Houve muitas reações ao meu artigo sobre como seria um sistema socialista viável, então eu queria dar um seguimento. Obviamente, não devemos ir muito longe na direção que Karl Marx chamou de “escrever receitas para as cozinhas do futuro”. Tentar fornecer uma lista completa de quais setores seriam nacionalizados e quais se transformariam em cooperativas em um sistema socialista seria uma tarefa com pouca chance de sucesso.
Se tivermos a sorte o suficiente para superar o capitalismo, essas decisões resultarão de processos históricos confusos e contingentes – e não dos cidadãos das futuras sociedades socialistas consultando artigos antigos da Jacobin para ver o que devem fazer. Mas podemos fazer algumas previsões diretas. E quero explicar algumas dessas previsões, no contexto de uma pergunta que recebi sobre se um sistema socialista, de acordo com o que eu descrevi à Jacobin, lidaria melhor com a pandemia de coronavírus.
Parte da vantagem de expropriar a classe capitalista e, assim, eliminar a pressão constante dessa classe para estender os mercados a todas as esferas da vida, é que isso liberaria as pessoas das sociedades socialistas para tomar decisões coletivas sobre onde estariam dispostos a aceitar um pouco do caos de mercado, a fim de coordenar eficientemente a produção com as necessidades dos consumidores e quais setores precisariam ser totalmente retirados do mercado. Seria surpreendente se tal processo não levasse à estatização da indústria farmacêutica.
Já era óbvio, antes da crise atual, que o imperativo da Big Pharma (grande indústria farmacêutica) para o lucro a curto prazo leva a uma negligência relativa da pesquisa mais necessária para evitar catástrofes de saúde pública. O pesadelo em curso da COVID-19 é apenas o lembrete mais recente e mais dramático dessa desconexão.
As empresas farmacêuticas simplesmente não começaram a dedicar os recursos necessários para pesquisar doenças respiratórias após a SARS e a MERS. Isso é, essencialmente, resultante do caráter moral inadequado dos tomadores de decisão. Também não é óbvio que cooperativas farmacêuticas do setor privado se sairiam melhor nesse sentido, já que, em princípio, essas decisões não decorrem de antagonismos entre os interesses dos trabalhadores e dos proprietários. O problema é que essa decisão não teria muito retorno monetário a curto prazo. Uma indústria farmacêutica nacionalizada estaria muito melhor posicionada para aguentar esse impacto.
Da mesma forma, os EUA sem uma classe capitalista seriam capazes, não apenas de criar nosso próprio NHS (serviço de saúde do Reino Unido) ou SUS (serviço de saúde pública do Brasil), mas também de financiá-lo com muito mais grana do que o que já existe na Grã-Bretanha capitalista. Isso não significa que haveria necessariamente leitos e respiradores hospitalares suficientes para uma crise inesperada e sem precedentes como essa. A expansão seria, sem dúvida, ainda necessária em alguns casos. Mas não teríamos que começar assim tão longe de onde precisamos estar, se financiássemos nosso NHS da mesma maneira que atualmente o Pentágono é financiado – com o objetivo de estar preparado para todos os tipos de cenários improváveis.
Da mesma forma, a ampliação em si seria muito mais fácil em um país onde os altos comandos da economia já estivessem em mãos públicas – onde, por exemplo, a General Motors (GM) realmente fosse “Government Motors”. Tampouco qualquer problema não resolvido sobre a logística do planejamento seria um problema. Até o sistema soviético, longe de ser ágil, era muito bom em produzir tanques e armas em massa, e não há razão para pensar que os setores planejados seriam piores na produção em massa de respiradores.
Mesmo sob o sistema atual, a Casa Branca poderia usar a Lei de Produção de Defesa (DPA – Defense Production Act) para orientar a GM a começar a produzir respiradores sem parar, mas o mero fato de que a DPA enquadra essas decisões de planejamento estatal como desvios de norma – violações das prerrogativas normais do capital que só podem ser justificadas por emergências suficientemente extremas – provavelmente levaria, mesmo um executivo muito mais competente do que Donald Trump, a pensar duas vezes para tomar uma decisão dessas antes que a crise ficasse realmente séria.
