“Qualquer coisa, menos o capital.” Para os economistas da linha dominante, essa é a regra não-dita que governa as discussões sobre o que culpar pela desigualdade. Desde a resposta petulante de Greg Mankiw ao movimento Ocuppy até o argumento de Tyler Cowen de que a tecnologia tornou a classe média obsoleta, aqueles com a tarefa de explicar Economia aos estadunidenses estão ansiosos para absolver os ricos.
O argumento de Cowen em particular desenvolve um tema que tem se tornado cada vez mais proeminente no debate sobre desigualdade. Confrontados com as evidências irrefutáveis da ascensão do 1%, muitos economistas têm se refugiado na ideia de “mudança tecnológica baseada em habilidades.” Eles dizem que o progresso tecnológico tem eliminado a demanda pelas habilidades de grande parte da população trabalhadora, enquanto recompensa aqueles que possuem talentos adequados à nova Economia.
Em um período diferente, esta teria sido uma posição arriscada de se adotar. A ideia de que o progresso tecnológico beneficiaria todos os setores da sociedade tem sido sempre uma parte central da ideologia estadunidense.
Hoje, porém, com movimentos de oposição em recuo, resta apenas a inevitabilidade do progresso tecnológico. Onde o desenvolvimento tecnológico uma vez carregou a promessa de suavizar as duras arestas da sociedade estadunidense, ele agora tem sido apresentado como a explicação para essas pontas ásperas, e como uma justificação para a sua permanência.
Alguns, entretanto, não estão dispostos a desistir do potencial utópico da tecnologia. Uma organização chamada “Instituto de Experiência do Consumidor” (ICE, na sigla em inglês) – uma subsidiária da “Fatores Humanos Internacional, Ltda.” – submeteu um plano ousado (no Indiegogo, é claro) para enfrentar o flagelo da desigualdade de cabeça erguida. Seu plano era um app chamado “Equalize” (em português, “igualar”ou “iguale”).
No curto vídeo acompanhando a página de divulgação, a CEO da ICE, Apala Lahiri Chavan (que responde como “FuturistApala” no Twitter) oferece aos usuários a oportunidade de reduzir a desigualdade em seis áreas chave, desde “Gênero”, até “Fome” e “Felicidade”. Isso pode ser feito através de um app de smartphone que permite aos usuários acumular pontos, chamados de “smileys” (“sorrisinhos”), através de vários tipos de trabalho voluntário, desde doar livros até fazer mentoria de crianças.
Esse tipo de “gamificação” promete soluções para a desigualdade que virão mais rápido e mais eficientemente do que os governos podem entregar através da “canalização da ação dos usuários.” Desigualdade? Tem um app pra isso!
A tecnofobia pode parecer ser a única resposta da Esquerda. Para cada injustiça, nós somos apresentados a soluções alegadamente neutras politicamente, baseadas em tecnologia, que prometem resolver os problemas dos despossuídos sem nunca perturbar os privilégios dos poderosos. Em um clima tão despolitizado, não é surpresa que alguns radicais tenham passado a suspeitar da tecnologia, e a ver relações sociais de dominação inscritas nas forças de produção em si.
Uma atitude dessas, mesmo que justificada, comete uma injustiça para com o legado do pensamento socialista sobre a tecnologia. Desde o começo do movimento moderno dos trabalhadores, preocupações sobre o lugar do progresso tecnológico nas tentativas de confrontar o “problema social” tem sido centrais para a teoria socialista.
Se examinarmos algumas das posições que deram forma ao pensamento socialista sobre tecnologia, podemos usá-las para reconstruir um papel para aqueles que se recusam a deixar o que Brecht chamou de “as novas coisas ruins” nas mãos de “gamificadores” e disruptores.
Marx e o feitiço do feiticeiro
O progresso tecnológico estava no núcleo do pensamento de Marx sobre a sociedade capitalista e os problemas da transformação socialista. Diferente dos socialistas utópicos que o precederam, Marx era inflexível sobre o seu socialismo ser científico, se mantendo atualizado com os desenvolvimentos mais recentes no conhecimento humano.
Tal posição na verdade minimizava drasticamente o grau em que pensadores como Robert Owen e Charles Fourier eram eles mesmos filhos do Iluminismo, comprometidos com o auto-governo racional da humanidade. Ainda assim, foi um movimento retórico poderoso demarcar a linha dividindo o científico do utópico.
