20 de novembro marca o aniversário dos Julgamentos de Nuremberg, quando os Aliados levaram oficiais nazistas de alto escalão oficialmente à justiça. No momento em que os Julgamentos de Nuremberg começaram em 1945, Adolf Hitler, Joseph Goebbels e Heinrich Himmler já haviam morrido há muito tempo. Em seus lugares, estavam alguns dos nazistas mais importantes que sobreviveram à guerra: políticos, generais e empresários.
Em apenas doze anos, o regime que eles representavam iniciou a Segunda Guerra Mundial — um conflito de seis anos de proporções inacreditavelmente destrutivas. O regime facilitou a tortura e o assassinato de milhares de oponentes políticos, homossexuais, pessoas com deficiência e o genocídio em escala industrial de mais de seis milhões de judeus europeus. Apenas alguns meses após o fim da guerra, algumas de suas figuras mais hediondas, como Hermann Göring, Rudolf Hess, Alfred Rosenberg e Albert Speer, seriam julgadas nos salões do Palácio da Justiça de Nuremberg.
O primeiro dos treze diferentes Julgamentos de Nuremberg durou 218 dias. Um total de 240 testemunhas foram convocadas a depor e 300.000 depoimentos juramentados foram coletados. A ata do julgamento abrangeu mais de 16.000 páginas. Em sua conclusão, doze réus foram condenados à morte, enquanto muitos outros receberam longas sentenças de prisão. O julgamento representou o primeiro passo na resolução das hostilidades entre a Alemanha e os Aliados e abriu caminho para a reintegração alemã na ordem do pós-guerra.
Para além dos procedimentos oficiais, importantes questões históricas permanecem sem solução e suscitam discussões importantes sobre a natureza humana, o papel da esquerda e a capacidade de movimentos progressistas superarem o racismo e outras opressões para lutarem juntos. A questão principal, claro, é como algo tão terrível pode ter acontecido, para começo de conversa. Como foi possível o crime mais horrível da história humana acontecer justo na Alemanha, a “terra dos poetas e pensadores”?
Alguns historiadores explicam o sucesso dos nazistas baseando-o em um antissemitismo específico, supostamente enraizado na cultura alemã. Segundo essa narrativa, os alemães, já antissemitas, só estavam esperando que um Hitler os levasse a dar o próximo passo. Outros historiadores adotam uma abordagem mais sutil, argumentando que os nazistas subornaram a população, por meio de uma série de incentivos materiais, para que apoiasse seus projetos antissemitas.
O renomado historiador Götz Aly, por exemplo, descreve o regime nazista como uma “ditadura acomodatícia”. Ele argumenta que, embora “o antissemitismo fosse uma condição prévia necessária para o ataque nazista aos judeus europeus, esse aspecto não era suficiente. Primeiro, os interesses materiais de milhões de indivíduos tiveram que ser combinados com a ideologia antissemita, antes que o grande crime que hoje conhecemos como Holocausto pudesse assumir seu impulso genocida”.
Certamente, muitos alemães (incluindo os da classe trabalhadora) apoiaram o regime nazista em determinado momento, e muitos outros foram incentivados pelas políticas econômicas nazistas a tolerar o regime. No entanto, essa leitura histórica simplifica drasticamente o complexo conjunto de condições e forças sociais na República de Weimar e ignora que nem todos os alemães receberam benefícios materiais sob o domínio nazista, tampouco eram todos entusiasmados adeptos dos nazistas. Na realidade, setores significativos da população se opuseram consistentemente ao fascismo.
A ascensão de Hitler ao poder não era, de forma alguma, inevitável; e sim o resultado de condições históricas específicas, bem como das ações (e inações) de várias forças sociais. Enquanto muitas histórias convencionais pintam o nazismo como uma espécie de projeto coletivo alemão, o que a ascensão de Hitler realmente ilustra são as reais consequências que os erros da estratégia socialista pode causar em uma sociedade destruída pela depressão econômica e pela polarização política.
