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Queimadas: focos fizeram os dois estados que abrigam o bioma, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, decretarem emergência (Gustavo Basso/Getty Images).

Só um leninismo ecológico pode vencer a crise climática

No último dia de 2019 – ano marcado por recordes de altas temperaturas, incêndios florestais e tempestades tropicais – a China informou à Organização Mundial da Saúde (OMS) que havia aparecido um novo vírus na cidade de Wuhan. Ignorado, inicialmente, por muitos no Ocidente, que acreditavam ser apenas um evento triste em uma terra distante, a COVID-19 se tornou rapidamente uma pandemia, matando centenas de milhares de pessoas, intensificando as desigualdades de raça e classe, e alavancando a maior recessão mundial desde a Grande Depressão.

Num curto espaço de tempo, a vida de bilhões de trabalhadores ficou completamente desestabilizada e todas as ideias sobre os limites da intervenção estatal foram questionadas. Fábricas, escolas e fronteiras foram fechadas e populações inteiras ficaram confinadas em suas casas sob a ameaça de multas e até prisão. De forma inédita, governantes tecnocráticos convencionais tiveram que se transformar em comandantes de guerra para lutar contra um invasor invisível.

O discurso hegemônico considera a pandemia um problema exógeno, cuja origem está em processos naturais, desassociados da influência humana, ou nas falhas de um Estado ou cultura específicas – por exemplo, a China. Além de teorias da conspiração, surge a vontade de punir um culpado ainda desconhecido, e a esquerda radical internacional – que não exerce poder real na maioria dos lugares – ficou limitada a defender bloqueios draconianos e sonhar com um futuro melhor.

Enquanto isso, a crise climática vem sendo ignorada. As mídias sociais foram inundadas por fotos de céu azul em cidades, antes tomadas pela poluição, golfinhos saltando nas praias e animais selvagens perambulando pelas cidades desertas à procura de comida. Muitos dos que se preocupam com o meio ambiente ficaram esperançosos com a possibilidade de uma certa recuperação da natureza após a crise – mas também se mantiveram em silêncio frente aos problemas estruturais que impossibilitam isso de acontecer.

Em uma tentativa de dar sentido à realidade pandêmica, explicar suas origens e consequências para a luta climática, Dominic Mealy, da revista Jacobin, conversou com um dos maiores especialistas em ecologia humana do mundo, Andreas Malm. Autor de várias obras e ensaios sobre a ação da economia política nas mudanças climáticas, antifascismo e lutas no Oriente Médio, Malm ficou mais conhecido pelos livros The Progress of This Storm (“O Progresso dessa Tempestade”) e o premiado Fossil Capital. Também é o autor de Corona, Climate, Chronic Emergency: War Communism in the Twenty-First Century (“Corona, Clima e Emergência Crônica: Comunismo de Guerra no Século XXI”), que trata sobre a COVID-19 e acaba de ser publicado pela Verso Books (ainda sem tradução para o português).


DM

Você pode começar explicando a relação entre a pandemia da COVID-19 e a mudança climática global?

AM

Logo no início, os analistas já começaram a traçar paralelos entre a COVID-19 e a crise climática. Mas eu considero essas comparações falhas, visto que a pandemia é um acontecimento específico e o aquecimento global, um processo secular. No entanto, não podemos compreender a essência da COVID-19 se não olharmos para a pandemia pelo que ela de fato é, ou seja, uma consequência extrema – há tempos esperada – de outra tendência secular: o aumento da taxa de doenças infecciosas, transmitidas às populações humanas por animais selvagens. Isso vem aumentando nas últimas décadas e a previsão é de que aumente mais no futuro.

A literatura científica já mostrou que o principal agente responsável pelas pandemias é o desmatamento – que também é o segundo maior gerador de mudanças climáticas globais. A grande biodiversidade do planeta está nas florestas tropicais, e essa biodiversidade inclui agentes patogênicos, que circulam entre animais não humanos e não causam problemas desde que permaneçam em seus habitats selvagens. O problema surge à medida que a economia humana faz incursões cada vez mais profundas nesses habitats. O desmatamento de florestas para extração de madeira, agricultura, mineração e construção de estradas gera novas interfaces, colocando os seres humanos mais perto da vida selvagem. É a partir desse contato que os agentes patogênicos, por meio de um processo chamado de transmissão zoonótica, sofrem mutações e se infiltram nas populações humanas. 