No entanto, o engajamento de Marx com a ciência e a tecnologia era muito mais profundo do que uma mera manobra pela hegemonia no movimento socialista. Ele foi o primeiro a especificar de onde vinha o incrível dinamismo tecnológico do Capitalismo. Enquanto economistas burgueses como Adam Smith viam a divisão de trabalho e o desenvolvimento do mercado como uma fonte inevitável de progresso tecnológico, Marx via as rachaduras de classe subjacentes a esse processo.
Ainda mais importante, ele reconhecia a produtividade tecnológica do Capitalismo como uma de suas virtudes mais centrais. Sem o excedente que o Capitalismo criou, o igualitarismo significaria simplesmente a generalização da escassez. No Manifesto Comunista, Marx foi ainda mais entusiástico em seu elogio:
“A burguesia, durante o seu domínio de apenas cem anos, criou forças produtivas mais massivas e mais colossais do que todas as gerações a precederam, juntas.”
Claramente, Marx não era um tecnofóbico. E ainda assim, pouco depois desta passagem, vem uma das mais famosas entre todos os seus escritos. Referenciando Goethe, ele descreve o Capital como “um feiticeiro que não é mais capaz de controlar os poderes infernais que conjurou em seus feitiços.”
Como S. S. Prawer aponta em ‘Karl Marx e a Literatura Mundial’, a alusão de Marx na verdade contém uma modificação significativa do original de Goethe. Afinal, em Goethe é o aprendiz do feiticeiro quem perde o controle, enquanto para Marx é o próprio feiticeiro. Não haverá um adulto responsável para vir limpar a bagunça do Capital. Para Marx, a produtividade e a anarquia do Capitalismo estavam ligados em seu núcleo.
A crítica de Marx à destrutividade do Capital no Manifesto está alinhada com seu conceito de Socialismo Científico. Como um bom radical iluminista, ele voltou os valores racionalistas contra o sistema que se proclamava como o exemplo deles. Onde ideólogos desde Smith até Bentham declaravam que o Capitalismo incorporava a racionalidade em seu desencadeamento de poderes humanos de inovação, Marx via que essas afirmações mascaravam uma irracionalidade fundamental no coração do sistema.
No Capitalismo, vemos crises “que, em todas as épocas anteriores, pareceriam um completo absurdo – a epidemia de super-produção.” O sistema conjura níveis cada vez maiores de produtividade do trabalho humano, enquanto simultaneamente coloca essa produtividade cada vez mais longe do controle humano. Marx, para quem o poder consciente de alguém sobre o seu próprio destino era o bem supremo, via nesta contradição a chave para a ruína do Capitalismo.
Enquanto se focava nas irracionalidades sistêmicas do Capital, Marx também estava atento à natureza de classe de suas injustiças tecnológicas. Sob o Capitalismo, o trabalhador é “diariamente e de hora em hora escravizado pela máquina,” da qual ele se torna “um mero apêndice,” dispensável e explorado. O caráter classista do progresso tecnológico receberia ainda mais atenção nos Grundrisse e no Capital, onde Marx explorou em maiores detalhes as consequências da mecanização e das lutas de classe às quais ela dá origem.
O legado de Marx sobre a tecnologia é, portanto, complicado, constituído por dois conjuntos de oposições. Primeiro, por causa de seu dinamismo tecnológico, ele via no Capital tanto a danação quanto a salvação da humanidade. Recusando tanto simplesmente aceitar como simplesmente rejeitar o caráter do progresso tecnológico sob o Capitalismo, ao invés disso Marx o dissecou, identificando as forças que o dirigem e seu local potencial no processo de transformação social.
Segundo, Marx deu atenção tanto para as formas de irracionalidade que envolvem toda a sociedade liberadas pela produtividade capitalista, como as crises econômicas, quanto para formas de dominação de classes específicas, como o impacto da mecanização sobre os trabalhadores.
Com efeito, Marx esculpiu um espaço singular nos debates sobre a tecnologia que sobreviveria a ele por mais de um século. A geração de Socialistas depois de Marx falhou, em geral, em manter esse espaço – se encontrando, ao invés, em um ou outro lado das contradições que ele procurava transcender.