O nazismo foi apenas um dos resultados possíveis da crise da República de Weimar, mas seu eventual sucesso não o torna retroativamente inevitável. Além disso, retratar o fascismo dessa forma obscurece um período histórico muito informativo, tanto para a esquerda quanto para o público em geral.
O impacto da crise de 1929
Poucos anos antes de Hitler tomar o poder, em 1933, seu Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) ainda era, em grande medida, irrelevante. Foi somente após a queda da bolsa de valores em 1929 que o total de votos saltou de oitocentos mil em 1928 para mais de seis milhões em 1930, e 37% dos votos em 1932, tornando-o o maior partido do parlamento.
O pano de fundo desse rápido crescimento foi, sem dúvida, a crise econômica em curso, que corroía as próprias fundações do capitalismo global. A enorme queda nos investimentos causados pelo crash de 1929 levou a um declínio de 29% na produção industrial global em 1932. A indústria alemã foi particularmente afetada, pois havia sido financiada por enormes empréstimos estrangeiros (principalmente estadunidenses), que entraram em colapso assim que os credores retiraram o crédito.
Na medida que muitas empresas, grandes e pequenas, faliram em todo o país, parcelas consideráveis da classe média foram jogadas na pobreza. O campesinato também sofreu com a queda dos preços de alimentos e os trabalhadores enfrentaram cortes salariais de, em média, 30%. Em 1933, o número de desempregados havia ultrapassado os 1,3 milhões de 1929, alcançando aproximadamente 6 milhões. Apenas um terço dos trabalhadores trabalhava em turno integral.
Depois que o último governo democraticamente eleito da República de Weimar deixou o cargo em março de 1930, o presidente Hindenburg nomeou um gabinete presidencial sem apoio parlamentar que utilizava, muitas vezes, decretos de emergência para governar. O chanceler de Hindenburg, Heinrich Brüning, e seu sucessor, Franz von Papen, lançaram uma política de austeridade massiva, cortando drasticamente os benefícios de desemprego, gastos sociais e pensões, ao mesmo tempo em que aumentavam os impostos sobre alimentos e bens de consumo. Como resultado, a fome generalizada tornou-se uma característica comum da vida urbana.
A política de austeridade do Estado servia aos interesses da classe de empregadores alemã. Apenas algumas semanas após o colapso de Wall Street, a Liga da Indústria Alemã exigiu que o Estado de bem-estar social fosse “adaptado aos limites da sustentabilidade econômica”, criticando os “abusos injustificados e imorais” dos benefícios da seguridade social.
Os empregadores alemães acreditavam que a crise econômica havia sido causada por um Estado de bem-estar social inchado, salários altos e poucas horas de trabalho. Sendo assim, responderam cancelando contratos, diminuindo salários e abolindo o teto de oito horas de trabalho diárias. O Estado alemão apoiou essas medidas em 1932, abolindo a negociação coletiva e o direito à greve.
A austeridade havia sido projetada para aliviar as empresas alemãs dos altos custos trabalhistas, reduzindo assim os preços de seus produtos no mercado mundial e impulsionando a economia nacional. Mas como todas as economias industriais estavam adotando estratégias de exportação semelhantes, a prometida recuperação nunca aconteceu e a pobreza não parou de aumentar.
Polarização
A crise foi mais devastadora para os desempregados e a classe média, que se tornaram os dois grupos sociais nos quais os nazistas encontraram mais apoio.
Para os artesãos, donos de pequenos negócios, funcionários públicos e proprietários de lojas, a crise os sujeitou à pressão pelos dois lados. O falecido sociólogo alemão Arno Klönne os descreveu da seguinte forma: “sentiam-se ameaçados pela crescente concentração do capital industrial e financeiro, por um lado, e pelas demandas da classe trabalhadora industrial organizada, por outro lado”. A demagogia do socialismo nacional, direcionada contra o capital financeiro e o movimento trabalhista, provou-se particularmente atraente aos membros da classe média.
