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Um homem vasculha os restos de uma casa que foi danificada pela artilharia azeri, em 10 de outubro de 2020 em Stepanakert, Nagorno-Karabakh. Os residentes sentiram relativa calma na cidade após um acordo de cessar-fogo feito entre o Azerbaijão e a Armênia na noite anterior em Moscou. (Alex McBride / Getty Images)

A luta entre Armênia e Azerbaijão – um conflito com raízes profundas

Em 1994, representantes de Azerbaijão, Armênia, Rússia e República de Nagorno-Karabakh assinaram o Protocolo de Bishkek. Após seis anos de combates mortais e limpeza étnica, o documento forneceu um alívio muito necessário – e o fim imediato do derramamento de sangue. Mas isso gerou somente uma paz frágil e, longe de abordar as raízes do conflito, institucionalizou a inimizade mútua e a incerteza sobre o futuro de Nagorno-Karabakh.

Um quarto de século depois, no dia 27 de setembro, os confrontos militares entre a Armênia e o Azerbaijão eclodiram mais uma vez. Novamente, a luta entre esses vizinhos do Cáucaso Sul se concentrou em Nagorno-Karabakh – um Estado montanhoso, de facto independente, mas não reconhecido, cercado por território azeri. Povoado no passado por azeris e armênios, desde a guerra de 1988-1994 o território tornou-se cada vez mais homogêneo, com 150 mil armênios. A região é de jure parte do Azerbaijão, mas desde 1994 tem sido controlada pelas forças armadas armênias locais e totalmente dependentes da República da Armênia para questões de segurança, sobrevivência econômica e acesso ao mundo exterior.

Após duas semanas de violência, no sábado, 10 de outubro, um cessar-fogo foi arranjado às pressas. Isso aconteceu depois de dez horas de negociações entre os ministros das Relações Exteriores de Armênia e Azerbaijão, que se reuniram em Moscou com o chanceler russo Sergei Lavrov. No entanto, mesmo essa trégua é frágil – apenas uma hora após seu início, ambos os lados imediatamente se acusaram mutuamente de desrespeitá-la, enquanto relatos de bombardeios surgiam.

Embora o cessar-fogo de 1994 tenha sido quebrado em inúmeros confrontos, os combates recentes foram os mais graves em décadas. Casos anteriores, como os confrontos em 2008, a guerra de abril de 2016 e as lutas em julho deste ano, são insignificantes em comparação a estes. Desta vez, centenas de civis e militares foram mortos e milhares forçados a deixar suas casas. Os ataques anteriores eram frequentemente causados por circunstâncias obscuras ou acidentais. Mas dessa vez foi diferente, pois a ofensiva azeri levara meses para ser preparada.

O caminho da guerra

Depois que confrontos em julho resultaram na morte do major-general do Azerbaijão, Polad Hashimov, grandes manifestações pró-guerra inundaram a capital Baku. Tropeços em relação a Karabakh acabaram com a carreira de muitos membros das elites azeris na década de 1990 e isso não passou despercebido ao presidente Ilham Aliyev que graças à pressão econômica causada pela crise de COVID-19, não pode ignorar o furor nacionalista. Ele declarou publicamente que buscar uma solução pacífica com a Armênia era inútil. Em 24 de setembro, apenas três dias antes do início dos combates, o Ministério das Relações Exteriores do Azerbaijão divulgou, de forma ameaçadora, uma lista das chamadas “ações provocativas” tomadas pela Armênia desde que o primeiro-ministro reformista Nikol Pashinyan chegou ao poder no país por meio da Revolução de Veludo de 2018.

Após a primeira ofensiva do Azerbaijão em 27 de setembro, o combate escalou rapidamente. Foguetes azeris e artilharia pesada bombardearam Stepanakert, a capital da região, quase diariamente. Foram atacadas cidades dentro da República da Armênia e posições militares ao longo da “linha de contato” de duzentos quilômetros que separa Azerbaijão e Nagorno-Karabakh. As forças armênias reagiram, previsivelmente, atacando posições azeris e repelindo drones – um dos quais foi abatido assustadoramente perto de Yerevan, capital da Armênia. As forças armênias também bombardearam alvos no território do Azerbaijão, incluindo Ganja, a segunda maior cidade do país.