Socialistas na Era de Taylor
Os socialistas que enfrentaram a Primeira Guerra Mundial e seus horrores encararam um mundo muito diferente daquele deixado por Marx em 1883. Nas décadas entre os dois momentos, a Ciência havia progredido de forma aterradora, como evidenciado pelo gás mostarda e pela metralhadora. Além do mais, o aspecto classista desta mudança havia se tornado crescentemente óbvio, conforme o Taylorismo e a administração científica procuravam submeter os trabalhadores nas fábricas aos mesmos princípios que suas máquinas.
A ascensão destes novos tipos de conhecimento científico foi a ocasião para uma boa porção de debate dentro do movimento socialista. As posições variavam da rejeição completa até o abraço mais extático das novas tecnologias de eficiência. Por todo este espectro, porém, Socialistas falharam em manter as realizações teóricas e políticas de Marx, caindo de volta em uma unilateralidade que os deixou incapazes de confrontar aspectos chave de sua conjuntura.
O Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW, na sigla em inglês) era o exemplo mais puro desse impulso de rejeição no Socialismo da época da Primeira Guerra Mundial. Celebrado pela Esquerda por sua militância, o IWW atingiu um certo nível de infâmia como defensores de sabotagem. Big Bill Haywood deu a declaração célebre na Cooper Union de que “eu não conheço nada que possa ser aplicado que possa trazer tanta satisfação a vocês quanto raiva para os chefes do que uma sabotagenzinha no lugar certo e na hora certa. Descubra o que isso significa. Não vai te machucar e vai paralizar o patrão.”
Por causa disso, Haywood e outros esquerdistas foram expulsos do Partido Socialista dos Estados Unidos (“SPA”, na sigla original) e tiveram de organizar os “Wobblies” (membros do IWW) sem o suporte de uma organização muito maior. Longe de recuar, porém, o IWW expandiu sua defesa da sabotagem, a elevando como um princípio que englobava muito mais do que quebrar máquinas.
Durante a greve notavelmente amarga de 1912 em Patterson, que os Wobblies lideraram, foram reportados apenas $25 em danos à propriedade industrial. Para o IWW, sabotagem significava a retirada consciente de eficiência, por quaisquer meios. Sabotagem era simplesmente a afirmação de que os trabalhadores tinham o direito de governar o ritmo e o nível de esforço no qual eles iriam trabalhar.
No contexto do Taylorismo e da administração científica, isto era nada menos do que uma declaração de guerra contra os patrões, e os Wobblies sabiam disso. Muito da sua luta era conscientemente dirigida contra os “homens da eficiência,” que estavam ativamente despojando os trabalhadores do pouco de controle que eles ainda tinham sobre o ambiente de trabalho. O IWW reconhecia que a administração científica do trabalho, que englobava tudo desde estudos sobre tempo e movimento até a introdução de linhas de montagem, representava um desastre para a classe trabalhadora, e lutou contra ela apropriadamente.
William English Waling, um membro da esquerda do Partido Socialista e defensor dos Wobblies, argumentou que “na proporção em que os métodos científicos de aumento de eficiência são aplicados na indústria, uma das armas mais poderosas e mais naturais para o trabalhador é o desenvolvimento científico dos métodos de interferência na eficiência.” Para os Wobblies, o objetivo era atirar uma chave inglesa nas engrenagens do progresso – literalmente, se necessário.
A luta dos Wobblies contra a Taylorização era, é claro, completamente justificada. Ainda assim, em sua rejeição inabalável da mudança tecnológica, eles minaram elementos dessa luta. Nisso, como em tanto mais, o IWW estava muito mais preocupado com a destruição da ordem atual do que com a construção de uma nova.
Seu ultra-esquerdismo, manifesto em seu desinteresse em até mesmo assinar contratos com os empregadores, os manteve completamente incapazes de conduzir uma retirada tática quando era necessário. Esta é sempre uma manobra importante para os trabalhadores, que geralmente são superados pelo Capital, mas particularmente crucial na luta pela retirada de eficiência.
Afinal de contas, se os trabalhadores têm muito sucesso em tal retirada, seus empregadores serão simplesmente expulsos dos negócios por empresas que dominam seus trabalhadores com mais sucesso. Em tais situações, a capacidade de negociar uma retirada temporária que preserve o poder de classe é crucial, e a negligência dos Wobblies do impulso pró-tecnologia no legado socialista impediu que eles fizessem isso. Nisso, como nos esforços do IWW em geral, uma simples rejeição das demandas do Capital se provou insuficiente para superá-las.