A situação dos desempregados era claramente pior do que a das classes médias. À medida que o sistema de seguridade social entrava em colapso, o desemprego na Alemanha de Weimar se tornava cada vez mais uma luta amarga por sobrevivência, enquanto a disparada do desemprego impossibilitava qualquer esperança de encontrar um emprego no futuro próximo. Neste contexto, a SA e outros grupos terroristas sob o comando dos nazistas rapidamente atraíram legiões de alemães desempregados, que encontraram um novo senso de pertencimento, camaradagem e poder no nazismo. O racismo e o antissemitismo embutidos na ideologia nazista deram a muitos membros o sentimento de orgulho e superioridade sobre os judeus, estrangeiros e homossexuais a quem eram supostamente superiores.
Outro importante aspecto no sucesso do NSDAP foi a imagem que eles projetaram de si mesmos como uma alternativa radical à república existente. De acordo com Klönne, “a juventude e os desempregados de longa data” em particular estavam “mobilizados pelo desespero e impaciência; eles não podiam ser abordados com algum tipo de ‘perspectiva de longo prazo’, eles queriam emprego e pão, aqui e agora”. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães prometeu “medidas imediatas para remediar essa situação desesperadora”.
A partir da manipulação dessa imagem e atraindo os grupos sociais mais vulneráveis, o partido de Hitler conseguiu se tornar um verdadeiro movimento de massa em poucos anos — a SA sozinha tinha quatrocentos mil membros em 1932.
O crescimento da direita radical, todavia, é só a metade da história. Em vez de encarar os últimos anos da República de Weimar como uma guinada para a direita em todo o país, eles devem ser entendidos como um processo de polarização política que beneficiou tanto a direita quanto a esquerda.
Assim, o Partido Comunista Alemão (KPD) teve um aumento de votos de 1,3 milhão na sua primeira eleição após a crise do mercado de ações e seus membros mais que dobraram, atingindo um quarto de milhão entre 1928 e 1932. Os Comunistas exerceram uma presença visível nas ruas, organizando manifestações e participando de confrontos físicos com os nazistas.
A força total do movimento trabalhista alemão, o maior e mais poderoso do mundo na época, é evidenciada pelo fato de que, mesmo nas últimas eleições livres em novembro de 1932, apenas alguns meses antes da ascensão de Hitler, o KPD e o SPD combinados ainda terem obtido mais votos do que os nazistas. Dada sua força numérica e política antifascista, um confronto entre os nazistas e os partidos dos trabalhadores parecia inevitável.
10 de maio de 1828 | 14 de setembro de 1930 | 31 de julho de 1932 | 6 de novembro de 1932 | |
NSDAP | 2.8% | 18.3% | 37.3% | 33.1% |
SPD | 29.8% | 24.5% | 21.6% | 20.4% |
KPD | 10.6% | 13.1% | 14.3% | 16.9% |
Resultados das eleições parlamentares, 1928-1932
Em apelo aos membros do KPD nas páginas do jornal Militant em 1931, Leon Trotsky resumiu a situação política alemã da seguinte forma:
Se você colocar uma bola no topo de uma pirâmide, mesmo o menor impacto pode fazê-la rolar para esquerda ou para direita. Essa é a situação que se aproxima, a cada hora, na Alemanha hoje. Existem forças que gostariam que a bola rolasse para a direita e esmagasse a classe trabalhadora. Existem forças que gostariam que a bola permanecesse no topo. Isso é uma utopia. A bola não pode se manter no topo da pirâmide. Os comunistas querem que a bola role para esquerda e esmague o capitalismo.
A derrota final do trabalhismo
Os empregadores alemães também entendiam que a polarização não podia durar para sempre, mas estavam preocupados com a possibilidade de o movimento trabalhista assumir o poder. Os nazistas entenderam como capitalizar esse medo, prometendo reforçar os interesses corporativos por todos os meios necessários. Em um evento nazista organizado por industriais proeminentes, o líder da SS Rudolf Hess exibiu fotos de manifestações revolucionárias de um lado e divisões uniformizadas da SA e SS do outro:
Aqui, cavalheiros, vocês têm as forças de destruição, as quais são perigosas ameaças a suas casas de contabilidade, suas fábricas, todas as suas posses. No outro lado, as forças da ordem estão se formando, com uma vontade fanática de erradicar o espírito de turbulência […] Todos que têm, devem contribuir, para que não percam tudo o que têm!