O próprio aquecimento global acelera esse processo. Com o aumento das temperaturas, certos animais são forçados a migrar em busca de climas aos quais estão adaptados. Isso provoca um caos generalizado e populações de animais – incluindo morcegos – são colocadas cada vez mais em contato com as humanas, aumentando a taxa de transmissão. Embora existam mais de 1.200 espécies de morcegos, todos compartilham uma característica, inexistente nos demais mamíferos, que é a capacidade de realizar voos sustentados. Esta característica não só confere alta mobilidade e os torna suscetíveis à migração, induzida por mudanças climáticas, como exige enormes quantidades de energia, que elevam as taxas metabólicas a um ponto em que as temperaturas corporais chegam a 40 °C, sinal de febre para a maioria dos mamíferos.

Por conta disso, os morcegos são o principal portador de agentes patogênicos como os coronavírus. Os vírus que se instalam nesses animais precisam se adaptar às altas temperaturas e, embora não alterem o sistema imunológico dos morcegos, podem prejudicar o de outros animais. Com o desmatamento, os morcegos são atraídos para latitudes mais altas, e a China não é exceção. As populações de morcegos estão migrando para o norte e centro do país, regiões com maior densidade populacional, gerando novas interfaces que facilitam a transmissão zoonótica.

Estas são apenas algumas das conexões entre a COVID-19 e a crise climática. Embora sejam dois processos distintos, o aquecimento e o adoecimento global estão interligados e constituem duas dimensões de uma mesma catástrofe ecológica.

DM

No entanto, a resposta a essas duas crises não poderia ser mais diferente. Enquanto a mudança climática vem sendo desprezada ou enfrentada com medidas pouco eficazes, a COVID-19 impulsionou um nível de intervenção que não se vê desde a Segunda Guerra Mundial. Como você explica esse contraste?

AM

Houve um momento, em março de 2020, em que muitos se sentiram surpresos ao perceber que, para conter a pandemia, governos da Europa e de outras regiões do planeta estavam prontos para fechar completamente suas economias. Isso é surpreendente, visto que os mesmos Estados nunca pensaram em realizar qualquer tipo de intervenção por conta da crise climática. A principal razão está nas diferentes linhas de tempo, de quem morre primeiro em cada uma das crises.

Atualmente, a pandemia está se comportando de forma muito semelhante à crise do aquecimento global – os trabalhadores e trabalhadoras não-brancos, que moram nos centros urbanos do hemisfério sul, são os que mais estão sofrendo e têm maior chance de morrer. Os ricos, por sua vez, têm acesso a cuidados de saúde privados e conseguem se isolar com facilidade, fugindo para suas casas no campo.

No entanto, existe uma grande diferença entre as duas crises: a COVID-19, em um estágio inicial, também atingiu os ricos. Vimos pessoas, que não são vulneráveis à crise climática, como capitalistas, celebridades e líderes políticos adoecendo e até morrendo. Diferente do aquecimento global, o coronavírus pegou carona no transporte aéreo e, convenhamos, os ricos voam mais do que os pobres. Embora a pandemia tenha se espalhado por outros canais ao chegar em diferentes países, a porta de entrada para o vírus, dando origem ao paradoxo de que os ricos foram os primeiros a contrair a doença, foi a aviação. No Brasil, por exemplo, foi a parte abastada da sociedade e a comitiva presidencial que trouxe o vírus ao país, mas quem está morrendo é massa trabalhadora. Isso não acontece com os desastres causados pela mudança climática. E explica a ação imediatista dos governos. 

Em geral, quando vistos do hemisfério norte, os desastres acontecem no Haiti, na Somália ou em algum outro lugar pobre e distante onde as pessoas parecem viver sempre na miséria. Lá sim há terremotos, Ebola e HIV, e isso se tornou parte de um ruído de fundo inerente à modernidade. Como a pandemia, por sua vez, atingiu países ricos muito repentinamente, e em um estágio inicial, constituindo uma ameaça à integridade corporal das pessoas que impulsionam a produção e o consumo no centro do capitalismo, o Estado foi obrigado a intervir. Foi também, obviamente, uma questão de sobrevivência política. Isso explica, por exemplo, a forte reviravolta do governo conservador, no Reino Unido. Depois de endossar, inicialmente, uma estratégia de “imunidade de rebanho”, passaram a apoiar o bloqueio e outras medidas intervencionistas. Perceberam que, se deixassem centenas de milhares de pessoas morrerem, pagariam o preço nas urnas.

DM

Parece mesmo que a esquerda não esperava tamanha intervenção estatal. Políticas que, alguns meses atrás, seriam ridicularizadas e vistas pela maioria como inviáveis, agora são tidas como necessárias. Será esta a sentença de morte do capitalismo neoliberal? Seria esta, na verdade, uma oportunidade para a esquerda se mobilizar e buscar apoio a seus próprios movimentos?