Na Rússia soviética…
Os primeiros dias da União Soviética presenciaram um debate muito mais vívido sobre os princípios da administração científica. Antes da revolução, Vladimir Lênin havia expressado uma atitude ambivalente em relação ao Taylorismo. Em um artigo de 1914, “O Sistema Taylor – A Escravização do Homem pela Máquina,” ele tanto descarregou contra a barbárie do sistema quanto ponderou sobre suas implicações para a construção socialista.
Lênin era claro sobre o conteúdo classista do Taylorismo. Em um artigo mais antigo sobre o tema, ele havia declarado que “avanços na esfera da tecnologia e da ciência na sociedade capitalista não são mais do que avanços na extorsão de suor.” Em “O Sistema Taylor,” ele observou que os ganhos em eficiência que a administração científica trouxe consigo nunca chegaram aos trabalhadores, mas trouxeram a eles apenas excesso de trabalho e desemprego.
Mas o que prendia a atenção de Lênin sobre o Taylorismo era tanto a produtividade que prometia e o desperdício que gerava. Ele notou com desapontamento que “esta distribuição racional e eficiente do trabalho está confinada a cada fábrica,” enquanto a economia como um todo ainda era governada pela anarquia do mercado.
Lênin ansiava pelo dia em que os trabalhadores controlariam a economia, e mantinha firmemente que eles seriam “capazes de aplicar estes princípios de distribuição racional do trabalho social quando este fosse liberto de sua escravidão pelo Capital.” Para Lênin, o Taylorismo era bárbaro em sua forma da atual, mas poderia facilmente ser remanejado pelos trabalhadores em uma sociedade socialista.
Depois da Revolução de Outubro, os Bolcheviques colocaram estas ideias em ação. Em um país brutalizado primeiro por guerras imperialistas e depois por guerras civis, a questão da produtividade do trabalho era muito mais urgente do que nas explorações de Lênin antes da guerra. No Taylorismo, Lênin e outros líderes bolcheviques viram uma solução em potencial para o problema da escassez. Eles contrataram especialistas em eficiência dos Estados Unidos e se aplicaram à transformação do trabalho soviético.
A discussão do Taylorismo no partido Bolchevique logo se desenvolveu em um debate com duas alas principais. A primeira, agrupada em torno de Alexei Gastev, era entusiasta sobre o potencial de estudos de tempos e movimentos feitos para os trabalhadores russos, e planejava organizar laboratórios para conduzir tais estudos. Um segundo grupo, ainda comprometido com a eficiência na produção, mas menos enamorado das pretensões científicas do Taylorismo, eventualmente formaria uma organização chamada “Liga Vremya” – a “Liga do Tempo”. Estes dois grupos se manteriam em disputa ao longo dos primeiros anos da União Soviética.
Gastev defendia que aquelas técnicas de administração científica tinham muito a oferecer aos trabalhadores russos. Além de aumentar o padrão de vida, a reorganização científica da fábrica seria objetivamente do interesse dos trabalhadores. Encarados pela escolha entre uma fábrica caótica ou organizada eficientemente, Gastev não tinha dúvidas sobre qual os trabalhadores iriam preferir. Propaganda e agitação pelo Taylorismo Soviético poderiam ser levados em frente através de um efeito de demonstração.
Os oponentes de Gastev, por outro lado, eram muito mais céticos sobre o que o Taylorismo tinha para oferecer à construção socialista. Ao invés de remodelar as ações de trabalhadores em linhas mais eficientes, eles enfatizavam a automação de empregos indesejados. A Liga Vremya rejeitava o que eles viam como um compromisso estreito do Taylorismo com a eficiência. Ao invés de simplesmente reorganizar o espaço de trabalho, eles queriam que o Partido Comunista liderasse a luta pela reorganização da sociedade inteira em linhas mais eficientes.
Propostas com esse fim incluíam substituir linguagem imprecisa como “talvez” ou “de alguma maneira” com “um cálculo preciso” ou “um plano bem pensado” e adotar medidas para limitar a duração das falas nas assembleias. A Liga Vremya procurava espalhar a paixão pela eficiência por toda a classe trabalhadora russa através de agitação e propaganda. Eles viam o laboratório de Gastev como o reduto do “barbarismo cronométrico.”