O ex-oficial nazista Albert Krebs descreveu a cena em suas memórias: “Nem todos os capitalistas estavam particularmente entusiasmados com os nazistas, mas o ceticismo deles era relativo, tendo terminado assim que ficou claro que Hitler era a única pessoa capaz de destruir o movimento trabalhista”. Aterrorizado com a perspectiva de mais ganhos para o movimento trabalhista, o apoio do capital a Hitler cresceu rapidamente.
Trotsky ilustrou essa dinâmica de forma vívida: “A grande burguesia gosta do fascismo tão pouco quanto um homem com dor de dente gosta de arrancá-lo” — ou seja, a solução era desagradável, mas era necessária. Hitler manteve sua promessa ao capital. Após ser declarado Chanceler em janeiro de 1933, ele proscreveu tanto os partidos dos trabalhadores quanto os sindicatos dentro de poucos meses. Milhares de sociais-democratas, comunistas e sindicalistas foram presos e assassinados.
O apoio do capital foi certamente decisivo para a ascensão de Hitler, mas a vitória nazista ainda não era inevitável. Uma série de terríveis erros estratégicos por parte da esquerda alemã desempenhou um papel importante na sua queda.
A social democracia
O Partido Social Democrata Alemão (SPD) entendeu o tipo de ameaça que o NSDAP representava, e ainda assim não conseguiu travar o tipo de luta necessária para detê-lo. Em uma tentativa desesperada de frear os nazistas na tomada de poder dentro da legalidade e salvar a democracia de Weimar, o SPD seguiu a estratégia de apoiar o “ mal menor” — isto é, o governo autoritário de direita que já estava no poder — como um bastião contra Hitler (que certamente seria ainda mais radical e autoritário).
Isso envolveu o apoio à candidatura do arquiconservador Hindenburg nas eleições presidenciais de 1932 e a tolerância aos gabinetes presidenciais autoritários de Brüning e von Papen, bem como os aumentos de impostos e cortes de gastos que promulgaram. A estratégia contrariava o programa político do partido, sem mencionar os interesses materiais de seus apoiadores.
O ponto fraco desta estratégia ficou particularmente óbvio em 20 de julho de 1932, quando o Chanceler von Papen dissolveu o governo liderado pelo SPD na Prússia, o maior estado da República. O SPD já tinha organizado milícias de trabalhadores precisamente para tal situação, a assim chamada Frente de Ferro, um ano antes. Mas, quando encarou um confronto real, a liderança do partido abandonou a resistência armada, insistindo em calma e contenção.
A confederação sindical alemã (ADGB) seguiu um caminho semelhante. Muitos sindicalistas também eram membros do SPD e apoiavam a estratégia do mal menor, tolerando o governo de Hindenburg na esperança de deter os nazistas por meios constitucionais. Consequentemente, também se abstiveram de convocar uma greve geral na Prússia em 1932.
Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda nazista, estava, porém, bem ciente das implicações de 20 de julho. Como escreveu em seu diário alguns dias depois: “os vermelhos foram derrotados. As organizações deles não realizaram qualquer resistência. Os vermelhos perderam a oportunidade que tiveram. Não haverá outra”.
No final das contas, Goebbels estava certo. Como resultado do desastre da Prússia, meio milhão de eleitores abandonaram o SPD nas eleições duas semanas depois. A desastrosa ausência de resposta de julho de 1932 foi repetida seis meses depois, quando os nazistas tomaram o poder e sistematicamente evisceraram o movimento operário.
O KPD
Os comunistas foram a única organização da classe trabalhadora que organizou uma resistência extraparlamentar aos nazistas enquanto fazia oposição ao plano de austeridade do governo; mas eles também falharam. O fracasso deles se deveu principalmente à incapacidade de realizar uma análise clara do fascismo e compreender a ameaça que ele representava.
