Eu estava ansiosa para ler o artigo de Doug Henwood sobre a Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês) e pela chance de responder àquilo que eu tinha certeza que seria uma crítica analítica contundente. Fiquei desapontada. Não há nada disso por lá e, portanto, minha resposta será curta.
Sua crítica equivale a uma condenação por associação e à insinuação totalmente desagradável de que não se deve confiar nos estudiosos da MMT e no seu trabalho. O fomentador da MMT, Warren Mosler, há muito tempo tem sido um defensor da “eutanásia do rentista”, mas podemos ignorar isso porque ele é um cara dos fundos de cobertura; vamos ignorar também que Beardsley Ruml não é o único dirigente de um banco central regional que já corroborou as principais alegações da MMT. A análise técnica de Abba Lerner sobre títulos, taxas de juros e gastos governamentais não é circunstancial em relação ao momento histórico particular do pós Segunda Guerra Mundial. Randall Wray e Eric Tymoigne ofereceram provavelmente a resposta mais minuciosa possível à crítica de Thomas Palley, mas nada da substância dessa resposta aparece no artigo de Henwood, apenas uma caricatura do seu estilo retórico. O ataque aos estudos de Wray (alguém que deixou uma marca indelével sobre o pensamento institucionalista e pós-keynesiano) é particularmente perturbador, e Wray escreveu sua própria resposta a isso. Não há uma palavra sobre a importância do trabalho de Wynne Godley para a MMT, enquanto um dos autores da MMT mais prolíficos – Bill Mitchell – aparece apenas de relance, talvez para não abalar a visão equivocada de Henwood de que a MMT seria uma abordagem centrada nos EUA .
Eu esperava ver algum engajamento com as sacadas analíticas da MMT, mas fiquei a ver navios. Você vai aprender com Doug Henwood que temos feito a “aritmética elaborada das reservas bancárias”, mas que aparentemente a contabilidade das reservas é um “assunto de relevância limitada para qualquer pessoa preocupada com questões econômicas num nível mais geral”, como se a maneira com que o governo se financia não fosse uma dessas questões. Henwood não diz ou não pode dizer o que acha que está errado em nossa análise – ele simplesmente afirma que estamos errados.
É provável que, se ele fizesse algumas planilhas de balanço por conta própria, veria que o governo simplesmente não pode financiar previamente seus programas, em nenhum sentido técnico da palavra. Se ele destrinchasse as operações do Banco Central e do Tesouro, veria que os impostos não são armazenados em nenhum sentido material para gastos futuros. Surpreendentemente, não há nada em seu artigo sobre um dos pilares centrais da análise da MMT – os balanços do setor financeiro. Se ele os ponderasse só por um minuto, poderia começar a fazer algumas perguntas diferentes sobre os déficits do governo e entender que, por identidade, o déficit do governo equivale à poupança financeira não-governamental.
E como não há discussão ou análise sobre mercados de títulos de dívida, dealers primários (que são os bancos credenciados junto ao tesouro para comprar os títulos do governo e revendê-los no mercado secundário) e sobre o papel do Banco Central como criador de mercados de títulos, Henwood continua recorrendo a metáforas fáceis mas falsas sobre o “Estado subfinanciado” e sobre o “financiamento privado” dos empréstimos do governo. Sem nenhuma análise técnica, resta a ele outra caricatura comum da MMT: impressoras de cédulas “funcionando livremente” ou com “excesso de trabalho”, que trazem hiperinflação e desgraça.
A discussão de Henwood sobre o programa de garantia de empregos é um pouco mais generosa, provavelmente porque ele acredita (incorretamente) que o programa não seria central no projeto da MMT. A MMT teoriza sobre o que significa para o governo possuir o monopólio da emissão da moeda; ser capaz de definir o preço dessa moeda (ou seja, a taxa de conversão entre a moeda e bens e serviços reais); os benefícios em se ancorar o valor da moeda à força de trabalho (algo que eu pensava que iria ressoar com Henwood); e sobre como a garantia de empregos realiza essa meta e estabelece um padrão de trabalho para toda a economia ao implementar uma política estrutural e anti-cíclica transformadora, que não torna os desempregados descartáveis. A MMT examina o papel dos impostos na condução da moeda e na criação de desemprego, e a responsabilidade inerente do setor público em resolver o problema que criou através do sistema monetário.
