoçar a política de Biden ou presumir que a vitória de ontem se traduzirá automaticamente em uma mudança significativa, mesmo se os democratas conseguirem retomar o Senado. Mas a derrubada de Trump vale a pena comemorar.
Uma organização eficaz se baseia na esperança, não no desespero – e em tempos como estes, precisamos de todas as vitórias que pudermos obter. Devemos fazer o que for possível para nos apoiar e aproveitar a erupção de alegria coletiva vista nesse final de semana. Porque para ganhar o mundo que os trabalhadores merecem, precisamos ficar nas ruas.
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