O Comitê Central usou excessivamente a palavra “fascismo” a ponto de esvaziar seu sentido. Na visão dele, o Estado alemão tinha se tornado fascista em 1930, quando o gabinete presidencial de Hindenburg assumiu. De fato, a liderança do KPD considerava todos os outros partidos no parlamento variantes do fascismo e dizia para seus membros que “lutar contra o fascismo significa lutar contra o SPD da mesma forma que se luta contra Hitler e os partidos de Brüning”.
O KPD adotou posição semelhante à de Moscou quando se baseou na teoria do “fascismo social”. Essa teoria estabelecia, como sustentara Stalin, que o fascismo e a social-democracia não eram opostos, pois funcionavam na prática como “irmãos gêmeos”. No contexto de profunda crise capitalista, era a social-democracia — ao impedir que os trabalhadores lutassem contra o capitalismo — que representava o “principal inimigo”.
Seguindo essa linha, a liderança rejeitou qualquer cooperação com o SPD, mesmo no momento de lutar contra os nazistas: “os fascistas sociais sabem que não haverá colaboração entre nós. Em relação ao Partido do Panzerkreuzer, à Polícia Socialista e àqueles que pavimentam o caminho para o fascismo, lutar até a morte é, para nós, a única saída”.
Vários comunistas endossaram esse tipo de frase de efeito radical à medida que o KPD se tornava cada vez mais um partido dos desempregados. As organizações trabalhistas comunistas tinham praticamente deixado de existir. No outono de 1932, apenas 11% dos membros do KPD eram trabalhadores assalariados.
Desse modo, a maioria dos comunistas não via mais os sociais-democratas como colegas de trabalho, mas apenas como apoiadores da estratégia do mal menor e de acontecimentos como o “Maio Sangrento”, de primeiro de maio de 1929, quando a polícia, sob o comando do social-democrata Karl Friedrich Zörgiebel, suprimira violentamente uma manifestação liderada pelo KPD.
Para acentuar o distanciamento, a liderança do SPD recusou qualquer colaboração com os comunistas. Nesse momento, o SPD era consumido pelo fervor anticomunista, normalmente igualando comunistas e nazistas. Otto Wels, o presidente do partido, declarou, na convenção partidária de Leipzig em 1931, que “o bolchevismo e o fascismo são irmãos. Ambos têm fundamento na violência e na ditadura, independentemente do quão socialistas ou radicais eles possam parecer”.
Ao invés de oferecer à maioria da população uma alternativa política, a postura do KPD de direcionar a maior parte de sua ira contra o SPD jogou os sociais-democratas nos braços da direita, pelo menos por um curto período. O exemplo mais notório disso ocorreu em 1931, quando o KPD apoiou um referendo popular contra o governo do SPD prussiano, formado pelos nazistas e outras forças nacionalistas.
A Frente Unida
Essas políticas desastrosas foram severamente criticadas por vários comunistas dissidentes. Particularmente importantes foram Leon Trotsky e August Thalheimer. Thalheimer tinha sido o fundador do Partido Comunista de Oposição (KPO), que havia rompido com o KPD em 1929. Trotsky, um dos mais conhecidos líderes da Revolução Russa e então um proeminente dissidente comunista, liderava seus seguidores do exílio na ilha turca de Büyükada. Ambos prestavam bastante atenção aos acontecimentos na Alemanha.
O partido de Thalheimer defendia que a ascensão do fascismo somente poderia ser impedida por meio de “uma ofensiva geral planejada e abrangente” da classe trabalhadora. A ferramenta organizacional necessária para essa ofensiva seria a frente única. Trotsky concordava, afirmando que ambos os partidos eram igualmente ameaçados pelo nazismo e, dessa maneira, deviam trabalhar juntos.
A necessidade objetiva da frente única significava que a teoria do fascismo social devia ser abandonada. Enquanto o KPD se recusasse a agir dessa forma, fracassaria em estabelecer vínculos com os apoiadores do SPD: “esse tipo de posição – uma política de esquerda vazia e estridente – bloqueia antecipadamente o acesso do Partido Comunista aos trabalhadores sociais-democratas”.
