Yanis Varoufakis está acostumado à controvérsia. Desde que deixou o cargo de ministro das Finanças da Grécia em 2015, o auto-declarado “marxista errático” tornou-se o principal porta-voz do DiEM25, um partido europeu que procura reestruturar as instituições da União Europeia para materializar o interesse da maioria.
Em março, Varoufakis ganhou as manchetes por vazar o que chama de “EuroLeaks” – suas gravações secretas das reuniões fechadas em que os ministros das finanças da zona do euro decidiram o destino da Grécia em 2015. As gravações confirmam muitas de nossas piores suspeitas sobre essas instituições burocráticas – e fornecem fascinantes idéias sobre como os tecnocratas neoliberais realmente funcionam.
As instituições europeias estão novamente em destaque hoje, devido à sua fraca reação à pandemia de coronavírus e ao consequente desligamento econômico. Enquanto outra rodada de pacotes de resgate se aproxima, Varoufakis conversou com Loren Balhorn, de Jacobin, sobre a resposta da União Europeia, que lições as elites aprenderam da última crise e que caminhos diferentes estão hoje abertos à esquerda.
LB
Você lançou o “EuroLeaks” há algumas semanas. Você está satisfeito com a reação até agora?
YF
Absolutamente. Queríamos mostrar para quem se preocupasse em entender como o poder não abusa de si mesmo, mas abusa daqueles que o criaram – ou seja, eleitores e o povo em geral. Ficamos impressionados com a resposta positiva, mesmo por aqueles que discordam de nós. Eles dizem: “finalmente, alguém nos deixou entrar, nos deu um lugar na primeira fila do que está acontecendo a portas fechadas, em nosso nome, sem o nosso conhecimento”.
LB
Como tem sido a reação na Grécia?
YF
A mesma. Por um lado, há quem ganha a vida atendendo aos interesses da oligarquia. Eles consideram o EuroLeaks um grande inimigo e uma afronta e fazem de tudo ao seu alcance para desacreditá-lo. Mas, mesmo eles não podem deixar de ouvir os vazamentos e, esperançosamente, se sentir um pouco envergonhados.
LB
Parece que uma das razões pelas quais você lançou as gravações agora é que você está sendo culpado pelo atual governo grego e as lideranças do Syriza pelas condições muito difíceis que Bruxelas impôs ao país. Quanto disso é sobre acertar pontos contra seus inimigos políticos, que estão tentando desacreditar você?
YF
Deixe-me dizer de onde venho. A Grécia é um país cuja população estava no chão mesmo antes do ataque do coronavírus. Vimos um novo governo neoliberal, ultra-direitista, nacionalista e xenófobo introduzir leis que, com precisão matemática, aumentará seriamente o descontentamento e a miséria.
Em dezembro, eles aprovaram uma lei que vende a maioria dos empréstimos e hipotecas vencidos para fundos abutres, principalmente dos Estados Unidos e alguns da Europa. Uma sequência de despejos também está prestes a começar. Quando você ouve o ministro das Finanças apresentar esse projeto, tentando defendê-lo com base em distorções do que estava acontecendo naquelas reuniões do Eurogrupo – nas quais eu representava a Grécia – naquele momento, acho que, se você estivesse no meu lugar, você também faria isso. Não para acertar as contas, mas exatamente o contrário: revelar as mentiras e as notícias falsas que saíam dessas reuniões. Impedir que novas políticas sejam legisladas contra os interesses de pessoas fracas e inocentes que ainda estão sendo alvo da austeridade.
O partido pan-europeu que você ajudou a fundar, DiEM25, sem dúvida apresenta as críticas mais claras de como a União Europeia funciona e que tipos de medidas políticas podem ser tomadas para torná-la menos institucionalmente neoliberal e tecnocrática. No entanto, você fez pouco progresso eleitoral e não entrou no Parlamento Europeu no ano passado. Como você avalia seu desempenho até agora? Por que você acha que é tão difícil conseguir uma audiência para o seu argumento e conquistar um grande número de pessoas para uma plataforma como a sua?
YF
Nos reunimos em fevereiro de 2016 em Berlim para reiniciar o processo e pensar em políticas transnacionais progressistas. No meio de uma derrota – porque 2015 foi uma derrota, não apenas para nós aqui na Grécia, mas para toda a esquerda em toda a Europa. Numa época de crescente xenofobia, avaliamos que nossa derrota coletiva seria o primeiro passo para o fortalecimento do que você chamaria de “Internacional nacionalista”, que se encontra em um ciclo de reforço positivo com o establishment liberal. Porque vamos ser sinceros, as Merkels e os Macrons da Europa precisam de pessoas como Marine Le Pen e a Alternative für Deutschland (AfD) para convencer o resto a votar neles. Ao mesmo tempo, os Le Pens e os AfDs precisam das políticas de austeridade de Macron e Merkel para criar o descontentamento social que os alimenta politicamente.