Em última análise, o Taylorismo não foi implementado na Rússia revolucionária de nenhuma maneira sistemática, embora isso foi menos o resultado de oposição organizada do que o caos e as privações na sociedade pós-revolucionária. Mais tarde, na URSS sob Stalin, funcionários estatais soviéticos fizeram um grande esforço para aumentar a produtividade do trabalho. Notavelmente, porém, estes esforços se baseavam menos em reestruturação taylorista e mais em exortação moral. O Movimento Estakanovita, que buscava convencer trabalhadores a seguir o exemplo de um mineiro que havia estabelecido novos recordes de produção, é representativo dessa tendência.
Não obstante, o debate sobre o Taylorismo no início do Estado soviético testemunha sobre a dominância das preocupações sobre eficiência nas discussões soviéticas da administração científica. O desespero e a fragilidade da sociedade soviética sem dúvidas contribuiam para esta preocupação, mas como demonstram os escritos de Lênin de antes da guerra, uma fascinação com as potencialidades do Taylorismo corria fundo no pensamento bolchevique.
Embora estivessem atentos tanto sobre as irracionalidades sistêmicas do Capitalismo quanto sobre a necessidade de progresso tecnológico para uma reorganização socialista da sociedade, os escritores Soviéticos permaneceram comparativamente cegos sobre o caráter de classe do Taylorismo.
O romance fordista de Gramsci
O apoio socialista mais entusiástico ao Taylorismo na era da Primeira Guerra Mundial veio não do leme do novo Estado Soviético, porém, mas de uma cela de prisão. Antonio Gramsci, escrevendo à partir de uma prisão fascista, estava efervescente sobre as perspectivas para a transformação social do que ele chamava de Fordismo.
Preocupado, como sempre, com o atraso relativo da Itália, Gramsci via o Fordismo como uma ameaça para as camadas retrógradas e parasitárias da sociedade italiana. O Fordismo representava os maiores impulsos modernizadores na sociedade capitalista. De fato, Gramsci pensava que o Fordismo era um tal avanço que ele não tinha certeza se poderia ser completado sob o Capitalismo; talvez apenas o Socialismo poderia consumar seu desenvolvimento.
Gramsci acreditava que o Fordismo necessitava da transformação da classe trabalhadora para adaptá-la aos novos modos de produção industrial. Ele afirmava que a indústria moderna demandava “uma disciplina rigorosa dos instintos sexuais (no nível do sistema nervoso) e com isso um fortalecimento da “família”… e da regulação e estabilidade das relações sexuais.”
Para ser claro, Gramsci pensava que esta repressão dos instintos sexuais – o que ele chamava em outro lugar de uma luta “contra o elemento de ‘animalidade’ no homem” – era uma coisa boa. A classe trabalhadora estava ameaçada e sentia repulsa do “libertinismo” das classes médias, que não poderiam remoldar a si mesmas para os requisitos da sociedade industrial.
A proibição do álcool nos Estados Unidos era um aspecto da criação do novo homem industrial, e Gramsci afirmava, de uma forma meio implausível, que a classe trabalhadora estadunidense apoiava a proibição mas que ela era minada por contrabandistas de classe média.
Isso não quer dizer que Gramsci não fosse crítico do Fordismo. Mas suas críticas derivavam quase que inteiramente da implementação do sistema em uma sociedade de classes. No Capitalismo, a transformação do homem industrial necessitada por técnicas modernas de produção poderia apenas atingir um meio-sucesso, já que seria sempre imposta sobre os trabalhadores coercitivamente, vinda de fora. Gramsci defendia que o Fordismo somente poderia ser completado quando a classe trabalhadora tomasse o poder, e adaptasse a si mesma através de uma escolha consciente aos requisitos do Fordismo.
Na mente de Gramsci, preocupações sobre eficiência vieram a dominar as concepções de mudança social. Ao invés da tecnologia tornar o Socialismo possível, a transformação socialista se tornava um mero meio para libertar as forças de produção. É claro, sempre houve um elemento disso em Marx. Mas nos hinos de Gramsci para o homem industrial e a disciplina sexual, isso sobe ao centro da promessa socialista.