O clamor por uma frente única não podia ser direcionado exclusivamente aos filiados; devia necessariamente viabilizar também negociações entre as lideranças partidárias. Uma “frente única vinda exclusivamente de baixo” não seria bem-sucedida, pois a maioria dos filiados desejava lutar contra o fascismo juntamente com seus líderes. Os Comunistas não podiam esperar que se aproximar somente dos trabalhadores sociais-democratas que estivessem dispostos a romper com seus respectivos líderes.
A importância de organizar a ação unificada mais ampla possível dentro da classe trabalhadora superava outras preocupações. Isso não significava, porém, que os comunistas deviam moderar ou suavizar suas demandas políticas.
Pelo contrário, era no contexto de uma ação unificada da classe trabalhadora que os comunistas teriam mais chances de demonstrar as suas credenciais antifascistas: “nós devemos ajudar a ação dos trabalhadores sociais-democratas – nessa nova e extraordinária situação – para testar o valor das suas organizações e dos seus líderes nesse momento em que a questão é de vida ou morte para a classe trabalhadora”.
Para garantir isso, a frente única precisava corresponder a uma ação política, não a uma colaboração parlamentar, e somente poderia ser construída em torno de um ponto central: nesse caso, a luta contra o fascismo. Era de extrema importância que os comunistas mantivessem a sua independência política e organizacional dentro da frente. O slogan de Trotsky – “marchem separados, mas protestem unidos! Estejam de acordo apenas em como protestar, contra quem protestar e quando protestar! […] Sob uma condição: não fiquem de mãos amarradas” – resumia bem a abordagem.
Os apelos de Trotsky e Thalheimer por uma frente única foram bem-recebidos por trabalhadores e intelectuais, à medida que o desejo por unidade perante a crescente ameaça nazista se espalhava compreensivelmente. Esse desejo podia ser visto na “Chamada Urgente por Unidade” emitida por trinta e três intelectuais públicos reconhecidos, incluindo Albert Einstein, na reta final para as eleições de 1932, convocando o KPD e o SPD a “finalmente tomarem a iniciativa de formar uma frente trabalhista unida que necessariamente transcendesse o âmbito parlamentar”.
Nas pequenas cidades de Bruchsal e Oranienburg, onde os apoiadores alemães de Trotsky tinham alguma influência política, foi possível formar comitês antifascistas que incluíram tanto sociais-democratas como comunistas. Em vários outros lugares em que nenhum trotskista estava presente, ativistas locais comunistas e sociais democratas simplesmente ignoraram os seus líderes e passaram a trabalhar juntos, como foi demonstrado por uma pesquisa de arquivos recente.
Joachim Petzhold, por exemplo, depois de analisar relatórios internos do Ministério do Interior referentes ao verão de 1932, concluiu que “muitos comunistas queriam se unir aos sociais-democratas contra o fascismo”. Ainda sobre esse tema, ele também destacou a “discrepância existente entre liderança partidária e filiados”.
Essa discrepância pode ser vista em um relatório policial de junho de 1932, no qual está escrito que, “durante um confronto sangrento com os nacional-socialistas […], a frente única foi na prática formada, a despeito dos antagonismos entre os dois partidos marxistas, e os comunistas são normalmente aqueles que se comportam de forma mais perceptiva e engenhosa”.
Outra passagem desse mesmo relatório destaca que “a frente única tem se formado na prática por todo o Reich. Os representantes trabalhistas do SPD colaboram com os colegas vermelhos; membros do Reichsbanner (uma milícia liderada pelos trabalhadores do SPD) atuam como delegados dos seus camaradas em reuniões comunistas; membros da Frente de Ferro em Duisburg discutem táticas da frente única no escritório do KPD; procissões fúnebres e enterros coletivos são comuns em todos os lugares, assim como manifestações compostas por vários partidos em resposta às marchas nacional-socialistas; sociais-democratas aparecem em numerosas conferências antifascistas organizadas pelo KPD; e funcionários de organizações sindicais declaram que a mão fraterna estendida pelo KPD não pode ser ignorada”.