De fato, há uma assimetria substancial entre os dois países, com o orçamento de defesa, equipamento militar e o contingente do Azerbaijão superando em muito os da Armênia. Com uma população de quase dez milhões de habitantes, o Azerbaijão tem um orçamento de defesa de 2,73 bilhões de dólares (5,4% do PIB), enquanto a Armênia tem uma população de pouco menos de três milhões de pessoas e um orçamento de defesa por volta de 500 milhões de dólares (4,7% do PIB). É digno de nota que drones de fabricação turca e israelense têm desempenhado papel central nas operações militares do Azerbaijão: a Anistia Internacional confirma que munições de fragmentação feitas em Israel foram utilizadas em áreas residenciais de Stepanakert.

Membros dos governos de Armênia e Azerbaijão alimentaram os combates com uma guerra de informações simultânea, desencadeando uma avalanche de acusações, desinformação e dados falsos. A retórica intransigente de cada Estado aumenta o abismo de informações não verificáveis ​​que circulam amplamente no Twitter e no Facebook. Apesar de grandes esforços de jornalistas e analistas com boas intenções, essa situação filtra boa parte do conflito para o mundo exterior. Mesmo quando informações mais ou menos precisas estão disponíveis, a imagem geral permanece nebulosa. Por exemplo: a Armênia publica atualizações consistentes sobre suas baixas militares, mas não as civis; enquanto o Azerbaijão faz o inverso.

No entanto, esses detalhes por si só não explicam por que dois países pós-soviéticos, vizinhos, com histórias profundas e entrelaçadas ainda estão em conflito. Fundamentalmente, narrativas oficiais irreconciliáveis ​​e percepções nacionais são centrais para a persistência de tensões e a reprodução da inimizade. A história recente da região pode colocar essa dinâmica em uma perspectiva muito mais nítida.

Histórias nacionais, destinos nacionais

Para os armênios, a defesa de Nagorno-Karabakh (ou Artsakh como é tradicionalmente chamada) é uma luta existencial. Entre 1914 e 1917, 1,5 milhão de armênios morreram em um genocídio perpetrado por soldados otomanos e grupos paramilitares curdos. A combinação de deportação forçada e massacre indiscriminado removeu da Anatólia Oriental quase toda a sua população armênia. Embora as cidades de Tbilisi e Baku fossem muito mais significativas cultural, econômica e politicamente para os armênios, os nacionalistas da época viam a Anatólia Oriental como o futuro lar de um Estado armênio independente.

A perda permanente dessas terras criou um nacionalismo territorialmente desmembrado, no qual não apenas uma linguagem e tradições religiosas compartilhadas moldam a ideia nacional armênia, mas também um senso de perda e memória coletiva do genocídio. Isso alimenta, por sua vez, uma intransigência sobre Nagorno-Karabakh – muito parecido com a forma como o irredentismo israelense frequentemente invoca o medo de um segundo Holocausto.

Karabakh também é fundamental para o imaginário nacional para os azeris. Isso se deve, principalmente, aos quase 600 mil azeris que se tornaram pessoas deslocadas internamente (IDP, no acrônimo em inglês) por conta dos combates até o cessar-fogo de 1994. Enquanto alguns deslocados internos vieram de Nagorno-Karabakh, a grande maioria fugiu de sete distritos nas planícies de Karabakh, historicamente povoadas por azeris, atualmente (segundo o Azerbaijão) sob ocupação armênia. Desde o fim da última guerra, em 1994, a reivindicação desses territórios perdidos e o eventual retorno de seus residentes têm sido pilares do nacionalismo azeri.

Se isso explica como o imaginário nacionalista popular de cada país desde muito tempo o conflito, também precisamos entender os mecanismos que reproduzem-o hoje.

O termo “conflito congelado” é usado, frequentemente, para descrever disputas territoriais não resolvidas no mundo pós-soviético. O conflito entre Armênia e Azerbaijão por Nagorno-Karabakh não é exceção. Ainda assim, o expert em Cáucaso Sul Laurence Broers explica que “rivalidade duradoura” é uma descrição muito mais conveniente. Em suas palavras, essa descrição evita “as dicotomias de ‘guerra/paz’ e ‘conflito quente/frio’ e muda a análise, de centrada no evento da guerra, para o processo de permanência da rivalidade”. Porém, observando além de momentos pontuais e entendendo essa tensão como um processo em curso, vemos a história mais profunda da região – não apenas a experiência da integração à URSS, mas também o colapso.