Mas se a GM fosse a Government Motors, as autoridades eleitas, em suas funções em janeiro, quando a crise parecia estar confinada à China, poderiam simplesmente dizer que precisaremos de mais respiradores em breve e errar pelo lado da segurança. Afinal, ninguém pensa duas vezes quando o Pentágono pede um tanque que acaba não usando em uma guerra.
Como um setor privado socialista de mercado ajudaria
Há todas as razões para acreditar que um setor privado completamente dominado por cooperativas de trabalhadores prezaria muito mais a segurança dos trabalhadores do que um setor dominado pelas empresas com as hierarquias tradicionais. Os gerentes que precisam se preocupar em ser reeleitos teriam muito menos probabilidade de insistir em manter as empresas abertas em condições inseguras. (Isso seria duplamente verdadeiro se as cooperativas implementassem a política socialista tradicional, voltando à Comuna de Paris, de que qualquer funcionário público pudesse ser destituído por seus eleitores a qualquer momento.)
Obviamente, fazer a coisa certa e fechar empresas até ter segurança para retornar ao trabalho teria consequências econômicas em praticamente qualquer sistema imaginável. Existem conflitos de escolha reais e tenho certeza de que, mesmo em uma sociedade socialista, haveria algum debate sobre o momento que seria suficientemente seguro para reabrir. Mas esse debate não seria distorcido pela influência política de proprietários que não precisam assumir pessoalmente os riscos que exigem de seus funcionários.
Esse maior nível de cautela sobre a segurança do trabalhador também retornaria em benefício aos consumidores. Imagine que uma sociedade socialista democrática promulgasse ordens para permanecer em casa, estruturalmente idênticas às que existem agora. Os restaurantes cooperativos teriam permissão para permanecer em operação, mas apenas para entrega de comida. Certamente, uma política de licença médica que tivesse que ser aprovada pela força de trabalho de uma empresa ou por seus representantes eleitos seria muito mais generosa do que a formulada por gerentes nomeados por proprietários não eleitos – ou mesmo que resultasse de negociações entre esses proprietários e sindicatos que representam a força de trabalho. Isso, por sua vez, significaria que muito menos consumidores ficariam doentes porque um cozinheiro doente apareceu para trabalhar.
Além disso, uma sociedade desatravancada de uma classe capitalista teria muito mais probabilidade de prover a seus cidadãos uma generosa rede de segurança social. Tudo isso significa que, mesmo que algum trabalhador individual acabasse perdendo a votação, sobre se a empresa cooperativa em que trabalha deveria permanecer aberta, e em seu julgamento individual, fosse perigoso demais ir trabalhar, ela enfrentaria menos pressão financeira para aparecer para trabalhar.
Por fim, as perspectivas de cooperativas “não essenciais”, que fossem fechadas por causa de uma crise de saúde pública, poderiam abrir suas portas em uma data posterior e seriam melhores do que as perspectivas de reabertura enfrentadas por muitas pequenas empresas capitalistas na situação atual. O poder econômico concentrado, sempre e em toda parte, se traduz em poder político concentrado. Assim, não é de surpreender que grande parte do fundo de resgate para pequenas empresas – o Programa de Proteção de Salários – tenha realmente ido para empresas maiores e melhor conectadas politicamente. Uma sociedade livre de plutocratas teria uma probabilidade muito maior de socorrer bares, restaurantes, mercearias de esquina e assim por diante.
Essa visão do socialismo não seria perfeita. Certamente reproduziria pelo menos alguns dos problemas do sistema existente, e ainda precisaríamos de um forte Estado regulatório para supervisionar até mesmo um setor privado controlado por trabalhadores. Tal sistema representaria, no entanto, um enorme avanço civilizacional sobre o que temos agora – especialmente durante esse tipo de crise.
[…] Não queremos entregar o poder a uma nova classe dominante de burocratas estatais. Como já escrevi antes, queremos expandir a democracia para o domínio […]