Sempre soubemos que seríamos inimigos dessas forças, que se antagonizavam e se alimentavam. Não tínhamos organização nem dinheiro, e sempre soubemos que seria difícil. No final, todas as forças progressistas da Europa, incluindo o DiEM25, perderam as eleições de maio de 2019 para o Parlamento Europeu. Todos sofremos com o sucesso do establishment liberal, que continua fazendo negócios como de costume mesmo quando os negócios não podem continuar sendo como de costume. Eles estão alimentando a internacional nacionalista, que então reafirma e reforça o establishment liberal.
Temos 120.000 membros, mas não são muitos na Europa. Conseguimos garantir 1,5 milhão de votos em um orçamento total de € 60.000. Não é ótimo, eu esperava que nosso desempenho fosse melhor, mas também não é catastrófico. Este foi apenas um pequeno primeiro passo. Nós vamos ter sucesso? Eu não faço ideia. O que eu sei é que o DiEM25 tentou fazer é o caminho certo a percorrer.
LB
Onze anos desde a crise econômica global e cinco anos desde que a Troika impôs o plano de austeridade à Grécia, a Europa enfrenta agora uma crise dupla de uma pandemia e, causada por ela, uma crise econômica profunda. Você tem alguma esperança de que os tecnocratas europeus tenham aprendido com a última crise e se vão adotar desta vez uma abordagem diferente?
YF
Há uma espetacular coincidência de erros da União Europeia hoje e em 2010. Eles estão cometendo o mesmo erro econômico: em 2010, eles decidiram pintar a crise como uma crise de dívida pública e falta de liquidez, o que significa que a solução certamente deve ser empréstimos. Assim, o Estado grego foi emprestado a maior quantia da história, sob a condição de cumprir a austeridade. Confundir uma falência com um problema de liquidez é o que encarcerou uma parcela muito grande da Europa – a grande maioria dos europeus – em permanente estagnação.
Quando o coronavírus chegou, a economia da zona do euro já estava muito danificada pelo manejo insano da crise do euro devido a esse erro de perspectiva econômica que confundiram, propositalmente, uma falência com uma crise de liquidez. E eles estão fazendo exatamente a mesma coisa agora. Se você olhar para o comunicado do Eurogrupo, se você olhar para os pronunciamentos do ministro alemão das Finanças Olaf Scholz, suas políticas, elas soam grandiosas – com somas enormes de € 500 bilhões somente na Alemanha. Mas se você observar os detalhes do que eles estão propondo, tanto na Alemanha quanto no Eurogrupo para a União Europeia como um todo, você encontrará exatamente o mesmo erro de perspectiva econômica – eles estão propondo grandes somas na forma de linhas de crédito, ou seja, empréstimos ou diferimentos de impostos. Mais uma vez, eles estão tratando o que é crucialmente uma sequência de falências como uma falta de liquidez, como algo que pode ser tratado por meio de empréstimos. Eles estão fazendo exatamente a mesma coisa.
Então, eles não aprenderam nada. Eles estão determinados a continuar com o mesmo erro. Mas não sejamos ingênuos. Isso não é um fracasso das faculdades, não é um fracasso da racionalidade. O Eurogrupo e a União Européia foram arduamente conectados para nunca poder tomar decisões que utilizem as finanças públicas em favor da maioria. Toda a questão sobre a criação da zona do euro foi erradicar a possibilidade de se fazer uma política fiscal justa. E porque? Porque uma configuração específica do capital europeu decidiu que a melhor maneira de maximizar a acumulação de capital na Europa era fixar a política monetária e nunca dar aos parlamentos a oportunidade de compensar as crises capitalistas por meio de estímulos fiscais.
Eles estão absolutamente determinados. Eles preferem ver metade do continente afundar do que acabar com esse princípio, que é um princípio da guerra de classes, só que da perspectiva deles. Vimos isso em 2010 e podemos ver hoje com o coronavírus.
LB
Então, os banqueiros e as instituições não vão mudar nada, mas isso abre uma brecha para o nosso lado?
YF
Sim. Toda crise é uma oportunidade para os povos se unirem. Precisamos formar um movimento progressista genuinamente transnacional – não uma confederação de partidos de esquerda baseados no estado-nação, mas um movimento transnacional genuinamente pan-europeu contra os banqueiros e oligarcas transnacionais – não seremos capazes de utilizar essa brecha de oportunidade. Essa é a lição de 2015 – pelo menos a lição que tirei aqui na Grécia.
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