A sovietização

De 1918 a 1920, Nagorno-Karabakh foi formalmente – embora isso seja discutível – administrada pela efêmera República Democrática do Azerbaijão. Na época, o território multiétnico incluía a parte montanhosa de maioria armênia, isto é, Nagorno-Karabakh (NK), e as planícies muçulmanas azeris, chamadas apenas de Karabakh. Entre maio de 1920 e maio de 1921, enquanto a Guerra Civil russa ainda ocorria, forças bolcheviques consolidaram o poder nessa última área.

A maior cidade da região montanhosa, Shusha (conhecida pelos armênios como Shushi), foi habitada por armênios e azeris até o massacre de 1920, quando milhares de armênios foram mortos ou deslocados por tropas azeris e moradores locais após uma fracassada revolta armênia. Trabalhando para contornar essas tensões, os bolcheviques fundaram dois Comitês Revolucionários em NK – um controlado pelos azeris, em Shusha, outro controlado pelos armênios e sediado na vila de Tahavard. Os comunistas azeris e armênios da região buscavam “objetivos nacionais, dessa vez dentro de uma estrutura ideológica comunista”.

Em 4 de julho de 1921, o Bureau do Partido Comunista do Cáucaso (Kavburo) se reuniu em Tbilisi e confirmou que, dada sua população armênia considerável, NK deveria ser designada como parte da Armênia, recém-controlada pelos bolcheviques. A lógica era que isso iria equilibrar as reivindicações nacionais rivais, depois que Nakhichevan, etnicamente mista, se unisse ao Azerbaijão. O líder bolchevique azeri Nariman Narimanov afirmou que declarar NK como parte da Armênia era a essência do internacionalismo proletário.

No entanto, essa decisão foi rapidamente revertida e NK foi integrada ao Azerbaijão. Havia um entendimento entre as lideranças bolcheviques de que a criação de distritos autônomos nacionalmente distintos dentro das Repúblicas da União Soviética criaria uma cooperação étnica positiva. Mesmo assim, os líderes bolcheviques também não estavam interessados ​​em decisões que arriscassem promover secessão étnica alhures. Por esse motivo, os historiadores apontam outro fator decisivo na decisão final de unir NK ao Azerbaijão. Os bolcheviques georgianos – Stalin entre eles – acreditavam que a designação de NK para a Armênia certamente promoveria secessão étnica de armênios e azeris que povoavam a fronteira sul da Geórgia. No último minuto, graças à estatura desses no Kavburo, os bolcheviques georgianos garantiram que a decisão sobre NK fosse revertida.

Em 1923, o Comitê Central do Partido Comunista do Azerbaijão constituiu um comitê territorial que criou a Oblast Autônoma de Nagorno-Karabakh (NKAO, no acrônimo em inglês) e NK foi formalmente incorporada ao Azerbaijão Soviético como uma “Oblast Autônoma”. Esse termo se referia a unidades administrativas que mantinham um módico controle dos assuntos locais, embora estivessem sob o controle político formal da burocracia nacional da República Socialista Soviética onde se localizavam.

Pelos sessenta anos seguintes, esse arranjo se manteve em relativa paz. Sem dúvida, com o passar do tempo, as Repúblicas Socialistas Soviéticas – especialmente no sul do Cáucaso – tornaram-se mais homogêneas etnicamente. Mas um ideal soviético de maior fraternidade plurinacional e um tipo particular de cosmopolitismo soviético no sul do Cáucaso impediram a violência explosiva. O etnonacionalismo foi cooptado em estruturas estatais soviéticas específicas, impedindo-o de operar como uma ferramenta de agregação política. Além disso, o desenvolvimento de culturas nacionais específicas como peças de um todo soviético mais amplo integrou-as formalmente em um projeto compartilhado maior. Isso não era, de forma alguma ,um arranjo perfeito, mas impediu o etnonacionalismo desenfreado. O fim desse arranjo amplo desencadeou o etnonacionalismo como base da mobilização pela independência.

A dessovietização

Durante uma plenária em janeiro de 1987, o secretário-geral Mikhail Gorbachev abordou o surgimento preocupante de “tendências negativas na esfera das tensões interétnicas” na URSS – e a importância de prevenir o surgimento de “preconceitos nacionalistas ou chauvinistas”.

Ele sugeriu que era necessária uma supervisão mais centralizada das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Apesar da perspicaz observação, isso não explicava a mobilização política paradoxal dos armênios de Karabakh. Por um lado, esse desenvolvimento foi o resultado de sua designação étnico-territorial peculiar dentro do sistema soviético. Porém, isso articulou uma resolução política esquadrinhada na lógica dos ideais soviéticos e nas promessas das reformas de Gorbachev.