Nenhuma dessas idéias é abordada, nem mesmo de maneira tangencial. Henwood nos critica por sermos “tímidos” sobre o quanto de gastos públicos seria demais – convenientemente ignorando que todo o ponto sobre se direcionar a demanda por meio de um programa de garantia de empregos é porque ele estabelece um piso e um teto para os gastos do governo, enquanto ancora os preços. Enquanto isso, é o atual modelo keynesiano-bastardo de estímulos que não tem resposta para a pergunta, “quanto de gastos públicos é demais” para nos levar ao pleno emprego. A garantia de empregos da MMT garante que os gastos do governo no programa estejam sempre exatamente no nível “certo” para gerar e manter o pleno emprego.
Resumindo, não há uma crítica analítica contundente da MMT e, portanto, não há nada para debater. Henwood não refutou nem mesmo uma das nossas alegações.
O que entendi de seu artigo foi o seguinte.
Henwood quer travar uma “luta de classes” via política fiscal, especificamente através dos impostos. Pior, ele quer expropriar a riqueza dos ricos tornando esse processo mais palatável para eles. Ele diz que “os ricos teriam muito mais dificuldade para reclamar sobre seu dinheiro ser usado para educar as crianças e salvar o planeta do que se ele for tomado apenas porque eles são ricos demais”. Isso soa muito como “desculpe por tomar o seu dinheiro mas nós precisamos muito dele, não concorda?” Que guerra de classes!
Henwood não reconhece que uma das formas mais eficazes de nos engajarmos nessa luta seria tornar os ricos obsoletos – no sentido de que vamos parar de fingir que precisamos deles para pagarmos por uma boa sociedade. Em um mundo de moeda soberana e de instituições monetárias e fiscais modernas, nós nunca precisamos deles, e temos certeza de que não vai ser agora que vamos precisar. O público precisa saber disso. Essa é a mensagem da MMT.
Que fique claro: como Henwood reconhece, a MMT sempre defendeu a taxação dos ricos para resolver os problemas de desigualdade e de poder político, mas também oferecemos um tipo diferente de empoderamento – um empoderamento que surge quando retiramos o véu que encobre o dinheiro.
Eu diria que Henwood (como outros esquerdistas do time “taxar-os-ricos-para-pagar-pelo-progresso”) está amarrado aos ricos por um cordão umbilical imaginário que mantém sua agenda progressista refém de seus opressores. Para mim, esta é a definição de uma paralisia auto-induzida.
É hora de cortar esse cordão. A MMT possui um profundo poder emancipatório e faria bem à esquerda despertar para o seu potencial.
O navio da MMT já partiu, independente se Henwood está a bordo ou não. Qualquer pessoa que esteja falando sério sobre políticas progressistas ousadas já está ignorando os austericidas e os esquerdistas ranzinzas com o déficit, como Henwood. Os defensores do New Deal Verde não estão esperando que os “socialistas do tipo vamos-taxar-os-ricos” vençam sua guerra de classes bem em cima da hora, antes que mudanças climáticas irrevogáveis estejam sobre nós; eles estão arregaçando as mangas e começando a trabalhar. Eles sabem que temos problemas muito maiores para resolver, a saber, como reorganizar nossos recursos e nossa produção para garantir uma transição justa e inclusiva para um futuro verde que possa garantir uma vida decente a todos. E desde que tenhamos vontade para fazer o trabalho duro, teremos os meios para pagar por nossas prioridades políticas.
Henwood pode pensar que a MMT não passa de uma distração, mas o registro permanece. Temos feito um trabalho pesado para acabar com décadas de mitos formidáveis sobre os gastos do governo, para ajudar a mudar a janela de Overton sobre o que se considera possível e para pavimentar o caminho para os atuais programas ousados e sem remorsos que reivindicam o Estado. As verdadeiras distrações são aqueles que, como Henwood, na esperança de influenciar o debate público, se apegam a visões esclerosadas sobre as finanças públicas.
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