O eleitorado do Reino Unido voltará às urnas novamente, para a quarta eleição geral em uma década. Enquanto o Parlamento discute a data exata [já foi definida para 12 de dezembro], as eleições de dezembro prometem uma sequência de “primeira vez”: pela primeira vez uma eleição em dezembro desde 1923; pela primeira vez uma eleição no inverno desde 1974; e pela primeira vez uma eleição não é realizada na quinta-feira desde 1931.
Mas também pode ser a primeira vez que uma eleição vá resultar em uma maioria trabalhista desde 2005. As pesquisas continuam incrivelmente voláteis e, com apenas dez pontos à frente, os conservadores estão em uma posição pior do que estavam no início da campanha de 2017, que terminou com eles perdendo assentos e a própria maioria que tinham, apesar de terem começado vinte e quatro pontos à frente dos trabalhistas. A arrogância que Theresa May mostrou ao convocar uma eleição antecipada para tentar aumentar sua maioria foi recompensada com um belo nariz quebrado no dia das eleições. Boris Johnson mostra agora a mesma arrogância, argumentando, exatamente da mesma forma que Theresa May, que ele precisa de uma maioria para garantir que o Brexit seja entregue.
Dias antes de o parlamento votar uma eleição antecipada, os Conservadores comunicaram que estavam inequivocamente confiantes, certos de uma grande derrota trabalhista e de que a personalidade de Johnson seduziria milhões a voltarem a votar no Partido Conservador. Agora que os trabalhistas apoiaram uma eleição, muitos parlamentares conservadores estão bem mais nervosos, com pelo menos um deles afirmando que essa é uma “missão suicida”. Os conservadores têm consciência sobre como trata-se de uma grande aposta: os eleitores podem sentir que estão sendo tomados por garantidos e trocar de partido, mas o maior risco para os conservadores é o Partido do Brexit concorrendo em centenas de distritos, argumentando que Johnson não conseguiu entregar o Brexit até a data em que foi prometido, e corroendo a votação conservadora, permitindo que o Labour assuma a liderança em assentos ocupados por conservadores por apenas uma pequena margem de votos.
Mas o Partido Trabalhista também tem vários elementos a seu favor. O partido tem de longe a maior parcela de jovens ativistas, com os conservadores falhando totalmente em recriar um movimento de juventude depois que a ala jovem do partido entrou em colapso devido a um terrível escândalo de bullying. Os trabalhistas terão muito mais pessoas entregando panfletos, batendo nas portas e abordando os eleitores pessoalmente e por telefone. O Momentum [organização militante ligada a esquerda trabalhista] tem competência para canalizar um grande número de militantes aos principais distritos marginais, onde a disputa será mais apertada; o que foi fundamental para o aumento do número de deputados eleitos pelo partido em 2017.
As regras de imparcialidade que cobrem a transmissão dos meios de comunicação também afetam a cobertura do partido: políticas e plataformas obtêm uma audiência mais equitativa até o dia da votação, e os trabalhistas desfrutram de um grande aumento nos índices de aprovação uma vez que essas regras foram implementadas nas eleições, dois anos atrás. Uma quantidade muito maior de parlamentares trabalhistas receberam tempo de TV, e as conversas passaram a se concentrar mais nas políticas do programa do que nas disputas internas do grupo parlamentar do partido.
A maioria dos comentaristas argumenta que a eleição será disputada quase inteiramente sobre a questão do Brexit. Foi também isso que se disse da última vez, e a eleição real, na verdade, foi mesmo sobre as políticas sociais e econômicas. O Partido Trabalhista se saiu bem depois do lançamento de um manifesto radical, que cobria o Serviço Nacional de Saúde, escolas, serviços públicos e a economia. Os conservadores foram tomados de surpresa com o estrago que a política de assistência proposta – apelidada de “imposto de morte” – causou nos seus índices de aprovação, e têm colocado bem menos trabalho em desenvolver um manifesto do que os trabalhistas têm feito nos anos desde a última eleição. O fato de Johnson não ter conseguido entregar o Brexit até agora e insistir repetidamente que ele poderia tirar o Reino Unido da União Europeia até 31 de outubro será usado contra os Conservadores durante toda a campanha, por todas as partes.
Embora os conservadores possam ter a simpatia da maioria da mídia, os trabalhistas têm idéias radicais que provavelmente atrairão os eleitores. Após nove anos de austeridade, o eleitorado será questionado sobre o que a última década fez em sua área local, em suas comunidades, em seu padrão de vida e nas chances de vida e futuro de seus filhos. Os “bancos de alimentos” quase não existiam no Reino Unido antes dos conservadores tomarem o poder em 2010; agora eles alimentam milhões e estão por todas as partes. Os menos favorecidos viram suas expectativas de vida caírem, enquanto aqueles no topo viram seus ganhos aumentarem enquanto pagavam cada vez menos impostos. Os médicos relatam desnutrição e raquitismo, doenças consideradas algo do período vitoriano e extintas, mas que agora voltaram devido ao empobrecimento deliberado das classes trabalhadoras.
Os conservadores podem ganhar, mas os trabalhistas também podem: tudo está em aberto. Os Conservadores tentarão transformar a eleição em um referendo sobre o Brexit, mas o país quer esperança para o futuro, em vez de ser arrastado para disputas parlamentares pelos ricos proprietários e empresários que habitam o Partido Conservador. Os trabalhistas tiveram um desempenho muito melhor do que o esperado em 2017 e, com trabalho duro e um manifesto robusto, poderiam enterrar os conservadores de Boris Johnson a tempo para o Natal.
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