Os conservadores ingleses nunca entenderam de verdade o futebol. De David Cameron, esquecendo o time pelo qual torce, até Boris Johnson, trombando contra o ex-meio-campista alemão Maurizio Gaudino com um tackle de rugby durante uma partida beneficente, – um presságio deprimente das políticas futuras de seu partido para a relação com a Europa. Ou seja, o Partido Conservador não vai bem das pernas quando o assunto é um bom jogo. Se a gente volta até os anos 80, encontra Margaret Thatcher tentando forçar o uso de carteirinhas de identificação para os torcedores, junto com um policiamento implacável em sua resposta arrogante ao hooliganismo. A primeira política acabou sendo descartada após o desastre de Hillsborough, enquanto a segunda possui um legado desastroso que ressoa até os dias de hoje.
Nas últimas eleições gerais, não havia sequer uma única menção ao futebol no manifesto dos conservadores – o que faz com que soe como cinismo o que agora oferecem, num estilo “trabalhista-leve”. Sob Johnson, o pretenso futuro estadista – e não Johnson, o valentão do rugby na escola interna ultra-elitista de Eton – os Tories teriam três compromissos específicos para o futebol: criar um Fundo de Propriedade Comunitária de 150 milhões de libras para instituições como bares, correios e clubes de futebol locais “que estejam sob ameaça “; estabelecer uma revisão da gestão do futebol, liderada pelos torcedores e “que incluirá a consideração de testes para os proprietários e diretores”; e trabalhar para introduzir barras de apoio nas arquibancadas dos estádios de futebol.
Os Liberais Democratas, enquanto isso, têm uma menção ao futebol em seu manifesto de 2019, onde também prometem, como os Conservadores e os Trabalhistas, mais barras de apoio e segurança nas arquibancadas. (É preciso dizer que este é um enorme sucesso para aqueles que fizeram campanha para se colocar na agenda política a questão das barras de apoio – o debate agora está praticamente vencido, mesmo que o ritmo da mudança ainda possa ser glacial.) Embora seja improvável que o Partido Nacional Escocês, o Plaid Cymru/Partido do País de Gales e os partidos da Irlanda do Norte façam qualquer barulho sobre o futebol nessa eleição geral, o esporte e a cultura no Reino Unido são temas que foram rebaixados do debate público no nível parlamentar, e esses partidos podem ser perdoados por não se debruçarem sobre o triste estado do jogo na Inglaterra. Depois, há os Verdes, que não têm promessas específicas com relação ao futebol.
Isso deixa o Partido Trabalhista como o único partido que está oferecendo o empoderamento radical para os fãs de futebol; o único partido oferecendo aos torcedores a capacidade de nomear e remover dirigentes; o único partido oferecendo aos torcedores uma chance de comprar as ações de seus clubes, uma proposta com implicações radicais para a propriedade pelos fãs e a futura custódia do esporte.
É o único partido disposto a redistribuir a riqueza dos clubes mais ricos para os clubes menores por meio de uma taxa sobre o dinheiro da Premier League na TV, uma proposta que deve fortalecer o jogo em nível nacional em um momento em que muitos clubes e instituições comunitárias estão lutando pela sobrevivência. É também o único partido que demonstrou ter um entendimento estrutural do que deu errado no futebol inglês, e é por isso que deve ser o partido a reformá-lo.
Onde os conservadores oferecem um Fundo de Propriedade Comunitária para clubes de futebol “ameaçados” – um aceno de culpa ao capitalismo abutre que devastou o Bury Football Club, que quase pôs abaixo o Bolton Wanderers e que ainda ameaça muitos outros -, isso é o mais próximo que o seu manifesto chega de reconhecer que há um problema com o esporte nacional. Fundamentalmente, é um problema filosófico: Quem tem propriedade moral sobre nossos clubes de futebol e a quem eles devem beneficiar? São meros negócios e veículos para o lucro, apenas entidades privadas com as quais pessoas ricas podem fazer o que bem entenderem? Ou são instituições comunitárias que existem para servir aqueles que torcem por eles e os apoiam, tanto financeiramente quanto materialmente, desde o início de sua história?
Na parte sobre “Esporte”, o manifesto trabalhista diz: “No futebol, o jogo profissional se dividiu entre os extremos dos muito ricos e dos muito pobres, com clubes de Bury e Bolton enfrentando o colapso. Um governo trabalhista examinará o estado do esporte, sua gestão e regulamentação, suas regras de propriedade, o apoio e o financiamento dos clubes que são vitais para as comunidades locais. ”
Ao propor a redistribuição de dinheiro da Premier League para as ligas de base, os trabalhistas identificaram, com razão, vastas desigualdades financeiras como um dos principais fatores desestabilizadores do esporte. Além dos gastos imprudentes da Premier League sobrecarregarem todos os outros com transferências, salários e taxas de agentes hiperinflacionados – nem de longe mitigados pelos pagamentos de solidariedade aos clubes da Segunda Divisão -, mas a enorme riqueza oferecida no primeiro escalão, combinada com as avaliações irremediavelmente inadequadas sobre os proprietários e dirigentes, têm incentivado cartolas sem princípios a assumir enormes dívidas em uma escalada desesperada para chegar ao topo.
Tudo isso tem um efeito indireto que se propaga até as bases, onde muitos clubes lutam para pagar as contas de aquecimento e energia elétrica, quem dirá os salários. Redistribuir uma proporção da receita de transmissão para melhorar as instalações de base é um bom começo na tentativa de se consertar a economia quebrada do futebol, principalmente porque, sendo a base da pirâmide – os clubes cheios de lama e as linhas tortas dentro dos quais tantas crianças se apaixonam pela primeira vez pelo futebol – é ela que mantém de pé todo o resto do jogo.
Mais que tudo, os planos do Partido Trabalhista de colocar os torcedores em posições de poder representam uma mudança radical que deve transformar o futebol para melhor. Como os torcedores de Exeter City, AFC Wimbledon e Wycombe Wanderers têm mostrado nos últimos anos, clubes de propriedade dos fãs são capazes de alcançar um grande desempenho, ao mesmo tempo em que se mantêm responsáveis com suas finanças. Onde os benfeitores ricos costumam ficar cegos pela ganância e pela ambição irrealista, os torcedores são motivados tanto pelo bem-estar de seus clubes quanto pelo seu sucesso. Dar poder aos torcedores só pode beneficiar a saúde do jogo, enquanto proprietários sanguessugas como os de Bury e de Bolton fazem tanto mal a ele.
Embora dar aos torcedores a chance de comprar ações quando seus clubes mudam de mãos não seja uma porta imediata para a propriedade por parte da maioria dos torcedores, é um passo incremental na direção certa. Permitir que as Organizações de Torcedores credenciadas possam indicar e destituir diretores deve ajudar a democratizar as opacas salas de diretoria em todos os níveis, até a Premier League, dando aos fãs uma voz direta sobre como seus clubes são administrados. Enquanto os conservadores estão dispostos a reservar dinheiro para os clubes “ameaçados”, os trabalhistas veem que as coisas não precisam chegar a esse ponto e que devemos tratar a doença e não apenas os sintomas. A propriedade comunitária deveria ser encorajada de qualquer maneira, antes que algum desastre o exija.
Os torcedores já demonstraram que são os guardiões mais responsáveis dos clubes de futebol e que, ao contrário dos plutocratas, é possível confiar neles para que preservem suas instituições comunitárias para as gerações futuras. Nesse sentido, o futebol é uma janela para a sociedade inglesa: Somente o Partido Trabalhista realmente entende do que se trata.
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