Para os armênios de Karabakh, ser uma maioria concisa em uma oblast autônoma etnicamente mista – mas também uma população minoritária dentro de uma República Socialista Soviética – criou uma divergência desenvolvimental entre a administração nacional e a população local. Dada sua proximidade e conexão com a República Socialista Soviética Armênia e as várias vantagens que as populações tinham ao viver como a maioria titular dentro de sua “própria” RSS nacional, os armênios de Karabakh exigiram unificação com a RSS Armênia.

A questão foi levantada intermitentemente pós-II Guerra Mundial. Porém, em fevereiro de 1988, o Conselho Supremo da NKAO solicitou formalmente que o território fosse transferido à Armênia Soviética. A transferência foi elaborada para contemplar tanto a concepção leninista de soberania nacional da constituição soviética, quanto as promessas liberalizantes das reformas da perestroika e da glasnost de Gorbachev. Nagorno-Karabakh, unida à Armênia soviética, foi imaginado como uma verdadeira materialização dos princípios soviéticos. Grandes manifestações foram realizadas em Stepanakert e Yerevan em apoio à unificação.

O Comitê Karabakh foi criado em 1988 e assumiu a liderança de facto do nascente movimento por Karabakh. Quando o Comitê começou a formalizar e divulgar as demandas pela secessão de NK junto ao Azerbaijão Soviético, a paranóia e o desconforto permearam os azeris da região. Em 22 e 23 de fevereiro de 1988, rumores se espalharam pela cidade de Askeran de que um homem azeri havia sido assassinado em Stepanakert. Os confrontos resultaram na morte de dois azeris e quase cinquenta armênios. Notícias da violência em Askeran chegaram à cidade industrial de Sumgait, ao norte de Baku, enfurecendo seus habitantes. Em 27 de fevereiro, residentes azeris de Sumgait começaram a matar e atacar seus vizinhos armênios. Em resposta a esse pogrom, os armênios em Yerevan começaram a se manifestar em números cada vez maiores. O pogrom de Sumgait impulsionou ainda mais a reivindicação de que NK fosse integrada à Armênia Soviética. Por fim, em 10 de dezembro de 1991, um referendo aprovou a independência de Nagorno-Karabakh com esmagadora maioria.

Em janeiro de 1990, uma combinação de ressentimento nacionalista e paranóia induzida por rumores desencadeou outro pogrom. Os azeris, como nos pogroms em Sumgait dois anos antes, começaram a massacrar armênios em Baku. Em 22 de janeiro, Gorbachev enviou os militares soviéticos para restaurar a ordem, levando à morte de 120 azeris. Aquele mês seria conhecidos como Janeiro Negro.

Durante a crise de Karabakh, manifestantes em Yerevan conectaram os pogroms de Sumgait e Baku diretamente com o genocídio armênio de 1915. O livro Iconography of Armenian Identity de Harutyun Marutyan apresenta fotos de slogans e faixas de Yerevan entre 1988 e 1990, mostrando como os manifestantes armênios reivindicavam uma continuidade política entre os perpetradores turcos do genocídio de 1915 e as ações azeris naquele momento. Os manifestantes insistiam que a própria sobrevivência da Armênia dependia da vitória sobre o Azerbaijão em NK, justamente porque esta era a única maneira de evitar o extermínio dos armênios que viviam lá. NK era, no imaginário armênio, a linha de frente entre o futuro e a erradicação total.

Mas os azeris se mobilizaram no sentido oposto. As massivas manifestações em Baku lideradas pelo movimento oposicionista Frente Popular retrataram a Armênia como a maior ameaça à independência e integridade territorial do Azerbaijão, independentemente da sobrevivência ou não da URSS. As manifestações em Baku invocavam que um Azerbaijão independente só poderia ser livre derrotando o inimigo armênio que tentava tomar seu território histórico.

Embora os confrontos militares tenham começado em 1988, o conflito se tornou uma guerra em grande escala em 1992. Milícias armênias, guerrilheiros azeris e vestígios do Estado soviético em colapso lutavam pelo controle da região. Milhares de civis e soldados perderam suas vidas. Cidades e vilas sofreram limpeza étnica. A desintegração das instituições soviéticas facilitou a distribuição de armas às milícias nacionalistas, visto que o valor do armamento incentivou os que tinham acesso a armas a atender à crescente demanda por poder de fogo em áreas conflituosas. Após quase setenta anos de desenvolvimento nacional guiado por princípios de cooperação multiétnica, o conflito etno-nacionalista se alastrou como se essa experiência nunca tivesse acontecido.