AM

Eu acho que, de modo geral, os governos estão implementando essas políticas na esperança de que a crise vai acabar em breve e vamos todos voltar à vida normal. Até agora, não vejo nenhuma das iniciativas de combate à COVID-19 visar nada além da sobrevivência do sistema. No entanto, pode ser uma oportunidade, visto que muitas das atividades prejudiciais ao meio ambiente foram temporariamente suspensas, a aviação praticamente parou, houve diminuição das emissões de carbono e os combustíveis fósseis estão sobrando debaixo da terra. É o momento para falarmos aos governantes: “Se você pôde interferir para nos proteger do vírus, pode interferir para nos proteger da crise climática, já que suas implicações são muito mais graves.” A conjuntura atual, portanto, é também uma oportunidade para a gente se opor ao retorno à normalidade, de lutar pela transformação da economia global e implementação de um “Green New Deal”. 

Mas temos que ser honestos sobre a situação em que nos encontramos. A COVID-19 exterminou todas as conquistas do movimento pela justiça climática, até o final de 2019. Desde o início de 2020, a pandemia paralisou completamente os projetos mais promissores do movimento ambiental – “Fridays for Future”, “Extinction Rebellion”, “Ende Gelände”, entre outros – um completo desastre. Antes disso, havia um ímpeto crescente de questionamento à normalidade e, embora existam tentativas de ações online, não há como fazer o mesmo tipo de pressão por meio digital. Não se pode substituir a ação direta e a organização de massa por posts no Instagram. Na minha opinião, a digitalização da política tem prejudicado a esquerda radical e beneficiado a extrema direita – portanto, uma maior digitalização não nos trará nada de bom.

Também temos de ser realistas e entender o equilíbrio de forças. Em grande parte do mundo, a tendência tem sido a ascensão da extrema direita. Em muitos países, especialmente na União Europeia, isso foi posto temporariamente de lado e a movimentação dos eleitores é que está ditando as linhas de atuação do governo. Mas agora que as restrições de bloqueio estão sendo amenizadas, vamos entrar numa nova fase mais interessante. Seremos testemunhas de um degelo político, com muitas das forças que estavam atuando antes da COVID-19 voltando à vida, ao mesmo tempo em que a crise de saúde pública se transforma em uma crise econômica ainda mais forte. A questão é compreender quais forças irão se beneficiar com o desemprego em massa e o deslocamento social. Talvez eu esteja sendo pessimista, mas me parece que será a extrema direita. Isso porque, antes da COVID-19, ela estava mais forte. E também porque, com o fechamento das fronteiras, a pandemia reforçou certos paradigmas políticos nativistas. As pessoas passaram a valorizar ainda mais a nação e a desconfiar dos estrangeiros.

O que representa um sério problema para o movimento ambientalista, visto que as forças de extrema direita – principalmente na Europa, nos EUA e no Brasil – emergiram como um dos mais fortes defensores e porta-vozes do capital fóssil. A extrema direita nega a ciência e promove a aceleração do desmatamento e da extração de combustíveis fósseis. Portanto, se você quiser fechar as minas de carvão na Alemanha, vai precisar engendrar uma grande derrota política do partido de extrema direita, o Alternative für Deutschland; se você quiser evitar a dizimação da floresta amazônica, precisará enfrentar o governo Bolsonaro. Não pode haver mitigação da crise climática sem uma derrota massiva da extrema direita nos países capitalistas desenvolvidos e também nos que estão em desenvolvimento.

Uma boa estratégia para enfrentar a crise climática seria encontrar uma maneira de juntar justiça ambiental, luta da classe trabalhadora e toda oposição à extrema direita. A saída para a atual crise é impulsionar um movimento de transição bem rápido para longe dos combustíveis fósseis. Não dá para defender um keynesianismo verde ou investimentos em renováveis agregados à economia de combustíveis fósseis. Temos que partir para a destruição do próprio capital fóssil, incluindo o fechamento imediato das minas de carvão e o fim da aviação em massa. Isso só pode acontecer por meio de um investimento público maciço e do aumento do controle do Estado sobre a economia. Cada crise é uma nova chance para a esquerda, o problema é que somos bastante hábeis em desperdiçar essas oportunidades.

DM

Você pode dar aos nossos leitores uma ideia da extensão da intervenção Estatal necessária para uma transição verde sustentável?