Gramsci e outros socialistas ao longo da primeira metade do Século XX se mostraram incapazes de manter a nuance de Marx em face do dinamismo tecnológico do Capital. Não devemos julgá-los tão severamente por isso. Desde os desafios da construção socialista até uma cela de prisão fascista, estes revolucionários foram confrontados com as contradições sociais da ciência e da tecnologia muito mais bruscamente do que Marx jamais foi. Mas nós precisamos reconhecer onde eles deixaram a desejar para fazer melhor da próxima vez.
A nova esquerda e as máquinas
A Nova Esquerda dos anos 60 e 70, embora nunca tenha liderado lutas da magnitude que Lenin e Gramsci fizeram, fez um trabalho melhor em manter-se fiel à análise complexa de Marx das dinâmicas da tecnologia no Capitalismo. Há duas linhas de análise em particular que são úteis para radicais pensando sobre a tecnologia hoje: “Trabalho e Capital Monopolista”, de Harry Braverman e os esforços de agitação sobre informatização do socialista britânico Chris Harman.
Braverman era um Trotskista estadunidense que, depois de um longo período como metalúrgico, terminou como diretor administrativo da Monthly Review Press, o braço editorial da venerável revista socialista. Enquanto esteve por lá, escreveu “Trabalho e Capital Monopolista”, que bebeu tanto de sua própria experiência no espaço de trabalho quanto de um extensivo estudo da teoria administrativa desde Frederick Winslow Taylor até Peter F. Drucker.
Braverman concluiu que o Taylorismo era o coração da prática moderna de administração da força de trabalho. Mas o que ele queria dizer com “Taylorismo” era bem diferente daquilo que a maioria das pessoas associava com o termo. Na cultura popular e também na Esquerda, o que era mais marcante sobre o Taylorismo era sua obsessão com melhores práticas e eficiência. O cronômetro simbolizava esta versão do Taylorismo: uma prática de remoldar o processo de trabalho para ser mais eficiente.
Braverman defendia que esta perspectiva deixava passar o conteúdo de classe do Taylorismo, que era em si essencial para compreender o esforço como um todo. O Taylorismo, ele sustentava, não era uma prática abstrata para melhorar a eficiência da força de trabalho, mas ao invés disso, a prática de dominação do trabalho assalariado em uma sociedade capitalista.
Pesquisando o extenso trabalho de Taylor, Braverman concluiu que o Taylorismo podia ser reduzido a três princípios essenciais.
Primeiro: dissociação do processo de trabalho em relação às habilidades dos trabalhadores. Isso significava redesenhar o processo de trabalho para que ele não fosse dependente dos talentos que os trabalhadores traziam consigo. Muito da produção industrial em idos do século XIX dependia de trabalhadores habilidosos, cujo conhecimento do processo de produção frequentemente excedia, e muito, o de seus empregadores; Taylor via que isto dava aos trabalhadores uma tremenda vantagem sobre seus patrões na luta sobre o ritmo de trabalho.
Os Capitalistas não só não podiam legislar sobre técnicas sobre as quais eram ignorantes, mas também não estavam em posição para julgar quando os trabalhadores diziam que o processo simplesmente não poderia ser dirigido nem um pouco mais rápido. O Trabalho precisava ser redesenhado para que os patrões não dependessem de seus empregados para o conhecimento do processo de produção.
A situação precisava ser revertida. Braverman chama este segundo princípio de separação da concepção em relação à execução. Anteriormente, os trabalhadores projetavam eles mesmos muito do processo de trabalho, decidindo quando e quão rápido eles executariam várias tarefas.
Taylor defendia que isso também enfraquecia os empregadores em relação a seus funcionários. O processo de trabalho nunca poderia ser racionalizado enquanto os trabalhadores estivessem no controle do seu projeto. Os trabalhadores nunca re-desenhariam um processo feito por oito trabalhadores para ser feito, ao invés, por sete. Esse tipo de mudança, é claro, é o que a administração está sempre buscando. Para alcancá-lo, o planejamento tinha de ser separado da execução dentro da empresa.
Esta separação possibilitou o princípio final da administração científica – o uso pela administração de seu monopólio do conhecimento e do controle sobre a produção para redesenhar cada aspecto do processo de trabalho. Uma vez que a administração tivesse dissociado a produção das habilidades e separado a concepção da execução, ela estaria em posição para testar cada momento do processo de produção, para forçá-lo até seu ponto de ruptura, e para ver onde os trabalhadores poderiam ser dirigidos para trabalhar mais duro ainda.
