“Não somos bucha de canhão”, relataram ao jornal La Repubblica os trabalhadores que se recusaram a cumprir seus turnos durante de trabalho a crise do coronavírus. Esta não é uma greve do tipo em que os trabalhadores se reúnem no portão da fábrica para fazer piquete. As pessoas estão com medo – e querem que o governo intervenha.
A Itália é o país europeu mais afetado pelo coronavírus, tendo cerca de 6.000 mortes no momento da escrita do texto. No entanto, ao mesmo tempo em que começava a implementar mais restrições de viagem, o governo permitia exceções por “motivos de trabalho”, sem deixar claro o que isto significava.
O governo de Giuseppe Conte fechou muitos negócios. Na quarta-feira à noite (11/03), todas as lojas “não-essenciais” (excluindo apenas supermercados e drogarias) foram informadas de que precisariam fechar, como bares, restaurantes, salões de beleza e outros locais que reúnem pessoas. No entanto, esta política ainda não foi aplicada aos locais de trabalho em geral – não importa o tamanho.
Alguns trabalhadores se recusaram a se arriscar. Na terça-feira, trabalhadores na planta da Fiat em Pomigliano, próximo a Nápoles, foram os primeiros a aparecer nas manchetes por terem entrado em greve. No dia seguinte, o grupo FCA (resultante da fusão da Fiat com a Chrysler) anunciou que estava fechando temporariamente a fábrica, além de outras três fábricas no sul do país, em Melfi, Cassino, e Atessa.
Em outra fábrica da FCA em Termoli, Molise, os trabalhadores estão em greve desde 14 de março. O sindicato declarou:
“As grandes fabricas são locais que juntam pessoas, do ônibus às linhas de montagem e o refeitório. É contra a lógica: o Estado fecha tudo, começando com as escolas, e proíbe o deslocamento – até mesmo emitindo sanções criminais contra as pessoas que ignoram os decretos. Mas, diferente da China, o governo italiano não fechou as fábricas; ele continua dizendo ‘fique em casa’, mas as linhas de montagem continuam produzindo, colocando os trabalhadores e suas famílias em risco.”
E assim como em outros pontos da história italiana, os trabalhadores nas famosas montadoras forneceram um exemplo. Na manhã do dia 12 de março, 450 trabalhadores entraram em greve na marca de roupas Corneliani, insistindo que “não há cidadãos Série A e Série B [se referindo as duas maiores ligas de futebol]; saúde é o mesmo problema para todos.”
La Repubblica relatou mais greves nas metalúrgicas em Terni e nos estaleiros Marghera em Veneza; Il Secolo XIX relatou uma greve no porto de Genova onde os estivadores reclamaram que nada havia siso feito para limpar seus equipamentos. Junto com estas demanadas, os trabalhadores têm reivindicado uma paralisação parcial ou total das empresas até o final da crise.
Quem Paga?
Mas as greves são apenas parte da resposta – até porque os próprios sindicatos temiam, até pouco tempo atrás, que uma reação “exagerada” poderia levar a Itália para uma recessão. O Ministro da Economia, Roberto Gualtieri (dos Democratas de centro-esquerda), insistiu que medidas também serão tomadas para que freelancers continuem recebendo algum pagamento.
Essas medidas são desejáveis, por mais limitadas que sejam, mas os sindicatos já denunciam o inicio de algumas demissões. Mais importante, a necessidade de um fechamento para conter o vírus faz com que não sejam os empregadores individualmente que vão decidir forçar seus trabalhadores a irem ao trabalho. O secretário da CGIL em Brescia, Francesco Bertoli, destacou que algumas empresas que trabalham com frete teriam dificuldades para parar e necessitariam de ajuda.
Há também casos claros de especulação com preços – e não apenas na venda de mascaras e álcool gel. Empresas de entrega de comida como a Deliveroo estão aproveitando da queda de clientes em restaurantes – e do fato de que mais pessoas estão presas em casa – mesmo que isto signifique que seus próprios trabalhadores estejam em risco e que possam até mesmo disseminar o vírus. Trabalhadores autônomos como eletricistas e encanadores também foram deixados para decidirem por conta própria se irão trabalhar.
No dia 3 de março, foi anunciado que haveria um pagamento mensal de € 500,00 durante 2 meses para aqueles em partite IVA (autônomos ou freelancers) nas “zonas vermelhas” mais atingidas e que estivessem sem conseguir trabalhar. Também foi anunciado que haveria uma ajuda de até € 1.000,00 por mês para trabalhadores demitidos durante a crise. Outras medidas prometiam a suspenção de pagamentos de hipotecas e contas – mas não de aluguéis.
O que resta ver é se os € 3,3 bilhões destinados a estes pagamentos vão sequer chegar a ser proporcionais a escala da crise, uma vez que se esperado cobrir quase um milhão de trabalhadores. Também há um outro problema espinhoso: se os trabalhadores terão que “compensar” o tempo perdido – Giorgio Gori, prefeito de Bergamo (um dos locais mais atingidos) sugeriu que os feriados de agosto fossem usados para compensar este período.
No país que há muito tempo vem sendo forçado por Bruxelas a cortar o gasto público (apesar de ter tido superávits primários por dois anos), há a inconveniente de falta de ajuda europeia. La Stampa apontou que o fundo de € 7,5 bilhões da União Europeia para as próximas semanas (parte de um pacote do total de € 25 bilhões) não vai fazer mais do que permitir aos governos usarem fundos que eles já tinham acesso, independentemente do quão afetado eles foram.
Os italianos, povo mais atingido na Europa, estão mostrando uma real resiliência, enquanto também se beneficiam de um sistema de saúde em que o direito a ser tratado não depende da sua capacidade de pagar. Ainda assim os efeitos econômicos da crise são reais – forçando os trabalhadores a se arriscarem mesmo quando os turistas são avisados para se manterem longe. As greves servem para insistir que a sociedade como um todo deve aguentar o peso, não aqueles que vivem de pagamento a pagamento.
Como disse um trabalhador na FCA de Termoli:
“Nós vamos recuar apenas quando o governo e a empresa decidirem parar tudo e nos pagar por esse tempo. Nós não podemos bancar a perda de mais dinheiro por um direito inalienável – fazer com que nossa saúde e segurança coletiva sejam a maior prioridade.”
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