AM

O nível de intervenção necessário é mais suave e também mais difícil do que o implementado no combate à pandemia. Ninguém está pedindo bloqueio e prisão domiciliar de populações inteiras, ou que a economia pare de girar de um dia para o outro. É necessária uma transformação estrutural do sistema energético, que leve uma produção sustentável a longo prazo, e não um simples hiato do status quo. Para que o aumento da temperatura global não supere 1,5 °C, as emissões terão de ser reduzidas em 8% ao ano até chegar a zero. Esse tipo de mudança é totalmente impossível de ser feita apenas mexendo nos mecanismos de mercado ou introduzindo alguns impostos sobre o carbono. Exige um aumento massivo da propriedade estatal e a planificação da economia.

DM

Como você responde ao argumento de que muitas empresas de serviços públicos já são estatais e continuam sendo as principais responsáveis pelas emissões?

AM

A propriedade pública não é a cura de todos os males, mas torna a tarefa de descarbonização significativamente mais fácil. A vantagem de ter os serviços públicos sob propriedade do Estado é que os governos podem reorganizá-los muito rapidamente. Você não precisa expropriá-los ou exigir que as empresas privadas reformulem suas práticas e deixem os combustíveis fósseis debaixo da terra.

DM

Você está entre os principais críticos da noção do Antropoceno, tendo, em vez disso, cunhado o termo Capitaloceno para descrever a época geológica atual. O surto de COVID-19 parece ter resgatado a noção de responsabilidade coletiva, talvez melhor encapsulada pelo slogan “O Corona é a cura, os humanos são a doença”. Como você responde a isso?

AM

O argumento de que a humanidade é a raiz do problema assombra todo o discurso ambientalista. Ele aparece no recente documentário de Michael Moore, Planet of the Humans, na retórica da extrema direita e no ambientalismo liberal – é pernicioso, equivocado e perigoso politicamente. Não existe nada relacionado à pandemia COVID-19 que sustente este argumento. A responsabilidade pelo desmatamento, pelo aquecimento global e pelo contrabando de animais selvagens, que constituem os principais motores da transmissão zoonótica, não é da humanidade, mas do capitalismo.

As políticas de combate à pandemia vêm atacando apenas o sintoma, ou seja, o próprio vírus, enquanto as causas mais profundas são deixadas de lado. A responsabilidade pela contenção do contágio foi terceirizada às pessoas comuns, que acabam sendo punidas quando não conseguem praticar o isolamento social. Não se pode lidar com esse tipo de situação pandêmica obrigando os cidadãos a mudarem seus hábitos. Também não se pode lidar com a mudança climática simplesmente alterando os padrões de consumo.

Tomemos como exemplo o óleo de palma, cujo cultivo é uma das principais causas do desmatamento nos trópicos, principalmente no sudeste da Ásia, onde o aumento das plantações vem trazendo sofrimento a diversas espécies morcegos e outros animais selvagens. Aqui na Suécia, é quase impossível encontrar uma barrinha de cereal que não contenha esse óleo, e não há nada que eu, como consumidor, possa fazer a respeito – a responsabilidade está com o produtor. Além disso, a maior parte do óleo de palma não é usada em produtos para consumo final, mas em processos industriais que não podem ser alterados com uma eventual mudança nos padrões de consumo.

DM

O poder estatal deveria também focar na restrição de formas de consumo prejudiciais ao meio ambiente ou se ater apenas aos processos de produção?

AM

Não tenho dúvidas de que o poder do Estado deveria ser usado para proibir as emissões provenientes do luxo dos super ricos – os jatinhos particulares deveriam ser imediatamente banidos, assim como as SUVs e outros veículos que consomem quantidades absurdas de combustível. Isso seria uma grande passo rumo à justiça climática, já que essas emissões estão entre as menos necessárias para o funcionamento da sociedade. A situação é completamente diferente quando analisamos, por exemplo, a emissão de metano nos arrozais da Índia, onde o problema está relacionado à necessidade de se alimentar grandes populações. Uma transição bem-sucedida para longe dos combustíveis fósseis não implicaria num planejamento completo da economia com racionamento do consumo individual – longe disso. Mas algumas formas de consumo deverão ser, sim, limitadas ou abolidas – e isso não pode ser feito com um apelo ao consumo consciente, mas por meio de regulamentação estatal.

