Jean Jaurès foi um dos grandes personagens do socialismo francês, um orador e propagandista brilhante que ajudou a fundar o Partido Socialista Francês Unido em 1905. Grande inimigo do militarismo e do papel dos militares na sociedade francesa, sua batalha final, contra a guerra iminente, levou ao seu assassinato em 31 de julho de 1914 por um fanático de extrema-direita.
Jaurès acreditava que foi a Revolução Francesa de 1789 que estabeleceu as bases do movimento socialista e da futura sociedade socialista, e entre suas atividades políticas ele escreveu sua obra-prima, Uma História Socialista da Revolução Francesa, um trabalho que estabeleceu as bases para todas as histórias subsequentes que colocaram os trabalhadores no coração da revolução.
A obra pretendia ser um guia para a ação. Como Jourès escreveu: “Queremos recontar os acontecimentos que ocorreram entre 1789 e o fim do século XIX a partir do ponto de vista socialista em benefício das pessoas comuns, trabalhadores e camponeses”.
O capítulo a seguir de História Socialista foi traduzido do francês por Mitchell Abidor e pertence a um resumo recentemente lançado, publicado pela Pluto Press.
A um historiador sempre é permitido opor hipóteses ao destino. Ele pode apontar os erros dos homens e dos partidos e imaginar que sem esses erros os eventos poderiam ter seguido outros rumos. Tenho falado dos imensos serviços de Robespierre depois de 31 de maio, organizando o poder revolucionário, salvando a França de uma guerra civil, da anarquia e da derrota. Também tenho falado sobre como, depois do aniquilamento do Hébertismo e Dantonismo, ele fora atingido por incerteza, cegueira e distração.
Mas o que nunca deve ser esquecido quando se julga estes homens é que os problemas que o destino impôs a eles eram formidáveis e provavelmente além da força humana. Parece que não era possível para uma geração sozinha derrubar o ancien régime, criar novas leis e direitos, ascender um povo esclarecido e orgulhoso dos túmulos da ignorância, pobreza e miséria, lutar contra uma liga internacional de tiranos e escravos, e colocar todas as paixões e forças em uso nesse combate e ao mesmo tempo assegurar a evolução do país febril, exausto, contra a ordem normal e a liberdade bem ordenada.
A França da revolução precisou de um século, incontáveis tentativas, recuos para a monarquia, despertares da república, invasões, desmembramentos, golpes de estado, e guerras civis antes que finalmente se chegasse a organização da república, ao estabelecimento de liberdades iguais através do sufrágio universal.
Os grandes trabalhadores da revolução e da democracia que laboraram e lutaram mais de um século atrás não são responsáveis, para nós, por um trabalho que precisou de várias gerações para ser realizado. Julga-los como se eles devessem ter encerrado o drama, como se a história não fosse continuar depois deles, é infantil e injusto.
O trabalho deles foi necessariamente limitado, mas foi formidável. Eles afirmaram a ideia de democracia na sua totalidade. Eles proveram o mundo com o primeiro exemplo de um grande país governando e salvando a si mesmo através do poder de todo o povo. Eles deram à revolução o prestígio magnífico da ideia e o prestígio indispensável da vitória. E eles deram à França e ao mundo um ímpeto tão prodigioso em direção à liberdade que, apesar da reação e ofuscamentos, os novos direitos que eles estabeleceram tomaram definitivamente posse da história.
O socialismo proclama e se apoia nesses novos direitos. É um partido democrático em seu mais alto grau já que quer organizar a soberania de todos em ambas esferas política e econômica. E baseia a nova sociedade nos direitos da pessoa humana, já que quer garantir a todo indivíduo os meios concretos de desenvolvimento que sozinhos irão permitir que ele se realize completamente.
Escrevi essa longa história sobre a revolução até 9 Termidor em meio a uma luta, uma luta contra os inimigos do socialismo, da república e da democracia. Uma luta também entre os socialistas pelos melhores métodos de ação e combate. E quanto mais eu avançava sob o fogo cruzado da batalha, mais forte era a minha convicção de que a democracia é uma grande conquista para o proletariado.
É ao mesmo tempo um poderoso meio de ação e a forma em conformidade com a qual as relações econômicas e políticas deveriam ser ordenadas. Isso foi a fonte da extrema felicidade que senti quando eu vi o metal fundido do socialismo que fluiu da revolução e da democracia como se saísse de uma fornalha.
Em um sentido importante — no sentido que Babeuf denotou quando o invocou ao falar de Robespierre — nós somos o partido da democracia e da revolução. Mas nós não acorrentamos e imobilizamos isso. Nós não reivindicamos o conserto da sociedade humana nas fórmulas econômicas e sociais que prevaleceram entre 1789 e 1795 e que responderam às condições de vida e econômicas que não existem mais.
Os partidos democráticos burgueses frequentemente se limitam a pegar alguns poucos fragmentos de lava resfriada do pé do vulcão, para retirar algumas cinzas extintas dos arredores da chama. Ao invés disso, o metal queimando precisa ser derramado em novos moldes.
O problema da propriedade não é mais posto, não pode mais ser posto, como era em 1789 ou 1793. A propriedade privada era então proclamada ser ambos a forma e a garantia da individualidade humana. Dado a existência da indústria capitalista de grande escala, a associação socialista de produtores e a propriedade comum e coletiva dos meios e métodos de produção se tornaram as condições para a libertação universal. Uma forte ação de classe por parte do proletariado é necessária a fim de arrancar a revolução e a democracia de tudo aquilo que é agora ultrapassado e retrógrado na visão de mundo burguesa.
“Classe” e não “seita”, para a necessária organização de toda a vida do proletariado, e só é possível organizar a democracia e a vida se envolvendo ela mesma nelas. A ação precisa ser grandiosa e livre e carregada com a disciplina de uma ideal claro. Uma política democrática e uma política de classe: esses são os dois termos não-contraditórios entre os quais a força proletária se movimenta e que a história um dia irá fundir na unidade da social democracia.
Nesse sentido o socialismo é anexado à revolução sem ser acorrentado a ela. E esse é o motivo pelo qual nós traçamos os esforços heróicos da democracia revolucionária com a mente livre e um coração fervoroso.
Eu passo para as mãos de nossos amigos a tocha onde as chamas foram retorcidas pelos ventos da tempestade e que se consumiu pela metade ao tragicamente iluminar o mundo. Uma chama atormentada mas imortal que o despotismo e os contra-revolucionários irão fortemente lutar para extinguir e que, revivida, irá expandir em uma ardente esperança socialista. Era na atmosfera sombria do Termidor que a luz da revolução teria agora de lutar.
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