A desqualificação do trabalho que esse processo inevitavelmente produziu foi um benefício enorme para os empregadores na luta de classes mais ampla, já que isso facilitou imensamente o uso de “fura-greves”. Era muito mais fácil achar fura-greves capazes de apertar botões em uma linha de montagem do que encontrar trabalhadores com as altas habilidades do final do século XIX.
Com estes três princípios, Braverman restaurou a ênfase de Marx nas implicações de classe da tecnologia na sociedade capitalista. A Administração Científica não era uma técnica neutra para aumentar a eficiência, mas um esquema para controlar a força de trabalho em sua luta com o Capital. A falha em reconhecer este ponto fica clara nas discussões de Lênin e de Gramsci sobre o Taylorismo e o Fordismo, e leva muito diretamente às conclusões unilaterais às quais eles chegaram sobre a aplicabilidade das técnicas Tayloristas em uma sociedade pós-capitalista.
Braverman tem sido muitas vezes injustamente acusado de negligenciar a ação do trabalhador em sua análise. Mas esse não era o ponto dele, que assumia que os trabalhadores resistirão às imposições do Capital sobre eles e investigava como o Capital tenta superar esta resistência. De qualquer forma, é verdade que ele deixou preocupações mais no sentido da agitação de fora de seu livro.
Estas preocupações foram desenvolvidas quase simultaneamente à publicação de “Trabalho e Capital Monopolista”, do outro lado do Atlântico. Em 1979, a classe trabalhadora britânica estava claramente encarando o começo de um período de derrota. A onda de lutas que havia atingido um pico em 1974, derrubando um governo Conservador, tinha recuado rapidamente, e Margaret Thatcher estava prestes a iniciar sua ofensiva de classe.
Conforme os patrões olhavam para os anos de luta que haviam acabado de viver, eles se voltavam para a mecanização e para a informatização, o que não causa surpresa. Uma maneira de lidar com a volatilidade na conta salarial era trocar o investimento em trabalhadores por investimento em máquinas. Isso coincidiu com o desenvolvimento de tecnologia computacional capaz de ser utilizada de forma lucrativa no escritório. Como tal, grande parte do debate estava centrada na demissão de vários trabalhadores de escritório no Reino Unido, que na época eram em sua maioria membros de sindicatos.
Esse era o contexto em que o socialista britânico Chris Harman escreveu um panfleto entitulado “Tem uma Máquina Querendo Seu Emprego?” Harman era um líder do Partido Socialista dos Trabalhadores, que na época tinha uma base na classe trabalhadora como resultado de seu trabalho no movimento de comissários dos trabalhadores.
Para socialistas nos EUA hoje, grupos radicais estão quase por definição isolados da classe trabalhadora, mas na Inglaterra dos anos 70, as agendas de grupos socialistas eram na verdade colocadas em ação por quadros e apoiadores em espaços de trabalho em todo o país. O panfleto de Harman era um esforço para fornecer orientação estratégica para militantes da classe trabalhadora se ajustando a um período de retirada.
Para os nossos propósitos, o aspecto mais importante do panfleto é o “Pelo Que Lutar.” Para Harman, a questão principal era preservar o controle pelos trabalhadores dentro do ambiente de trabalho. Como ele coloca: “O que nós estamos desafiando não é a tecnologia, mas o controle sobre a tecnologia pelas administrações comprometidas com o lucro.”
A estratégia que ele delineou era mais cheia de nuances do que aquela do IWW. Ao invés de resistir a todo e qualquer esforço de introdução de mais mecanização no espaço de trabalho, ele encorajava os trabalhadores a impor uma série de condições aos esforços de racionalização pela administração, cada uma delas mirando preservar o poder da classe trabalhadora. Elas incluíam demandas como:
- Nenhum uso de tecnologia para medir a velocidade ou a precisão de trabalhadores individuais;
- O envolvimento na discussão de todos os trabalhadores a serem afetados pela mudança tecnológica, diretamente ou indiretamente;
- Nenhuma vitimização de trabalhadores incapazes de se ajustar à nova tecnologia;
- Nenhum atropelamento nos atritos que naturalmente surgirão;
- Garantias por escrito da administração de que não seriam introduzidas novas tecnologias sem um acordo anterior com os membros do sindicato;
Tudo isso mapeava uma estratégia para o Trabalhismo que aceitava a transformação tecnológica no ambiente de trabalho, mas firmemente comprometida em canalizar essa mudança em direções que não seriam corrosivas do poder da classe trabalhadora no chão da fábrica.