Porém, o aumento do poder do Estado pode levar à burocratização e ao autoritarismo. Na verdade, isso já vem acontecendo com a Hungria, por exemplo, que está usando a pandemia para minar a democracia e aumentar a coerção estatal. No entanto, se a transição de emissões for impulsionada por forças populares, com movimentos sociais tomando a liderança e se sobrepondo aos órgãos do Estado, esse perigo pode ser controlado. Embora pareça utópico, é importante acabar com as instituições que pesquisam e controlam os indivíduos e direcionar o ataque para o capital, mirando as fontes causadoras do aquecimento global e da transmissão zoonótica. No meu livro, por exemplo, eu proponho transformar as agências de fronteiras em instituições de combate ao comércio de animais selvagens.

DM

Falando em utopias, você parece discordar daqueles que acreditam no “comunismo de luxo totalmente automatizado” (ideia de que as ferramentas tecnológicas vão propiciar uma sociedade próspera e abundante) e, em vez disso, apresenta a ideia de “comunismo ecológico de guerra”. O que isso significa?

AM

Na minha opinião, essas perspectivas de utopia tecnológica são infantis e descoladas da realidade material. A noção de que estamos próximos de atingir uma abundância material sem precedentes não pode ser sustentada racionalmente, dadas as severas restrições que estão cada vez mais presentes, como esgotamento do solo, diminuição dos ciclos de água doce e aumento do nível do mar. Mesmo interrompendo todas as emissões neste exato momento, enfrentaremos severas consequências climáticas por muito tempo.

Apresento no livro a ideia de “comunismo ecológico de guerra” como alternativa a uma outra ideia, que vem ressurgindo no contexto da epidemia – de que a Segunda Guerra Mundial trouxe um modelo de atuação a ser seguido pelos países no que diz respeito ao controle da crise climática. Argumento que, embora seja útil analisar as mobilizações feitas durante a Segunda Guerra Mundial, não podemos ignorar que todo o esforço empreendido na época estava pautado no consumo excessivo de combustíveis fósseis, sem nunca questionar a posição da classe capitalista.

Enfrentar a crise climática e prevenir o contágio zoonótico, entretanto, requer ações emergenciais, que vão contra os interesses de facções poderosas da classe dominante e facilitem a transformação dos sistemas econômicos. O comunismo de guerra nos fornece um material bastante útil – não precisamos copiar tudo o que os bolcheviques fizeram durante a Guerra Civil Russa, assim como a analogia às mobilizações durante a Segunda Guerra Mundial não sugere que temos que lançar outra bomba atômica em Hiroshima para combater a mudança climática. O comunismo de guerra é um exemplo de rápida transformação da produção com o Estado regendo a economia e se opondo aos interesses da classe dominante. Uma transição verde também vai exigir um grau de autoridade coercitiva direcionada às empresas de combustíveis fósseis, que vem fazendo de tudo para adiar e obstruir a mitigação das mudanças climáticas.

DM

No seu livro, você define essa estratégica com uma espécie de “leninismo ecológico”. Você pode explicar melhor?

AM

Dado que o capitalismo precisará ser desafiado para que acorra qualquer transformação significativa, o legado socialista nos oferece diversos recursos aos quais devemos recorrer. O problema da social-democracia é que ela não abarca a ideia de catástrofe – ao contrário, parte da premissa de que a história está do nosso lado e temos tempo para avançar gradualmente em direção a uma sociedade mais igualitária. Mesmo que haja veracidade histórica nessa concepção, ela não se aplica ao momento atual. Estamos enfrentando uma situação de emergência, com crises irrompendo em ritmo acelerado e isso requer uma tática completamente diferente da implementada, por exemplo, pela social-democracia sueca, entre 1950 e 1960.

É importantíssimo, portanto, olhar para a parte do legado socialista, que soube lidar com a ideia de catástrofe. O anarquismo também não está apto à tarefa, visto que é, por definição, hostil ao Estado. É extremamente difícil imaginar algo, além do poder estatal, que seja capaz de transformar a nossa realidade, já que isso não vai acontecer sem uma autoridade coercitiva contra aqueles que desejam manter o status quo.

Quando procuramos uma tradição que defenda o uso do poder do Estado em situações de emergência, encontramos o leninismo anti-stalinista. Esta tradição não ignora os perigos e contradições do poder do Estado, que surgiram das lições aprendidas com a Revolução Bolchevique. Toda a estratégica de Lenin, após 1914, estava pautada em transformar a Primeira Guerra Mundial em um golpe fatal contra o capitalismo. É exatamente esta a orientação estratégica que devemos abraçar agora – e é isso o que quero dizer com “leninismo ecológico”. Precisamos urgentemente encontrar uma maneira de transformar a crise ambiental em uma crise do próprio capital fóssil.

Cierre

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Published in Antifascismo, Ecologia, Entrevista, Meio Ambiente, Política and Revoluções

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