Movimentos em direção à unidade da classe trabalhadora também ocorreram no sudeste da Alemanha. Em julho de 1932, por exemplo, Reinbold, o líder local do SPD, ofereceu uma trégua aos comunistas: “deixar de lado o que nos divide é uma demanda apropriada em virtude da grave natureza desse momento”. As lideranças locais do KPD nas cidades de Ebingen e Tübingen estenderam ofertas similares ao SPD e aos sindicatos nesse mesmo instante.
Em dezembro de 1931, casos isolados de listas eleitorais conjuntas do SPD e KPD foram observadas em Württermberg. O exemplo mais proeminente foi a união prática que se deu na pequena cidade de Unterreichenbach, onde o KPD foi dissolvido e se uniu ao SPD local para fundar um partido unificado dos trabalhadores.
Unidos pela derrota
Apesar de inspirar dinâmicas locais, o KPD já estava completamente dominado pelo stalinismo. Todas as correntes de oposição tinham sido expulsas há tempos, o que significava que seguidores fiéis da Comintern controlavam o partido e ditavam a linha de atuação, até mesmo contra a vontade dos seus membros, se necessário. A posição de Moscou era insistir na teoria do fascismo social até o final.
Quando o Presidente Hindenburg nomeou Hitler chanceler em 30 de janeiro, milhões de trabalhadores alemães estavam preparados para a luta. Protestos romperam pelo país, enquanto representantes dos trabalhadores fabris se encontravam em Berlim para coordenar uma resposta ao pedido de ação conjunta do SPD.
Infelizmente, os líderes sindicais pediam comedimento novamente. O vice-presidente do ADGB afirmou: “nós queremos que a paralização geral seja o último recurso”. O líder Theodor Leipart acrescentou: “queremos enfatizar que não somos oposição a esse governo. Entretanto, isso não pode e não irá nos impedir de também defender os interesses da classe trabalhadora perante esse governo. ‘Organização sim, manifestação não’ é o nosso lema”.
Apenas o KPD convocou uma greve geral, clamando para que todas as organizações da classe trabalhadora formassem uma frente única “contra a ditadura fascista de Hitler-Hugenberg-Papen”. Infelizmente, essas coalizões somente ocorreram em algumas cidades menores, como Lübeck. No geral, o KPD foi incapaz de exercer influência substancial sobre o movimento operário organizado; os anos de isolamento tinham colocado o partido em uma posição de completa irrelevância política.
Depois de janeiro, já era tarde demais; Hitler e os nazistas tinham derrotado o movimento operário mais forte do mundo. O KPD, o SPD e as organizações sindicais foram sumariamente colocados na ilegalidade e dizimados. Seus membros se encontraram novamente, tudo indica que pela última vez, quando estiveram lado a lado nos primeiros campos de concentração erguidos pelo novo regime.
Embora os julgamentos de Nuremberg tenham realmente levado os mais notórios criminosos nazistas à justiça, eles também reduziram o horror do fascismo às ações de alguns indivíduos particularmente cruéis, enquanto, simultaneamente, integraram esse horror a uma narrativa de culpa coletiva nacional. Nessa narrativa, ninguém e todos são culpados. “Ninguém”, no sentido de que a culpa é atribuída a oficiais do alto escalão e seus lacaios; “todos”, porque o fascismo requer o suporte das massas para se sustentar, tornando, dessa forma, todos que viveram sob o regime potenciais colaboradores.Ao invés de nos submetermos a esse dilema analítico, devemos recuperar uma visão da história que reconheça a natureza conflituosa das mudanças sociais. O fascismo nunca é inevitável; é antes o resultado de um confronto entre forças sociais radicalmente opostas. Em todos os lugares em que houver fascismo, é provável que existam socialistas e outras pessoas de esquerda lutando contra ele. Isso era verdade na Alemanha de 1933, quando a esquerda perdeu e a barbaridade nazista venceu, e continua a ser verdade na Europa de crise econômica renovada e polarização política dos dias de hoje.
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