Press "Enter" to skip to content
Ilustração de Sam Taylor.

El Diego

Os fãs de futebol costumam chamar Leo Messi de o melhor jogador de sua geração, se não de todos os tempos. Para a maioria dos argentinos, no entanto, Messi só consegue ficar em segundo lugar – afinal, tudo o que ele fez já foi feito por outro craque.

Diego Maradona sempre foi mais do que um atleta: ele é um ícone cultural, um peso-pesado político e um ótimo jogador de futebol, nessa ordem. Ele se tornou El Diego, um demagogo do esporte – e, se você for assinante da Iglesia Maradoniana, ele também é um semideus de verdade.

O menino do subúrbio de Buenos Aires que chegou ao topo, Diego escalou as alturas e trouxe todo o subúrbio com ele. À medida que Maradona melhorava seus companheiros de equipe, ele restaurou a autoimagem do país após uma guerra devastadora e anos de ditadura violenta.

Diego segue a grande tradição dos populistas latino-americanos. Sua política vem de emoções viscerais e não de nuances “neutra” – são imperfeitas e mal pensadas, mas também não são exatamente. Ele cultiva uma imagem de homem comum que se mistura com seu amor por carrões, mulheres e cocaína. Suas habilidades em campo desafiavam a lógica; suas manobras políticas o fazem ainda mais.

Ele se safa porque desfruta de um nível de popularidade que nenhum político de verdade jamais poderia alcançar. Assim como todo partido na Argentina tenta reivindicar o legado de Juan Perón, todo governo tenta trazer Maradona para seu legado, sabendo que trará as massas com ele.

Quando menino, Diego idolatrava o Boca Juniors, o clube das favelas, os rivais perenes dos milionários do River Plate. Quando ele se juntou ao time, ele conquistou campeonatos, mas, mais importante, os fãs viram um deles em campo – um hooligan com as bolas no pé.

Quando ele se mudou para Napoli, suas jogadas era tão idolatradas que apareceram grafites nas paredes de um cemitério que diziam: “Você não sabe o que está perdendo”. Seus demônios pessoais nunca o deixaram, entretanto, e sua carreira na Itália terminou depois que ele testou positivo por uso de cocaína, tendo passado uma boa parte de seu tempo em festas e boates de camorra. Seu compromisso com a justiça social nunca o motivou a pagar impostos, uma violação pela qual as autoridades italianas ainda estão atrás dele.

Diego alcançou a imortalidade com a seleção argentina. No início dos anos 1980, o país perdeu a Guerra das Malvinas para o Reino Unido. Em 1986 – ainda com o frescor dos anos sangrentos da ditadura do general Jorge Rafael Videla – faltava moral aos argentinos. Quando seu time pegou a Inglaterra na Copa do Mundo daquele ano, Diego os levou sozinho à vitória – sério, olhe seus lances naquele jogo – conseguindo uma conquista histórica para o orgulho nacional em uma tarde que jamais será esquecida. No final, eles venceram o torneio.

O momento não poderia ter sido melhor. Diego não foi contaminado pela ditadura, pois, era muito jovem para apoiá-la ou resisti-la. Pertencia à mesma geração dos meninos mandados para lutar nas Malvinas. Desta vez, porém, ele venceu os britânicos, e em um estilo usando todos os ardis das quebradas. Ele se tornou a personificação viva de viveza criolla, a “astúcia crioula” que subverte as regras. Claro, ele era um playboy, mas se tivesse a mesma trajetória, não seríamos todos?

O culto político de Diego foi construído com base nessa reputação. O presidente peronista Carlos Menem compartilhou laços com Maradona e explorou alegremente a conexão. No universo futebolista, ele reconheceu um companheiro lutador contra a aristocracia argentina, um lutador como ele.

Menem, filho de um imigrante sírio, gabou-se de suas origens humildes e usou a glória refletida de Diego para se lançar como o campeão do povo. Ele nomeou Maradona “embaixador do esporte” e deu-lhe um passaporte diplomático, que Diego aceitou de bom grado porque o protegia dos processos de drogas e impostos contra ele na Europa. Em troca, ele ajudou a dar cobertura a Menem para implementar um programa infame de reestruturação neoliberal.

Sua política ficou mais consistente depois que ele se aposentou, quando começou a apoiar figuras que vestiam as armaduras da classe trabalhadora e lutavam por seus interesses. Ele dedicou sua autobiografia ao povo cubano, fez tatuagens de Fidel Castro e Che Guevara e chamou Hugo Chávez de amigo íntimo. Em 2005, ele gerou polêmica ao usar uma camiseta com os dizeres “Stop Bush” – com o nome do presidente escrito com uma suástica. Tampouco sua visão firmemente católica o impediu de criticar o Papa João Paulo II, quando se viu incapaz de conciliar a opulência do Vaticano com a pobreza que os católicos enfrentam em todo o mundo.

Até politizou seu legado esportivo, já que raramente esconde o desprezo por Pelé, o único outro candidato legítimo ao título de “maior jogador de todos os tempos”. Diego coloca Pelé como um figurão do establishment que faz propagandas de pílulas para ereção e é próximo a cúpula da FIFA. Já El Diego é o campeão popular.

Claro, a legitimidade que importa para Maradona vem das pessoas que o produziram, e seu status ali é inquestionável. Nas ruas de Nápoles e nos bairros pobres de Buenos Aires, El Diego continua sendo um dos maiores ícones.

Cierre

Arquivado como

Published in América do Sul, Esportes, Imperialismo and Perfil

Be First to Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

DIGITE SEU E-MAIL PARA RECEBER NOSSA NEWSLETTER

Cierre