Harman queria particularmente diferenciar sua estratégia proposta daquela sendo levada em frente pela liderança sindical, que simplesmente pedia por garantias contra demissões. Esta estratégia, porém, permitia uma dissolução gradual do poder sindical.
Qualquer negócio sofre um certo grau de redução na força de trabalho em qualquer ano, e ao simplesmente não substituir as pessoas que saíram voluntariamente, os patrões podem impor uma carga de trabalho mais alta sobre os trabalhadores restantes sem ter de jamais demitir alguém. Estratégias sindicais que procuraram apenas manter os níveis de emprego e de salário, sem continuar a desafiar o poder da administração, permitiram que os empregadores atingissem seus objetivos através de um tipo de deriva ao invés de uma reestruturação ativa.
Para Harman, o objetivo ideal de qualquer mobilização sindical sobre tecnologia não seria meramente um acordo sobre a questão em mãos, mas o posicionamento dos trabalhadores para estarem ainda mais fortes para o próximo confronto. Como a análise de Braverman, esta perspectiva apontava para uma compreensão mais profunda das motivações do Capital na introdução de tecnologia do que Lênin ou Gramsci evidenciaram.
Ao mesmo tempo, seu foco em forjar acordos com a administração que permitissem que a racionalização avançasse contingente à preservação dos poderes da classe trabalhadora oferece muito mais, estrategicamente, do que uma defesa baseada na rejeição da mudança tecnológica no espaço de trabalho.
Desplugando o Capital
Para radicais confrontando a tecnologia capitalista e seus ideólogos hoje, Braverman e Harman tem muito a oferecer. Ao invés de enxergar a dominação como inscrita nas formas tecnológicas, como alguns radicais hoje querem muito fazer, Braverman e Harman desenvolveram suas abordagens à tecnologia na base do contexto de classe em que ela é implementada.
Sob controle dos capitalistas, os avanços na tecnologia são, como Lênin disse, avanços na extorsão de suor. Mas isso dificilmente esgota as possibilidades do avanço tecnológico, que, como Lênin e Marx viram, podem prometer a emancipação em relação ao trabalho, mesmo que hoje seu resultado seja o oposto.
Suas análises sugerem alguns pontos de orientação para as lutas em torno da tecnologia hoje. Acima de tudo, a questão de se preservar e estender o poder da classe-trabalhadora dentro do ambiente de trabalho precisa ser central para estas lutas.
Crucialmente, isto sugere que abordagens para a tecnologia que se foquem primariamente em preocupações distributivas não são o bastante. Garantias de emprego ou de salários e benefícios justos diante da mudança tecnológica simplesmente não são o bastante; o poder de classe dos empregadores é tal que acordos como estes podem ser muito facilmente compatíveis com a destruição do poder da classe trabalhadora no chão de fábrica. O Capital frequentemente fica feliz em preservar os benefícios para a geração presente de trabalhadores, enquanto garante que a próxima nunca terá acesso a eles.
Esta perspectiva é particularmente importante hoje, visto que o processo de reconstrução do poder da classe trabalhadora por todo o mundo capitalista sem dúvidas será longo. Os capitalistas continuarão a introduzir novas tecnologias que farão a vida dos trabalhadores ainda pior, e, pelo futuro visível, o reinado tecnocrático de especialistas em eficiência e de disruptores em nome do status-quo persistirá, com todas as ideologias patológicas que eles trazem consigo.
A teorização de Marx das múltiplas faces da tecnologia sob o Capitalismo será crucial para compreendermos estes processos. Mas para mudarmos de verdade a situação será necessário a formulação de uma estratégia para organizar os trabalhadores e contra-atacar.
[…] Para se compreender o nosso suposto vício coletivo pelo celular, devemos seguir o conselho de Harry Braverman, e examinar a “máquina por um lado, as relações sociais por outro, e a maneira com que essas […]
[…] a ajuda de políticas ativas para o mercado de trabalho e apoio social, também não deveríamos temer a automação desses papéis. Esse seria um sistema social que valorizaria materialmente e moralmente todas as […]