Combustível no fogo

Esses confrontos foram paralisados somente em 1994, com um cessar-fogo mediado pela Rússia. Mas isso não trouxe uma resolução política – em vez disso, as posições da Armênia e do Azerbaijão se tornaram mais intransigentes e duras. Hoje, interesses de forças externas, militarismo e petróleo estão alimentando o conflito.

Nas últimas semanas de combates, a Turquia foi um fator-chave. Sua atuação atende tanto aos interesses internos do presidente Recep Tayyip Erdoğan quanto da elite política azeri. Turquia e Azerbaijão compartilham laços históricos – alegando ser “uma nação, dois Estados” – devido aos laços linguísticos e culturais semelhantes. Desde o fim da URSS, a Turquia tem prometido, consistentemente, apoio ao Azerbaijão. Erdoğan afirma que a Armênia é a “maior ameaça à paz na região”. Nessa rodada específica de combates, a retórica do Estado turco tem sido particularmente belicosa, com Erdogan rejeitando movimentos em direção a um cessar-fogo.

No entanto, os laços entre os dois países são mais do que apenas retórica. Em agosto passado, Azerbaijão e Turquia realizaram exercícios militares conjuntos. Há fortes indícios de que a Turquia deixou no Azerbaijão armamento utilizado nos exercícios. O Azerbaijão admitiu abertamente o uso de drones e aviões de combates turcos nos últimos dias, que estariam diretamente envolvidos em ataques à Armênia, apesar das negativas anteriores da Turquia. Também foi verificado que mercenários da Síria apoiados pela Turquia viajaram para lutar pelo Azerbaijão.

Porém, são cruciais para a relação Azerbaijão-Turquia o gás, o petróleo e os oleodutos. Baku fornece gás e petróleo para a Turquia, Europa e Rússia por meio de uma extensa rede de infraestrutura de dutos. De fato, o importante oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC) e o Gasoduto do Sul do Cáucaso (SCGP) têm trechos a poucos quilômetros dos combates em Nagorno-Karabakh. A BP, multinacional de gás e petróleo, com extensas operações no Azerbaijão, também expressou “preocupação” com a proximidade do oleoduto BTC da área do conflito. Além disso, o projeto do Gasoduto Transanatoliano (TANAP) de 6,5 bilhões de dólares, recentemente revelado, de propriedade da empresa estatal de gás do Azerbaijão, SOCAR – com uma capacidade potencial de transportar 31 bilhões de metros cúbicos de gás por ano – não só expandiu a já vasta capacidade do Azerbaijão de exportação de petróleo, mas forneceu mais seis bilhões de metros cúbicos diretamente para o mercado interno turco. O TANAP também se conecta diretamente ao Oleoduto Transadriático, uma importante rota de abastecimento para a Europa.

Em maio de 2020, a Turquia importou 62% menos gás da Rússia, já que o Azerbaijão se tornou o principal fornecedor de gás do país, e as exportações de gás russo para a Turquia caíram para os níveis mais baixos desde os anos 1990. As descobertas turcas de gás natural no Mar Negro funcionam como moeda de troca internacional com a Europa e a Rússia.

Isso tudo contrasta fortemente com a situação energética da Armênia – uma terra sem reservas de petróleo ou gás natural, quase totalmente dependente das importações da Rússia. Antes, a demanda de eletricidade da Armênia dependiam da Inter RAO, de propriedade russa, que supervisionou um aumento de 17% nas tarifas de eletricidade no verão de 2015. Isso gerou os protestos chamados de Electric Yerevan, contra o aumento da tarifa. No entanto, dada a relação tensa entre Armênia e Azerbaijão, além das contínuas tensões com a Turquia, manter relações estreitas com a Rússia é uma questão de sobrevivência.

A Rússia tem profundos laços culturais com o Azerbaijão e Armênia devido à história soviética em comum. A elite azeri prefere usar o russo e a língua também faz parte do dia a dia na Armênia. A Rússia vende armas para os dois lados e mantém laços econômicos profundos com ambos. A riqueza do petróleo do Azerbaijão cria evidentes oportunidades de negócios, enquanto a diáspora armênia em Moscou e em toda a Rússia é uma potência econômica por si só. Essa tentativa de apaziguar os dois lados explica o motivo pelo qual, apesar de Rússia e Armênia pertencerem à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), a Rússia adota uma abordagem bem ponderada no conflito, enquanto pressiona por um cessar-fogo. O fornecimento de gás russo à Armênia, comparado com as exportações europeias e a outros mercados é quase insignificante. A Armênia pode ser um aliado político formal, mas está longe de ser um aliado econômico relevante.

Seria um exagero ver o conflito como uma disputa por procuração entre a OTSC – liderada pela Rússia – e a OTAN. A importância das tensões locais e a falta de uma confrontação verdadeira à Rússia por parte do primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan desde que assumiu o poder – apesar de não ser um dos favoritos em Moscou – enfraquecem esta explicação. E, embora a Turquia seja um membro da OTAN, no máximo fará com que a Rússia vá com calma para não esquentar ainda mais a situação.

Israel também desempenhou um papel central, embora discreto, no conflito. Durante anos, o país manteve uma relação econômica, militar e de inteligência com o Azerbaijão. Não apenas o Azerbaijão é um dos principais fornecedores de petróleo e gás de Israel, mas também sua fronteira com o Irã tem sido útil para a inteligência israelense. Entre 2006 e 2019, o Azerbaijão usou sua infinita riqueza de petróleo para comprar mais de 825 milhões de dólares em armas israelenses, tornando-se um dos maiores clientes de armamentos do país. E na disputa atual, o apoio de Jerusalém a Baku é claro, com aviões de carga azeris viajando para bases militares em Israel nos últimos dias. Mesmo com os comentários tímidos do governo azeri, não resta dúvida quanto ao propósito dessas viagens. A Armênia reagiu chamando de volta seu embaixador em Israel, esfriando as já mornas relações .

A intensificação dos exercícios militares na região pode aumentar o potencial explosivo do conflito. Os exercícios militares russos “Kavkaz 2020” foram realizados no norte do Cáucaso russo entre 21 e 26 de setembro e terminaram um dia antes do início dos combates em NK. O Azerbaijão “observou”, enquanto a Armênia foi um participante direto e ativo. Além disso, a vizinha Geórgia – posicionando-se como neutra no conflito e oferecendo-se para sediar conversas entre Yerevan e Baku – realizou recentemente o exercício anual de Noble Partner, com destaque para as tropas norte-americanas marchando pelo país.

A Armênia e o Azerbaijão (bem como a vizinha Geórgia) também fazem parte da Parceria Oriental da União Europeia. Mas, com a viabilidade da própria UE cada vez mais em xeque – com suas tentativas de parecer ser um ator geopolítico tropeçando em suas tensões internas, aumentando o populismo de direita – é difícil acreditar que suas ambições expansionistas farão qualquer coisa para conter as políticas étnico-nacionais que sustentam este conflito.

Solução política

Mesmo que haja esforços para o cessar-fogo, não pode haver paz sem uma solução política. Há bravos armênios e azeris, dentre outros, pensando sobre o conflito, trabalhando em think tanks, em várias iniciativas de paz e universidades dentro e fora da região, pedindo legitimamente paz, diálogo e entendimento entre ambos os lados.

Mas a paz não é gratuita, tampouco neutra. Imaginar um futuro compartilhado no qual a guerra não apenas não existe, mas também é impensável exigirá mais do que intenções pacíficas e reconhecimento da humanidade do outro. Será preciso muito esforço para reconceituar uma política na qual armênios e azeris, na região e alhures, vejam seus futuros entrelaçados, interdependentes e a serviço de algo maior do que suas próprias identidades nacionais. Isso exige a ressuscitação de histórias compartilhadas, a exploração de um presente compartilhado e a articulação de um futuro compartilhado.

Já se passaram três décadas desde que a vida multiétnica soviética nesse canto heterogêneo do Sul do Cáucaso, com suas imperfeições menos dramáticas, foi enterrada nos escombros de casas e prédios. O experimento de 70 anos naquela irmandade internacional imposta pelo Estado foi finalmente respondido com uma violência nacionalista apocalíptica. Então, a animosidade étnico-nacional tornou-se o agente que une as instituições políticas e as identidades de Armênia e Azerbaijão recém-independentes. Sem a superação desse legado – e da institucionalização das supostas diferenças étnicas – as chances de uma paz duradoura são mínimas.

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